(Reflexões sobre o caso Cristina Cifuentes e sobre a crise
de prestígio e decência em que o PP está mergulhado, com o legado sinistro de
Esperanza Aguirre a atormentar a Comunidade de Madrid. O que será
que está ainda para nos surpreender?)
Hoje parece
claro que Rajoy e as cúpulas mais sérias do PP deixaram que a Comunidad de
Madrid, sob a liderança da azougada e metediça Esperanza Aguirre, funcionasse
em roda livre. Tal funcionamento alimentou uma rede de cumplicidades,
compadrios e outros desvarios de poder que foi paulatinamente vindo a público.
A questão do mestrado de Cristina Cifuentes, líder até ontem da Comunidad, veio
inclusivamente mostrar que tal rede chegava à Universidade, confirmando que a
opacidade das organizações anda por aí, impune, à mercê de quem pretenda
capitalizar irregularidades.
Sigo com
regularidade a principal imprensa digital e em papel espanhola, em busca de histórias
que me revelem os difíceis caminhos que a modernidade espanhola tem prosseguido
a partir da queda do PSOE e dos grandes lios que a crise de 2007-2008 veio
demonstrar que existiam no interior da liderança e maioria política do PP. É
quase um projeto de investigação que me foi sendo sugerido pelo contacto com
amigos espanhóis com os quais, irregular e intermitentemente, o que é uma pena,
tenho oportunidade de discutir para além da informação pública.
Nessa
deambulação pela imprensa digital, há um personagem que identifiquei a partir
do excelente El Español. Chama-se Maurício Casals Aldana, catalão de
nascimento, e está ligado ao grupo Planeta, presidente de La Razón e também
ligado a grupos de media como a Atresmedia, que integra a Antena 3, La Sexta, Onda
Cero. Alguém fortemente conhecedor e ligado à interação de interesses entre
grupos de comunicação social e o governo PP, uma espécie de gestor das relações
ocultas entre a política e os media. Em dezembro de 2015, o El Español
publicava um artigo cujo título era tão sugestivo: “Mauricio Casals, el hombre que susurraba a las vicepresidentas” (link aqui).
Imagino que um Proença de Carvalho de maior calibre, pois isto da dimensão dos
países transmite-se aos projetos de poder pessoal. Pois este personagem numa
declaração a outra personalidade que não interessa aqui para o caso terá dito,
com relação a Cristina Cifuentes, que "Esta
señora las va a pasar putas"(link aqui). Na minha ainda modesta aprendizagem do
castelhano, é algo que equivale a dizer que Cifuentes iria passar as passas do
Algarve.
Profecia ou
não, o calvário de Cristina Cifuentes é conhecido. Para não falar noutros
processos, ainda ligados ao legado sinistro de Esperanza Aguirre, em que teve
de testemunhar, a história do seu mestrado na D. Carlos III, numa espécie de
equivalência de competências com critérios largos e de manifesta cumplicidade,
colocou-a definitivamente sob os projetores da política espanhola. Não se sabe
por que razões, Rajoy se enrolou, como é seu timbre, em saídas do tipo “NIM”,
arrastou o processo, mostrando que não estava interessado em abrir na Comunidad
de Madrid uma sucessão em simultâneo com a negociação da passagem pelas Cortes
do Orçamento 2018 que continua expectante. Mas pelos vistos, alguém tinha
guardado outras armas de arremesso contra a muito Chanel Cifuentes e a profecia
de que “las va a passar putas” era
mais praga do que profecia. Tudo indica que Cristina padece de síndrome de
cleptomania, pois alguém divulgou um vídeo no qual a política espanhola aparece
num supermercado de Madrid a ver a sua bolsa revistada por um segurança
revelando o roubo de dois cremes. Outras notícias dão conta de indícios de
demissão de Cifuentes de um colégio privado em Espanha com acusações de furto
de carteiras (de marca, provavelmente, atendendo ao colégio) e outros objetos
às alunas.
O caso tem
várias interpretações desde a mais bondosa de uma cleptomaníaca que resolver
ser política, sujeitando-se às consequências, até a algo de mais sofisticado
que mostra que a indecisão e a apatia de Rajoy revelam um pântano bem mais
lodoso do que aquele invocado por António Guterres para a sua demissão. Os
sintomas de patologia nestes comportamentos de presunção de impunidade em
questões básicas lesivas da relação de confiança que deve existir entre políticos
e eleitores são para mim um completo mistério. Tudo indica que Cifuentes tinha
perceção do delito no supermercado e terá partido da convicção de que a cassete
teria sido destruída pela empresa do supermercado. Mas depois do caso do
mestrado espanta-me que uma política já com alguma maturidade se exponha com
tanto risco ao enxovalhamento pessoal.
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