(O exemplo de Viktor Orban na Hungria é seguramente o caso
mais grave e avançado de populismo desviante e autocrático na União Europeia,
já que lhe corresponde uma ampla validação eleitoral, apesar da sua
declarada ofensiva contra a liberdade de imprensa, a justiça, a universidade e
as ONG. A
Europa política continua à deriva.)
O sempre
perspicaz Gideon Rachman do Financial Times (link aqui) tem razão em alertar para os
perigos que rodeiam o sistema de valores europeu, ainda que definidos na sua
versão mais restrita de respeito pela democracia e pela lei. Na União Europeia
têm emergido focos de desrespeito potencial e efetivo por aquele simples
critério, incluindo casos tão diversos como a Polónia, a antecâmara política de
um novo governo em Itália, a corrupção na Eslováquia e em Malta e consequente
perseguição violenta aos jornalistas que investigam livremente os sórdidos contornos
das vizinhanças governamentais do fenómeno, o populismo latente na República
Checa, a chegada ao poder da extrema-direita na Áustria. Mas nenhum destes
exemplos terá o potencial de agravamento que a ampla vitória de Orban na
Hungria representa, sobretudo tendo em conta que o mesmo já disse claramente ao
que vinha, valendo-lhe inclusivamente uma forte censura emanada do Conselho da
Europa (ver comunicação aqui). Parece-me demasiado fácil associar o êxito
eleitoral de Orban à sua porfiada ofensiva contra a onda de refugiados na
Europa, bem como ao facto de ter considerado George Soros o seu inimigo de
estimação e através disso a globalização financeira (cujo combate cai como sopa
no mel no populismo emergente).
Parece assim
em causa o poder de enforcement que a
União Europeia revela da sua defesa dos princípios da democraticidade e
legalidade, certamente mal representado na célebre saudação de Juncker a Orban
“Olá ditador”. Entretanto, o partido de Orban continua nas fileiras do Partido
Popular Europeu (PPE), a quem cabe presentemente a presidência do Parlamento
Europeu. Receio bem que a reação dominante nas instituições europeias seja a de
flexibilizar os critérios de avaliação do respeito pelas regras democráticas e
do estado de direito, uma reação envergonhada e medrosa. Tal reação corresponde
a uma espécie de passadeira vermelha e acolchoada para todos os “orbanismos” em
formação, continuando a potenciar todos os “esticões de corda” que os próximos
tempos venham a determinar. O chamado grupo de Visegrado emerge assim com um
líder natural que será Orba. A UE e a Alemanha que se cuidem, pois aquele grupo
de países tenderá a emergir como uma relevante força de bloqueio para algumas
decisões e matérias que exijam, no complicado processo de decisão europeu, a
unanimidade.
Não podemos
avançar com a desculpa que não sabíamos. Há longo tempo que o pendor
autocrático e populista de Orban era alvo de alertas. Recordo-me, por exemplo,
que com base em informação de correspondentes e alunos seus, Krugman denunciava
nas suas páginas de opinião, incluindo o blogue agora transformado em página de
opinião no NY Times, os atropelos à democracia observados na Hungria.
Anunciam-se
Conselhos Europeus de grande importância, tais como os que vão definir o
financiamento do novo período de programação 2021-27 e o novo quadro financeiro
das políticas de coesão para acomodar a perda de recursos gerada pelo BREXIT.
Será interessante seguir a estratégia negocial do grupo de Visegrado e observar
se ela refletirá já a ampla validação eleitoral de Orban que lhe assegura a
terceira maioria de 2/3 no Parlamento.
Cada vez
mais se me enraíza a ideia de que só num tempo longo, mesmo muito longo,
poderemos compreender as reais e definitivas consequências das complexas
transições que o desmoronamento do bloco soviético provocou nas sociedades
abrangidas. Ou seja, matéria de grande relevo para compreender as transições
para a democracia a partir de diferentes condições concretas, por exemplo
comparativamente entre as chamadas “primaveras árabes” e as transições a leste.
Mas uma coisa já antecipadamente podemos concluir. Se fizermos o confronto
entre a proclamação de expectativas que nós ocidentais transmitimos aos que
aspiram às transições democráticas e a real dimensão dos resultados talvez não
tenhamos vontade de regressar a essas perspetivas. É que ficaríamos um pouco
envergonhados.
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