(Não posso deixar de me interrogar por que razão governantes
com alguma experiência se deixam apanhar por evidências deploráveis, perfeitamente
antecipáveis acaso a administração funcione e impulsione as escolhas certas.
As imagens e notícias sobre a ala pediátrica do Hospital de S. João são
gritantes e refletem o estado calamitoso das escolhas públicas.)
Já por repetidas
vezes tenho insistido na tese de que o estado global do SNS em Portugal não
pode ser confundido com a situação deplorável de algumas condições hospitalares,
regra geral pontuais, perfeitamente identificadas. Sou dos primeiros a denunciar
a política fácil que é realizada cavalgando algumas reportagens na comunicação
social. Mas se as ARS funcionarem com competência e assumirem frontalmente a
sua função de monitorização das principais unidades hospitalares, situações como
a da ala pediátrica do Hospital de S. João seria de fácil monitorização. É
daquelas situações que não podem existir e é penoso ver um governo a reagir a reboque
da comunicação social, o que simplesmente quer dizer que se a ocorrência não
tivesse sido comunicada provavelmente o problema teria subsistido por mais
algum tempo. Não sou sensível, entretanto, a posições como a do representante da
Ordem dos Médicos que ouvi entrevistado, indignado com a em seu entender ditadura
economicista e orçamental que se abateu sobre a saúde. O SNS tem de adquirir e
formar, como qualquer outro serviço público de grande relevância para as condições
de vida dos cidadãos, uma cultura de eficiência e fazer escolhas. E é no quadro
dessas escolhas que uma ocorrência como a da ala pediátrica do Hospital de S. João
de crianças com cancro é inadmissível.
Sem qualquer
pretensão de demagogia barata e por falar de escolhas públicas, associei a
questão da ala pediátrica a uma outra que surgiu nos jornais por estes últimos
dias, mais propriamente o financiamento da edição deste ano do Rally de Portugal.
Pelo que se percebeu das notícias, para além do financiamento assegurado por via
de Fundos Estruturais, creio que através do Programa Operacional Norte 2020 (750.000
euros), discutia-se o financiamento de uma soma restante (207.000 euros) para
fechar o total de um milhão de euros considerado necessário. Pelo que consegui
perceber o Turismo de Portugal I.P. lá se chegou à frente e o bom regionalismo
não perdoou o facto desse mesmo Turismo de Portugal ter financiado em edições
anteriores o Rally quando ele se realizava no Algarve por esse montante de um
milhão de euros, tendo sido agora necessário tirar a ferros o seu contributo.
Como é compreensível
para um bom entendedor, a importância de um evento como o Rally de Portugal, em
época de boom turístico já há alguns anos,
não se reveste da mesma importância do que a observada em períodos de míngua de
procura turística para o país. Para além disso, trata-se de um evento com
externalidades essencialmente apropriáveis pelo setor privado e podem-me
apresentar os estudos mais consistentes de impacto económico para o demonstrar.
Por conseguinte, num contexto de escolhas públicas considero discutível o apoio
público a iniciativas desta natureza, quando é o setor privado e não as condições
de vida do cidadão em geral que apropriam as externalidades positivas do evento.
Como é óbvio, não estou a colocar em confronto direto os vinte e tal milhões de
euros requeridos para a ala pediátrica com o apoio ao Rally de Portugal. Não é
de confronto direto que se trata. Mas é de escolhas públicas em geral que temos
de falar. A sociedade portuguesa e a governação continuam a ignorar que os
tempos que correm são de escolhas públicas rigorosas e não me venham com a
treta da folga orçamental e da pretensa viragem da página da austeridade. Trata-se
apenas de compreender que entre apoiar iniciativas e eventos para as quais o
setor privado, que apropria os seus principais efeitos, deve contribuir e manter
o SNS ao nível mais que proporcional ao nosso nível de desenvolvimento económico não pode haver hesitação.
Fazer
escolhas públicas consistentes e escrutinadas democraticamente é uma coisa,
nobre e bem-feita. Reagir a reboque da comunicação social é uma outra coisa, lamentável
e que me desgosta profundamente.
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