domingo, 29 de abril de 2018

O BOLHÃO



(Finalmente, após anos de avanços e recuos, projetos desencontrados, egos e pruridos, o Bolhão fechou temporariamente para uma renovação esperada, saberemos se apta para recriar novas atmosferas urbanas. Oportunidade para refletir de novo acerca da incessante relação entre fronteira tecnológica e seus sobre a incapacidade de concretização de coisas na Cidade.)

Já não consigo localizar no tempo certo o início das intenções de renovação do Bolhão num espaço decente, cosmopolita, urbano, combinando a ideia sistematicamente reinventada ao longo dos tempos de mercado, das suas vivências e adaptando-a aos tempos urbanos de hoje.

Deixámos passar longo tempo confundindo tipicismo com más condições de funcionamento e alguns abutres imobiliários seguramente que se perfilaram para varrer a ideia de mercado no centro de uma cidade, cavalgando esse pretenso anacronismo para se aproximar de carne do lombo. Como é óbvio, uma intervenção estrutural que vá para além de simples “pinturas” para papalvo ver levantaria sempre o problema da interrupção de atividade, um interregno sempre complicado com o perfil socioeconómico e etários dos comerciantes e vendedores locais. E quanto mais delongas, avanços e recuos mais este problema será difícil de gerir, pois a idade vai avançando, a pressão do comércio alternativo vai fazendo sentir a sua influência e a capacidade residencial no entorno de influência do Bolhão vai diminuindo.

Nunca tive uma conceção saudosista das mudanças urbanas, embora algumas doam mais do que outras. As pequenas livrarias, por exemplo e as suas atmosferas irrepetíveis, a conversa informada com os livreiros, tudo isso me faz falta, mas o tempo urbano é inexorável, tanto mais inexorável quanto aquele que se abate sobre nós. As transformações que se conseguem gerir, com maior ou menor inteligência, nunca tenderão a produzir uma ideia estrita de preservação, aliás preservação sem mudança assusta-me. O tipicismo de algumas personagens venerandas do Bolhão, com o seu vernáculo portuense, perder-se-á inevitavelmente com a nova fórmula, pós renovação, mas involucrar esse tipicismo numa espécie de retoma imune ao desgaste do tempo é coisa de pura ilusão, artificial, que não faz parte da vida das cidades. Mas isso não significa que não seja possível recriar uma atmosfera de mercado no centro da Cidade, em função de novas misturas de funções, cuja inovação e sustentação é sempre um mistério. Desconhecendo qual vai ser o racional do novo mix de funções que se prevê para o Bolhão, não podemos deixar de reconhecer que todo este tempo perdido em torno do projeto de renovação reflete em última instância falta de capacidade de liderança e de envolvimento de um núcleo de população. O novo mix vai aparecer num momento muito particular em que a diversidade e o cosmopolitismo dos visitantes e turistas, cada vez mais espalhados pela Cidade, camuflam a agonia de uma certa função residencial, de classe média. O risco de que o espaço se transforme rapidamente apenas em complexo de restauração é grande, mas não inevitável.

Em simultâneo e praticamente paredes meias com o Bolhão agora em renovação, o som das máquinas no quarteirão da antiga Casa Forte, em Sá da Bandeira, anuncia que o imobiliário está aí de novo, com a força do investimento a regressar. Estou com curiosidade sobre o tipo de vivência residencial que vai ali surgir, pela sua dimensão e volume tenderá a marcar uma zona de grande proximidade ao centro histórico, cívico e comercial da Cidade.

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