(Nas minhas deambulações familiares por Alcântara, não tão frequentes
como desejaria para acompanhar mais de perto a evolução sempre empolgante dos
mais novos, a visita de “flâneur”
pela Ler Devagar faz parte dos rituais. Desta vez, oportunidade para
recuperar um Semprún que a Bizâncio tinha publicado.)
Para além da
afetividade natural que Alcântara me inspira, considero o “sítio” um excelente observatório
para medir o pulso a uma Lisboa cada vez mais turística, pelo menos pela perspetiva
da ocupação da rua, dos espaços mais icónicos e emblemáticos e pela Lisboa
alternativa que vai emergindo pela Lx Factory.
Apesar dos preços de habitação que começam, esperadamente a queimar, e
provavelmente a matar os “reabilitadores de pequena e média escala”, a Alcântara
multifuncional, com uma rua Luís de Camões que é um cadinho de serviços de
proximidade. Mas o post de hoje não é para falar de atmosferas urbanas numa
cidade em profunda “turistização” e não apenas no seu centro histórico.
No ritual de
“flâneur” pelos escaparates e estantes
da Lx Factory há sempre um livro esquecido que me desperta, com aquela
curiosidade que só o espaço de uma livraria nos proporciona, o digital ajuda,
mas não é a mesma coisa, como diria o outro.
Desta vez e
com a moderação de alguém que começa a ter sérios problemas de espaço numa biblioteca
já dividida por casa, pelo escritório e por Seixas, descobri uma publicação da
Bizâncio que me tinha escapado, de alguém por quem tenho um culto político e
literário, Jorge Semprún. Como já +or diversas aqui o invoquei, Semprún era um
escritor cuja escrita foi imposta pela necessidade de contar a sua experiência
do campo de Buchenwald, artífice do aproveitamento da memória no romanesco e
também um personagem fundamental para compreender a transição espanhola, desde
a guerra civil até ao seu lugar de Ministro da Cultura de Felipe González.
O livro que
me escapara em português é um conjunto de entrevistas realizadas com o seu amigo
o cineasta Franck Apprédis com o qual acedeu a realizar alguns filmes sobre a
sua experiência em Buchenwald. Com um prefácio de alguém que me fazia ficar
extasiado diante do écran de uma televisão em França, Bernard Pivot, isto antes
do cabo nos permitir esse contacto. Pivot fala do vaivém existencial que a vida
de Semprún representa desde os tempos de Buchenwald, da clandestinidade no PC
espanhol e depois no frenesim de esgotar a sua memória para deixar viva a
lembrança de algo que não devemos esquecer.
A série de
entrevistas chama-se apelativamente “A Linguagem é a Minha Pátria” e mostra
como o tema da linguagem é para Semprún essencial, ele que foi curiosamente conhecido
pela sua escrita em francês e não em castelhano. Interrogado sobre esse aparente
paradoxo, Semprún responde desconcertadamente que afinal não valia a pena
escrever numa língua cuja publicação seria proibida pelo regime franquista. Mas
as entrevistas valem principalmente pela sua proximidade de amizade ao realizador
o que o leva a registos impensáveis noutro modelo de entrevista com outro interlocutor.
É sobretudo curiosa a maneira como ele se revê na linguagem cinematográfica e
como ela se assemelha ao seu próprio registo novelesco.
Salvé a Ler Devagar.
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