(Pilar Europeu dos direitos sociais em marcha)
(Teresa de Sousa é das primeiras analistas a compreender o
que está em jogo na tentativa de Macron de reabilitar o projeto europeu apesar
das suas contradições. E fá-lo usando um argumento contundente, o
dos que estão em condições de pensar o futuro.)
Nunca
acreditei em sereias políticas, em ascensões fáceis e meteóricas, que prometem
muita coisa, regra geral com boa retórica, preparada competentemente em grandes
Escolas, como o era a ENA (École Nationale d’Administration), que não sei se
resistiu à usura e obsolescência dos tempos modernos. Por isso, a atenção que
me mereceu a ascensão de Macron não se explica pelo apelo fácil da efemeridade
e da novidade de circunstância. O que se passa é que quando estamos mergulhados
num ambiente de ruídos indiferenciados, onde os sons e contra-sons se anulam e
produzem uma espécie de indiferença auditiva, quando surge algo de diferente os
nossos sensores reagem em conformidade. Assim aconteceu com o aparecimento das
primeiras tomadas de posição do atual Presidente francês. Num deserto de
ideias, o discurso da Sorbonne foi algo que não se perdeu nessa guerra de sons
e de bytes. Estava ali algo de diferente, alguém que se arrogava o direito e a
consistência de ter um pensamento sobre o futuro da Europa e já há muito que não
se ouvia uma ideia sobre a qual valesse a pena refletir.
Estranhamente,
conclui que a atenção que a ascensão de Macro me merecera não tinha muito eco
pela nossa opinião pública escrita e falada. À esquerda, os preconceitos eram
muitos, afinal o relativamente jovem político francês aspirava a introduzir
alguma frescura e novidade no já batido e sem resultado confronto entre o PPE e
os socialistas e sociais-democratas. À direita, a reação era também de receio,
afinal estava em curso uma iniciativa que visava retirar ao PPE o domínio que
tem manifestado no Parlamento Europeu. À extrema-esquerda nem falar, pois a
passagem do personagem por um banco da alta finança mundial era delito
suficiente para colocar toda a gente em guarda definitiva.
Pois no Público
de hoje (link aqui) eis que finalmente alguém dá a atenção que o fenómeno Macron merece, o
que não significa que também seja conduzido a num cul-de-sac interno e externo nas hesitações de Frau Merkel. E não é
uma pessoa qualquer. A jornalista Teresa de Sousa é das mais informadas na
imprensa portuguesa sobre as questões europeias, é sólida, pensa, estuda,
conhece e fala com muita gente importante. Teresa de Sousa pega na questão por
uma via extremamente original, diríamos mesmo circunstancial, mas vale a pena
seguir o rumo do seu pensamento. A jornalista traz para a reflexão uma conferência
promovida em Lisboa pela Fundação Oriente, com a intervenção de um jovem
assessor de Macron, Shakin Vallée, doutorando na London School of Economics. Perante
a espontaneidade da intervenção de Vallée sobre o futuro da Europa, um amigo de
Teresa de Sousa partilhou com ela a seguinte conclusão: “esta geração, que anda
à volta dos 40, não pode olhar para as coisas da mesma forma que nós”.
Pois é isso
mesmo. Não olham para as coisas da mesma maneira do que nós, o que não
significa que, pensando diferente, pensem pior do que nós e até provavelmente
pensarão melhor do que nós. Parece uma evidência clara, mas não é,
asseguro-vos, na cabeça de muito boa gente bem pensante. Eu próprio tenho
pensado nisto, à escala interna das nossas pequenas coisas, quando confrontadas
com o desafio da discussão do futuro da Europa. Assim, existe em Portugal, à
esquerda, muito boa gente e bem pensante que lá no fundo admite o seguinte: pensar
as coisas sociais e políticas em Portugal exige como certificado de validação a
vivência do 25 de abril e das suas dinâmicas. Entendamo-nos. Pensar o social e
o político em Portugal com a vivência, e o maior ou menor protagonismo como
ator dos acontecimentos, do 25 de abril é seguramente diferente da reflexão que
alguém que a não tenha vivido pode alimentar. Mas a primeira não é seguramente
melhor do que a segunda. É diferente, pois obviamente que é. Mas associar-lhe
uma pretensa superioridade moral e de visão é um erro trágico.
Neste
contexto, e sem qualquer falso pudor de o admitir, porque não dar o benefício
da dúvida ao projeto de Macron, sobretudo no contexto de um vazio ou deserto
incómodo de alternativas de pensamento sobre a matéria? Reduzir a ambição da
geração Macron à questão das listas pan-europeias é precipitado e revela vistas
estreitas e limitadas. O histerismo que a proposta dessas listas provocou em
Portugal, ao qual não me associei, esclareça-se, é o resultado de uma posição
de defensiva e de inércia, típicas de quem não tem nada de alternativamente
relevante a oferecer, como é infelizmente o que acontece. Pergunta-se de outro ângulo?
Alguém acredita que o binómio PPE-Sociais-democratas é capaz de gerar uma nova
dinâmica no Parlamento Europeu? Ou já nos esquecemos como a cedência dos sociais-democratas
permitiu o avanço inexorável das teses austeritárias que obrigou a Comissão
Europeia a meter a violinha no saco quando ensaiou inicialmente estímulos de
despesa pública à crise de 2007-2008? Terá havido nestas hostes um rejuvenescimento
etário que nos permita admitir que vai ser diferente? Continhos de fadas só
para entreter os meus netos.
A tarefa de
Macron é gigantesca, pois tem, no plano interno, a França inerte e profunda à
perna e no externo uma deriva securitária e defensiva da senhora Merkel,
apertadinha que baste no interior da CDU e por uma extrema-direita parlamentar
que começa a mostrar as garras.
E não posso
estar mais de acordo com Teresa de Sousa, pois já o escrevi neste espaço e há
bastante tempo: “(…) O que fez o
Presidente francês de inédito foi provar que um discurso de defesa
intransigente da Europa e dos seus valores fundamentais, incluindo a abertura e
a tolerância pode ser ganhador.”
Os políticos
para mim são apreciados no seu todo existencial e não me tenho arrependido
desta maneira de ver estes protagonistas. Ora, um Macron, que novinho se apaixona
pela sua professora de teatro, muito mais velha, e contra tudo e contra todos
consegue impor e preservar esta relação na França que conhecemos não pode ser
um gajo qualquer. Como convém aos
protagonistas da política.
Pois, mas...
ResponderEliminarhttps://www.theatlantic.com/international/archive/2018/04/macron-trump-tony-blair/558089/
https://www.spectator.co.uk/2018/04/bombs-away-trump-and-macrons-bromance-is-getting-serious/