segunda-feira, 2 de abril de 2018

DO LIO CATALÃO AO LIO NACIONAL



(As mais recentes sondagens publicadas sobre o presumível resultado de uma ida às urnas em Espanha, acaso fosse inevitável, mostram que a situação na Catalunha já não é apenas uma questão regional, transformou-se numa questão nacional. A ascensão meteórica do CIUDADANOS, e não vou discutir se é ou não sustentada, comendo essencialmente votos ao PP, mas também ao PSOE, demonstra que o eleitorado espanhol não está satisfeito com a pretensa resolução da crise catalã através da mobilização exclusiva do Código Penal.)

A votação no partido de Rivera e de Arrimadas, e sobretudo a sua evolução meteórica num curto espaço de tempo, não reflete apenas o eco da sua coragem eleitoral nas últimas eleições plebiscitárias na Catalunha. É também o resultado da dura penalização do PP, entrincheirado entre a inépcia de nada ter para oferecer aos catalães para além do Código Penal e o efeito ao retardador dos salpicos e banhos de corrupção que têm brotado a partir do interior do partido. Mas é ainda, ainda que em menor dimensão, o resultado da penalização do PSOE, cuja imagem de modernidade na política espanhola está já demasiado manchada para ser tomada a sério, sobretudo enquanto do seu interior saem mais divergências e atritos do que uma proposta consequente de resolução inclusiva da dupla crise, a catalã e a nacional. Recordo que estamos em março de 2018 e o governo de Rajoy não consegue aprovar o orçamento, estando neste momento refém do Partido Nacionalista Basco, indisponível, aparentemente, para apoiar o orçamento com o 155º em vigor.

A situação de bloqueio político em Espanha é a grande consequência da crise catalã e mostra bem como as questões regional e nacional estão indissociavelmente ligadas. Por agora, o CIUDADANOS é a emergência política que tem melhor capitalizado a dupla brecha em que o PP está mergulhado.

É neste contexto que devemos compreender a importância de tomadas de posição de personalidades a que não podemos ficar indiferentes, mais do que a manifestos para adoçar o ego de alguma esquerda em Portugal. É o caso do artigo publicado hoje no El País de uma personalidade incontornável na transição democrática em Espanha, Juan Luís Cebrián, presidente do El País (link aqui).

Não é por acaso que o artigo está organizado a partir de uma citação do grande Tony Judt, precocemente desaparecido da reflexão contemporânea:

“Permitir que a memória substitua a história é perigoso. As suas manifestações são inevitavelmente parciais; quem as constrói vê-se mais tarde ou mais cedo obrigado a contar meias verdades ou inclusivamente mentiras descaradas”.

É uma seta apontada ao pretenso rigor histórico do nacionalismo catalão. Mas o artigo vai muito mais longe, como por exemplo quando Cebrián coloca o dedo na ferida:

“O poder político na Catalunha está perante uma autêntica insurreição popular que conta com o aval dos votos de metade da sua população. E ainda que possa ser sufocada pela ação da justiça, o problema de fundo permanecerá, pois o que representa afinal é a separação de um considerável número de cidadãos do sistema político emanado da Transição”.

Ou seja, sem uma solução política a aposta na justiça de um governo que não é capaz de apresentar uma única ideia que seja para devolver a Catalunha a uma normalidade política, o impasse regional transforma-se em impasse nacional e as sondagens assim o revelam, castigando de sobremaneira quem deveria acionar a arte da política e não apenas o cumprimento da lei. Cebrián fala do confronto entre uma Espanha da memória e do umbigo, à esquerda e à direita, e o que ele chama a Espanha da “ideia, da ilustração recuperada, o trabalho e a investigação” e a Espanha dos cidadãos do século XXI, cosmopolitas e europeus, cada vez mais alheios ao ruído barroco e doentio. Esta última Espanha espera que os “governantes trabalhem para unir os cidadãos num projeto sugestivo de vida em comum, para utilizar as palavras de Ortega – um objetivo e um destino comum”.

Assino por baixo, sem manifesto.

(Corrigido em 03.04.2018)

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