sexta-feira, 20 de abril de 2018

A RETÓRICA DO QUADRATURA



(Já não é a primeira vez que registo neste espaço os rendimentos decrescentes em que o Quadratura do Círculo está mergulhado. Sem deixar de ser um espaço de comentário político que se diferencia da pobreza geral, quando os três comentadores entram por discussões de temas mais concretos chegam a pecar pela mesma distância face aos temas que outros espaços de comentário revelam. Ontem foi um dia desses sobretudo no que respeita ao tema do acordo PS-PSD em torno dos Fundos Estruturais e da descentralização.)

Está mais que demonstrado que o Quadratura é um espaço de comentário político em sentido estrito e é bom que se quede por aí. Porque quando se aventuram em temas mais concretos, que exigem uma perspetiva de quem “mete a mão a massa” para um comentário mais profundo e decente, o resultado tem sido desastroso. Não ficaria mal nesses casos aos comentadores algum esforço de aprofundamento de matérias, já que, creio eu, devem ganhar para isso.

Ontem foi um caso desses.

Exemplifiquemos.

Para demonstrar que o acordo PS-PSD é um acordo de coisa nenhuma em matéria de Fundos Estruturais, JPP, ALX e JC, mais os dois primeiros, consideraram que fixar como objetivo de negociação não perder dinheiro em matéria de acesso a fundos de política de coesão é algo que toda a gente subscreveria, salvo alguma parvoíce de última hora. De facto, toda a gente sabe que as consequências do BREXIT e da necessidade de alocar mais fundos às questões da segurança e defesa, incluindo acolhimento de refugiados trazem um cenário provável de redução de fundos. Há países na União interessados em reduzir o alcance da política de coesão e por isso fixar a defesa de não perder fundos em relação a 2014-2020 é uma meta de alcance nacional. Mas os senhores comentadores deveriam saber que o problema essencial não é esse. O problema não é tanto a massa de fundos, embora politicamente dê louros lutar nessa banda, mas antes a maneira como se aplicam esses fundos e como se organiza todo o processo. Por exemplo, uma matéria de grande alcance em termos de discussão política é a de saber se vai continuar a predominar a lógica da captura pelas administrações centrais setoriais de largas fatias dos programas com fundos, sobrepondo-se praticamente às regiões e fazendo das CCDRs caixas de ressonância sem intervenção nas prioridades da territorialização de tais políticas. Ora aqui está uma boa matéria para as forças políticas se pronunciarem. O mesmo se diga sobre a posição que o governo português vai assumir na negociação em Bruxelas acerca da possibilidade de financiamento de investimentos infraestruturais. Não se trata de ceder de novo ao impulso das infraestruturas mas antes à necessidade de as contemplar como instrumento de modernização da economia portuguesa. Será que vamos ter um governo a meter o rabinho entre pernas à mínima exigência de Bruxelas como aconteceu no PT 2020? Poderia aqui apresentar outros temas de programação de significativo alcance político bem mais decisivos do que a simples questão do montante. E conviria não ignorar os alertas fundamentados da avaliação, mesmo sabendo nós que os governos do PS não costumam ser muito propensos a ouvir a perspetiva dos avaliadores. E o Dr. Jorge Coelho não traz para a mesa da discussão o tema do interior nos Fundos Estruturais? Tanto alarido como o novo paladino do interior e nada de referências a esta matéria?

Ou seja, quando o Quadratura sai do plano do comentário político em sentido estrito, onde continua a fazer a diferença, para se aventurar em temas mais concretos a reflexão deixa muito a desejar. Aliás, estando eu do lado da comunidade de práticas que trabalha nestas coisas, mergulhar no terreno das complicações e ouvir depois estes comentários de grande abstração não é grande estímulo. Continua a existir em Portugal um enorme fosso entre a perceção política e a perceção técnica do mundo dos Fundos Estruturais. A primeira movimenta-se no terreno do mais puro “wishful thinking”, ao passo que a segunda debate-se com as contradições supremas da nossa administração pública, cada vez mais dizimada e debilitada.

Sobre a outra componente do acordo o panorama não foi melhor. Os três comentadores arrumaram o assunto com a ideia de uma municipalização em marcha. E tanta matéria interessante haveria que comentar. Por exemplo, será que o PSD vai conseguir travar a idiotice de colocar os Presidentes das CCDRs a serem eleitos por um colégio eleitoral de autarcas, tal como a desajeitada proposta do PS chegou a admitir que assim seria? Será que vai conseguir travar a tontaria de arranjar uma contenda constitucional com as eleições diretas para as presidências das Áreas Metropolitanas, criando sub-regiões de primeira e sub-regiões de segunda? Há alguma ideia comum relevante para avançar com alguma perspetiva de reforço do nível sub-regional, dando sentido de continuidade às experiências de gestão partilhada entre municípios e CIMs? Questões de somenos? Não, questões fundamentais! Mas os senhores comentadores resolveram substituir tudo por ideias feitas de “municipalização” e “regionalização encapotada”. Era melhor ficarem pelo comentário político em sentido estrito. Pelo menos aí vale a pena ouvi-los.

Nota final: a posição de Pacheco Pereira em relação à Europa corre o risco de andar paredes meias com o mais tosco nacionalismo. Será que Portugal estará no mundo de hoje melhor defendido fora da União Europeia? Não o creio. E ignorar o contexto de hoje, sobretudo monitorizar o que vai dar a relação Macron-Merkel parece-me pura distração ou má-fé. Por este andar, andará no colo do PCP e do Bloco em matérias europeias

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