(As mais recentes sondagens publicadas sobre o presumível
resultado de uma ida às urnas em Espanha, acaso fosse inevitável, mostram que a
situação na Catalunha já não é apenas uma questão regional, transformou-se numa
questão nacional. A ascensão meteórica do CIUDADANOS, e não vou
discutir se é ou não sustentada, comendo essencialmente votos ao PP, mas também
ao PSOE, demonstra que o eleitorado espanhol não está satisfeito com a pretensa
resolução da crise catalã através da mobilização exclusiva do Código Penal.)
A votação no
partido de Rivera e de Arrimadas, e sobretudo a sua evolução meteórica num
curto espaço de tempo, não reflete apenas o eco da sua coragem eleitoral nas últimas
eleições plebiscitárias na Catalunha. É também o resultado da dura penalização
do PP, entrincheirado entre a inépcia de nada ter para oferecer aos catalães
para além do Código Penal e o efeito ao retardador dos salpicos e banhos de
corrupção que têm brotado a partir do interior do partido. Mas é ainda, ainda que
em menor dimensão, o resultado da penalização do PSOE, cuja imagem de
modernidade na política espanhola está já demasiado manchada para ser tomada a
sério, sobretudo enquanto do seu interior saem mais divergências e atritos do
que uma proposta consequente de resolução inclusiva da dupla crise, a catalã e
a nacional. Recordo que estamos em março de 2018 e o governo de Rajoy não
consegue aprovar o orçamento, estando neste momento refém do Partido
Nacionalista Basco, indisponível, aparentemente, para apoiar o orçamento com o
155º em vigor.
A situação
de bloqueio político em Espanha é a grande consequência da crise catalã e
mostra bem como as questões regional e nacional estão indissociavelmente
ligadas. Por agora, o CIUDADANOS é a emergência política que tem melhor
capitalizado a dupla brecha em que o PP está mergulhado.
É neste
contexto que devemos compreender a importância de tomadas de posição de
personalidades a que não podemos ficar indiferentes, mais do que a manifestos
para adoçar o ego de alguma esquerda em Portugal. É o caso do artigo publicado
hoje no El País de uma personalidade incontornável na transição democrática em
Espanha, Juan Luís Cebrián, presidente do El País (link aqui).
Não é por
acaso que o artigo está organizado a partir de uma citação do grande Tony Judt,
precocemente desaparecido da reflexão contemporânea:
“Permitir que a memória substitua a história é perigoso. As suas manifestações
são inevitavelmente parciais; quem as constrói vê-se mais tarde ou mais cedo
obrigado a contar meias verdades ou inclusivamente mentiras descaradas”.
É uma seta
apontada ao pretenso rigor histórico do nacionalismo catalão. Mas o artigo vai
muito mais longe, como por exemplo quando Cebrián coloca o dedo na ferida:
“O poder político na Catalunha está perante uma autêntica insurreição
popular que conta com o aval dos votos de metade da sua população. E ainda que
possa ser sufocada pela ação da justiça, o problema de fundo permanecerá, pois o que representa afinal é a separação de um considerável número de cidadãos do sistema político emanado da Transição”.
Ou seja, sem
uma solução política a aposta na justiça de um governo que não é capaz de
apresentar uma única ideia que seja para devolver a Catalunha a uma normalidade
política, o impasse regional transforma-se em impasse nacional e as sondagens
assim o revelam, castigando de sobremaneira quem deveria acionar a arte da política
e não apenas o cumprimento da lei. Cebrián fala do confronto entre uma Espanha
da memória e do umbigo, à esquerda e à direita, e o que ele chama a Espanha da “ideia,
da ilustração recuperada, o trabalho e a investigação” e a Espanha dos cidadãos
do século XXI, cosmopolitas e europeus, cada vez mais alheios ao ruído barroco e
doentio. Esta última Espanha espera que os “governantes trabalhem para unir os
cidadãos num projeto sugestivo de vida em comum, para utilizar as palavras de
Ortega – um objetivo e um destino comum”.
Assino por
baixo, sem manifesto.
(Corrigido em 03.04.2018)
(Corrigido em 03.04.2018)
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