(Já não é a primeira vez que registo neste espaço os
rendimentos decrescentes em que o Quadratura do Círculo está mergulhado. Sem
deixar de ser um espaço de comentário político que se diferencia da pobreza
geral, quando os três comentadores entram por discussões de temas mais concretos
chegam a pecar pela mesma distância face aos temas que outros espaços de comentário
revelam. Ontem foi um dia desses sobretudo no que respeita ao tema
do acordo PS-PSD em torno dos Fundos Estruturais e da descentralização.)
Está mais
que demonstrado que o Quadratura é um espaço de comentário político em sentido
estrito e é bom que se quede por aí. Porque quando se aventuram em temas mais
concretos, que exigem uma perspetiva de quem “mete a mão a massa” para um comentário
mais profundo e decente, o resultado tem sido desastroso. Não ficaria mal
nesses casos aos comentadores algum esforço de aprofundamento de matérias, já
que, creio eu, devem ganhar para isso.
Ontem foi um
caso desses.
Exemplifiquemos.
Para
demonstrar que o acordo PS-PSD é um acordo de coisa nenhuma em matéria de
Fundos Estruturais, JPP, ALX e JC, mais os dois primeiros, consideraram que
fixar como objetivo de negociação não perder dinheiro em matéria de acesso a
fundos de política de coesão é algo que toda a gente subscreveria, salvo alguma
parvoíce de última hora. De facto, toda a gente sabe que as consequências do
BREXIT e da necessidade de alocar mais fundos às questões da segurança e
defesa, incluindo acolhimento de refugiados trazem um cenário provável de redução
de fundos. Há países na União interessados em reduzir o alcance da política de
coesão e por isso fixar a defesa de não perder fundos em relação a 2014-2020 é
uma meta de alcance nacional. Mas os senhores comentadores deveriam saber que o
problema essencial não é esse. O problema não é tanto a massa de fundos, embora
politicamente dê louros lutar nessa banda, mas antes a maneira como se aplicam
esses fundos e como se organiza todo o processo. Por exemplo, uma matéria de
grande alcance em termos de discussão política é a de saber se vai continuar a
predominar a lógica da captura pelas administrações centrais setoriais de
largas fatias dos programas com fundos, sobrepondo-se praticamente às regiões e
fazendo das CCDRs caixas de ressonância sem intervenção nas prioridades da
territorialização de tais políticas. Ora aqui está uma boa matéria para as
forças políticas se pronunciarem. O mesmo se diga sobre a posição que o governo
português vai assumir na negociação em Bruxelas acerca da possibilidade de
financiamento de investimentos infraestruturais. Não se trata de ceder de novo
ao impulso das infraestruturas mas antes à necessidade de as contemplar como
instrumento de modernização da economia portuguesa. Será que vamos ter um
governo a meter o rabinho entre pernas à mínima exigência de Bruxelas como
aconteceu no PT 2020? Poderia aqui apresentar outros temas de programação de
significativo alcance político bem mais decisivos do que a simples questão do
montante. E conviria não ignorar os alertas fundamentados da avaliação, mesmo sabendo
nós que os governos do PS não costumam ser muito propensos a ouvir a perspetiva
dos avaliadores. E o Dr. Jorge Coelho não traz para a mesa da discussão o tema
do interior nos Fundos Estruturais? Tanto alarido como o novo paladino do
interior e nada de referências a esta matéria?
Ou seja,
quando o Quadratura sai do plano do comentário político em sentido estrito,
onde continua a fazer a diferença, para se aventurar em temas mais concretos a
reflexão deixa muito a desejar. Aliás, estando eu do lado da comunidade de práticas
que trabalha nestas coisas, mergulhar no terreno das complicações e ouvir
depois estes comentários de grande abstração não é grande estímulo. Continua a
existir em Portugal um enorme fosso entre a perceção política e a perceção técnica
do mundo dos Fundos Estruturais. A primeira movimenta-se no terreno do mais
puro “wishful thinking”, ao passo que
a segunda debate-se com as contradições supremas da nossa administração pública,
cada vez mais dizimada e debilitada.
Sobre a
outra componente do acordo o panorama não foi melhor. Os três comentadores arrumaram
o assunto com a ideia de uma municipalização em marcha. E tanta matéria
interessante haveria que comentar. Por exemplo, será que o PSD vai conseguir travar
a idiotice de colocar os Presidentes das CCDRs a serem eleitos por um colégio
eleitoral de autarcas, tal como a desajeitada proposta do PS chegou a admitir
que assim seria? Será que vai conseguir travar a tontaria de arranjar uma
contenda constitucional com as eleições diretas para as presidências das Áreas
Metropolitanas, criando sub-regiões de primeira e sub-regiões de segunda? Há
alguma ideia comum relevante para avançar com alguma perspetiva de reforço do nível
sub-regional, dando sentido de continuidade às experiências de gestão
partilhada entre municípios e CIMs? Questões de somenos? Não, questões
fundamentais! Mas os senhores comentadores resolveram substituir tudo por
ideias feitas de “municipalização” e “regionalização encapotada”. Era melhor
ficarem pelo comentário político em sentido estrito. Pelo menos aí vale a pena
ouvi-los.
Nota final:
a posição de Pacheco Pereira em relação à Europa corre o risco de andar paredes
meias com o mais tosco nacionalismo. Será que Portugal estará no mundo de hoje
melhor defendido fora da União Europeia? Não o creio. E ignorar o contexto de
hoje, sobretudo monitorizar o que vai dar a relação Macron-Merkel parece-me
pura distração ou má-fé. Por este andar, andará no colo do PCP e do Bloco em
matérias europeias
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