domingo, 22 de abril de 2018

FINALMENTE ALGUÉM

(Pilar Europeu dos direitos sociais em marcha)

(Teresa de Sousa é das primeiras analistas a compreender o que está em jogo na tentativa de Macron de reabilitar o projeto europeu apesar das suas contradições. E fá-lo usando um argumento contundente, o dos que estão em condições de pensar o futuro.)

Nunca acreditei em sereias políticas, em ascensões fáceis e meteóricas, que prometem muita coisa, regra geral com boa retórica, preparada competentemente em grandes Escolas, como o era a ENA (École Nationale d’Administration), que não sei se resistiu à usura e obsolescência dos tempos modernos. Por isso, a atenção que me mereceu a ascensão de Macron não se explica pelo apelo fácil da efemeridade e da novidade de circunstância. O que se passa é que quando estamos mergulhados num ambiente de ruídos indiferenciados, onde os sons e contra-sons se anulam e produzem uma espécie de indiferença auditiva, quando surge algo de diferente os nossos sensores reagem em conformidade. Assim aconteceu com o aparecimento das primeiras tomadas de posição do atual Presidente francês. Num deserto de ideias, o discurso da Sorbonne foi algo que não se perdeu nessa guerra de sons e de bytes. Estava ali algo de diferente, alguém que se arrogava o direito e a consistência de ter um pensamento sobre o futuro da Europa e já há muito que não se ouvia uma ideia sobre a qual valesse a pena refletir.

Estranhamente, conclui que a atenção que a ascensão de Macro me merecera não tinha muito eco pela nossa opinião pública escrita e falada. À esquerda, os preconceitos eram muitos, afinal o relativamente jovem político francês aspirava a introduzir alguma frescura e novidade no já batido e sem resultado confronto entre o PPE e os socialistas e sociais-democratas. À direita, a reação era também de receio, afinal estava em curso uma iniciativa que visava retirar ao PPE o domínio que tem manifestado no Parlamento Europeu. À extrema-esquerda nem falar, pois a passagem do personagem por um banco da alta finança mundial era delito suficiente para colocar toda a gente em guarda definitiva.

Pois no Público de hoje (link aqui) eis que finalmente alguém dá a atenção que o fenómeno Macron merece, o que não significa que também seja conduzido a num cul-de-sac interno e externo nas hesitações de Frau Merkel. E não é uma pessoa qualquer. A jornalista Teresa de Sousa é das mais informadas na imprensa portuguesa sobre as questões europeias, é sólida, pensa, estuda, conhece e fala com muita gente importante. Teresa de Sousa pega na questão por uma via extremamente original, diríamos mesmo circunstancial, mas vale a pena seguir o rumo do seu pensamento. A jornalista traz para a reflexão uma conferência promovida em Lisboa pela Fundação Oriente, com a intervenção de um jovem assessor de Macron, Shakin Vallée, doutorando na London School of Economics. Perante a espontaneidade da intervenção de Vallée sobre o futuro da Europa, um amigo de Teresa de Sousa partilhou com ela a seguinte conclusão: “esta geração, que anda à volta dos 40, não pode olhar para as coisas da mesma forma que nós”.

Pois é isso mesmo. Não olham para as coisas da mesma maneira do que nós, o que não significa que, pensando diferente, pensem pior do que nós e até provavelmente pensarão melhor do que nós. Parece uma evidência clara, mas não é, asseguro-vos, na cabeça de muito boa gente bem pensante. Eu próprio tenho pensado nisto, à escala interna das nossas pequenas coisas, quando confrontadas com o desafio da discussão do futuro da Europa. Assim, existe em Portugal, à esquerda, muito boa gente e bem pensante que lá no fundo admite o seguinte: pensar as coisas sociais e políticas em Portugal exige como certificado de validação a vivência do 25 de abril e das suas dinâmicas. Entendamo-nos. Pensar o social e o político em Portugal com a vivência, e o maior ou menor protagonismo como ator dos acontecimentos, do 25 de abril é seguramente diferente da reflexão que alguém que a não tenha vivido pode alimentar. Mas a primeira não é seguramente melhor do que a segunda. É diferente, pois obviamente que é. Mas associar-lhe uma pretensa superioridade moral e de visão é um erro trágico.

Neste contexto, e sem qualquer falso pudor de o admitir, porque não dar o benefício da dúvida ao projeto de Macron, sobretudo no contexto de um vazio ou deserto incómodo de alternativas de pensamento sobre a matéria? Reduzir a ambição da geração Macron à questão das listas pan-europeias é precipitado e revela vistas estreitas e limitadas. O histerismo que a proposta dessas listas provocou em Portugal, ao qual não me associei, esclareça-se, é o resultado de uma posição de defensiva e de inércia, típicas de quem não tem nada de alternativamente relevante a oferecer, como é infelizmente o que acontece. Pergunta-se de outro ângulo? Alguém acredita que o binómio PPE-Sociais-democratas é capaz de gerar uma nova dinâmica no Parlamento Europeu? Ou já nos esquecemos como a cedência dos sociais-democratas permitiu o avanço inexorável das teses austeritárias que obrigou a Comissão Europeia a meter a violinha no saco quando ensaiou inicialmente estímulos de despesa pública à crise de 2007-2008? Terá havido nestas hostes um rejuvenescimento etário que nos permita admitir que vai ser diferente? Continhos de fadas só para entreter os meus netos.

A tarefa de Macron é gigantesca, pois tem, no plano interno, a França inerte e profunda à perna e no externo uma deriva securitária e defensiva da senhora Merkel, apertadinha que baste no interior da CDU e por uma extrema-direita parlamentar que começa a mostrar as garras.

E não posso estar mais de acordo com Teresa de Sousa, pois já o escrevi neste espaço e há bastante tempo: “(…) O que fez o Presidente francês de inédito foi provar que um discurso de defesa intransigente da Europa e dos seus valores fundamentais, incluindo a abertura e a tolerância pode ser ganhador.”

Os políticos para mim são apreciados no seu todo existencial e não me tenho arrependido desta maneira de ver estes protagonistas. Ora, um Macron, que novinho se apaixona pela sua professora de teatro, muito mais velha, e contra tudo e contra todos consegue impor e preservar esta relação na França que conhecemos não pode ser um gajo qualquer. Como convém aos protagonistas da política.

1 comentário:

  1. Pois, mas...
    https://www.theatlantic.com/international/archive/2018/04/macron-trump-tony-blair/558089/
    https://www.spectator.co.uk/2018/04/bombs-away-trump-and-macrons-bromance-is-getting-serious/

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