terça-feira, 10 de abril de 2018

ORBANISMO



(O exemplo de Viktor Orban na Hungria é seguramente o caso mais grave e avançado de populismo desviante e autocrático na União Europeia, já que lhe corresponde uma ampla validação eleitoral, apesar da sua declarada ofensiva contra a liberdade de imprensa, a justiça, a universidade e as ONG. A Europa política continua à deriva.)

O sempre perspicaz Gideon Rachman do Financial Times (link aqui) tem razão em alertar para os perigos que rodeiam o sistema de valores europeu, ainda que definidos na sua versão mais restrita de respeito pela democracia e pela lei. Na União Europeia têm emergido focos de desrespeito potencial e efetivo por aquele simples critério, incluindo casos tão diversos como a Polónia, a antecâmara política de um novo governo em Itália, a corrupção na Eslováquia e em Malta e consequente perseguição violenta aos jornalistas que investigam livremente os sórdidos contornos das vizinhanças governamentais do fenómeno, o populismo latente na República Checa, a chegada ao poder da extrema-direita na Áustria. Mas nenhum destes exemplos terá o potencial de agravamento que a ampla vitória de Orban na Hungria representa, sobretudo tendo em conta que o mesmo já disse claramente ao que vinha, valendo-lhe inclusivamente uma forte censura emanada do Conselho da Europa (ver comunicação aqui). Parece-me demasiado fácil associar o êxito eleitoral de Orban à sua porfiada ofensiva contra a onda de refugiados na Europa, bem como ao facto de ter considerado George Soros o seu inimigo de estimação e através disso a globalização financeira (cujo combate cai como sopa no mel no populismo emergente).

Parece assim em causa o poder de enforcement que a União Europeia revela da sua defesa dos princípios da democraticidade e legalidade, certamente mal representado na célebre saudação de Juncker a Orban “Olá ditador”. Entretanto, o partido de Orban continua nas fileiras do Partido Popular Europeu (PPE), a quem cabe presentemente a presidência do Parlamento Europeu. Receio bem que a reação dominante nas instituições europeias seja a de flexibilizar os critérios de avaliação do respeito pelas regras democráticas e do estado de direito, uma reação envergonhada e medrosa. Tal reação corresponde a uma espécie de passadeira vermelha e acolchoada para todos os “orbanismos” em formação, continuando a potenciar todos os “esticões de corda” que os próximos tempos venham a determinar. O chamado grupo de Visegrado emerge assim com um líder natural que será Orba. A UE e a Alemanha que se cuidem, pois aquele grupo de países tenderá a emergir como uma relevante força de bloqueio para algumas decisões e matérias que exijam, no complicado processo de decisão europeu, a unanimidade.

Não podemos avançar com a desculpa que não sabíamos. Há longo tempo que o pendor autocrático e populista de Orban era alvo de alertas. Recordo-me, por exemplo, que com base em informação de correspondentes e alunos seus, Krugman denunciava nas suas páginas de opinião, incluindo o blogue agora transformado em página de opinião no NY Times, os atropelos à democracia observados na Hungria.

Anunciam-se Conselhos Europeus de grande importância, tais como os que vão definir o financiamento do novo período de programação 2021-27 e o novo quadro financeiro das políticas de coesão para acomodar a perda de recursos gerada pelo BREXIT. Será interessante seguir a estratégia negocial do grupo de Visegrado e observar se ela refletirá já a ampla validação eleitoral de Orban que lhe assegura a terceira maioria de 2/3 no Parlamento.

Cada vez mais se me enraíza a ideia de que só num tempo longo, mesmo muito longo, poderemos compreender as reais e definitivas consequências das complexas transições que o desmoronamento do bloco soviético provocou nas sociedades abrangidas. Ou seja, matéria de grande relevo para compreender as transições para a democracia a partir de diferentes condições concretas, por exemplo comparativamente entre as chamadas “primaveras árabes” e as transições a leste. Mas uma coisa já antecipadamente podemos concluir. Se fizermos o confronto entre a proclamação de expectativas que nós ocidentais transmitimos aos que aspiram às transições democráticas e a real dimensão dos resultados talvez não tenhamos vontade de regressar a essas perspetivas. É que ficaríamos um pouco envergonhados.

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