(Um surpreendente artigo de Paul de Grauwe no Social
Europe, fora do âmbito habitual das suas preocupações, conduz-nos à
força política desproporcionada da Rússia face ao seu poderio económico. Com
uma mensagem para dentro da Europa.)
Paul de
Grauwe tem uma obra amplamente conhecida em Portugal que teve o seu papel na
denúncia do erro de política macroeconómica em que a União Europeia incorreu na
abordagem à crise das dívidas soberanas. Tem, ou pelo menos teve, uma coluna
regular no Expresso e foi orador convidado com Mark Blyth e Ricardo Reis na
Conferência da Gulbenkian e do Instituto Thomas Jefferson/Correia da Serra
sobre políticas públicas, em que tive o prazer de participar.
O artigo que
invoco hoje foi publicado no sempre atento Social Europe (link aqui) e centra-se numa
curiosidade estatística, cujo alcance está muito para além do fascínio pelos
números. De Grauwe compara o PIB da Rússia com o da Bélgica e Holanda
conjuntamente considerados e conclui surpreendentemente que o potencial
económico russo é pouco mais elevado do que o daqueles dois pequenos países da
União Europeia. Para citar os números, podemos dizer que o PIB da Rússia atinge
1,469 mil milhões de dólares, ao passo que o PIB conjunto da Bélgica e Holanda
é de 1,315 mil milhões de dólares, ou seja que o potencial económico bruto da
Rússia é apenas 12% mais elevado do que o dos dois países do Benelux. O
confronto não deixa de facto de ser surpreendente, podendo retirar-se a ideia
de que o tom imperial de Putin tem que se lhe diga em termos de potencial
económico subjacente. Pode daqui inferir-se que se passarmos a um cálculo per
capita rapidamente nos daremos conta que a esmagadora maioria dos russos não
pode deixar de viver muito mal em confronto com os valores europeus, facto ao
qual não é estranha a profunda desigualdade na distribuição do rendimento
representada pelos novos oligarcas, mais ou menos afetos ao regime de Putin. Os
não afetos correm como se sabe sérios riscos.
Face ao gap
de potencial económico que a Rússia apresenta face aos países mais poderosos do
mundo (relações de 1 para 13 e de 1 para 8 relativamente aos EUA e China,
respetivamente, em termos de PIB), De Grauwe anota o peso desproporcionado,
face aos restantes países, das despesas militares na Rússia para lograr manter
o tom imperial e belicista que Putin cultiva. Mas o que é interessante é
verificar que o regresso ao sonho do poderio de outros tempos (imperiais) se
concretiza com pés de barro em termos económicos. A questão mais interessante
suscitada por De Grauwe é, porém, outra. Como é que se justifica neste contexto
o forte peso político que a Rússia tem vindo a acumular nos tempos mais
recentes sob o comando de Putin? Há dois fatores relevantes que não podem ser
ignorados: a preservação de um arsenal nuclear que vem de outros tempos e o
facto da Rússia ter ganho poder com a posição relevante, embora não
monopolista, em termos de oferta de matérias primas, com destaque para o
petróleo e gás.
Mas a
mensagem mais importante resulta da afirmação de De Grauwe segundo a qual se a
Rússia tem poder face à União Europeia é porque esta implicitamente o concede.
Através de que mecanismo? Simplesmente, abdicando de prosseguir e investir numa
política de defesa comum. Em relação aos EUA, a posição também não deixa de ser
estranhamente favorável. Mas aí trata-se de um produto essencialmente da
conjuntura (veremos se não se transforma para nossos males em estrutura) Trump.
Está claro que Trump tem um fascínio pelo modelo de exercício do poder de
Putin, visível nas embrulhadas e no cerco que se vai apertando sobre o
presidente nessa matéria.
Mundo
estranho este.
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