quinta-feira, 26 de abril de 2018

A CLEPTOMANIA DA POLÍTICA MADRILENA



(Reflexões sobre o caso Cristina Cifuentes e sobre a crise de prestígio e decência em que o PP está mergulhado, com o legado sinistro de Esperanza Aguirre a atormentar a Comunidade de Madrid. O que será que está ainda para nos surpreender?)

Hoje parece claro que Rajoy e as cúpulas mais sérias do PP deixaram que a Comunidad de Madrid, sob a liderança da azougada e metediça Esperanza Aguirre, funcionasse em roda livre. Tal funcionamento alimentou uma rede de cumplicidades, compadrios e outros desvarios de poder que foi paulatinamente vindo a público. A questão do mestrado de Cristina Cifuentes, líder até ontem da Comunidad, veio inclusivamente mostrar que tal rede chegava à Universidade, confirmando que a opacidade das organizações anda por aí, impune, à mercê de quem pretenda capitalizar irregularidades.

Sigo com regularidade a principal imprensa digital e em papel espanhola, em busca de histórias que me revelem os difíceis caminhos que a modernidade espanhola tem prosseguido a partir da queda do PSOE e dos grandes lios que a crise de 2007-2008 veio demonstrar que existiam no interior da liderança e maioria política do PP. É quase um projeto de investigação que me foi sendo sugerido pelo contacto com amigos espanhóis com os quais, irregular e intermitentemente, o que é uma pena, tenho oportunidade de discutir para além da informação pública.

Nessa deambulação pela imprensa digital, há um personagem que identifiquei a partir do excelente El Español. Chama-se Maurício Casals Aldana, catalão de nascimento, e está ligado ao grupo Planeta, presidente de La Razón e também ligado a grupos de media como a Atresmedia, que integra a Antena 3, La Sexta, Onda Cero. Alguém fortemente conhecedor e ligado à interação de interesses entre grupos de comunicação social e o governo PP, uma espécie de gestor das relações ocultas entre a política e os media. Em dezembro de 2015, o El Español publicava um artigo cujo título era tão sugestivo: “Mauricio Casals, el hombre que susurraba a las vicepresidentas” (link aqui). Imagino que um Proença de Carvalho de maior calibre, pois isto da dimensão dos países transmite-se aos projetos de poder pessoal. Pois este personagem numa declaração a outra personalidade que não interessa aqui para o caso terá dito, com relação a Cristina Cifuentes, que "Esta señora las va a pasar putas"(link aqui). Na minha ainda modesta aprendizagem do castelhano, é algo que equivale a dizer que Cifuentes iria passar as passas do Algarve.

Profecia ou não, o calvário de Cristina Cifuentes é conhecido. Para não falar noutros processos, ainda ligados ao legado sinistro de Esperanza Aguirre, em que teve de testemunhar, a história do seu mestrado na D. Carlos III, numa espécie de equivalência de competências com critérios largos e de manifesta cumplicidade, colocou-a definitivamente sob os projetores da política espanhola. Não se sabe por que razões, Rajoy se enrolou, como é seu timbre, em saídas do tipo “NIM”, arrastou o processo, mostrando que não estava interessado em abrir na Comunidad de Madrid uma sucessão em simultâneo com a negociação da passagem pelas Cortes do Orçamento 2018 que continua expectante. Mas pelos vistos, alguém tinha guardado outras armas de arremesso contra a muito Chanel Cifuentes e a profecia de que “las va a passar putas” era mais praga do que profecia. Tudo indica que Cristina padece de síndrome de cleptomania, pois alguém divulgou um vídeo no qual a política espanhola aparece num supermercado de Madrid a ver a sua bolsa revistada por um segurança revelando o roubo de dois cremes. Outras notícias dão conta de indícios de demissão de Cifuentes de um colégio privado em Espanha com acusações de furto de carteiras (de marca, provavelmente, atendendo ao colégio) e outros objetos às alunas.

O caso tem várias interpretações desde a mais bondosa de uma cleptomaníaca que resolver ser política, sujeitando-se às consequências, até a algo de mais sofisticado que mostra que a indecisão e a apatia de Rajoy revelam um pântano bem mais lodoso do que aquele invocado por António Guterres para a sua demissão. Os sintomas de patologia nestes comportamentos de presunção de impunidade em questões básicas lesivas da relação de confiança que deve existir entre políticos e eleitores são para mim um completo mistério. Tudo indica que Cifuentes tinha perceção do delito no supermercado e terá partido da convicção de que a cassete teria sido destruída pela empresa do supermercado. Mas depois do caso do mestrado espanta-me que uma política já com alguma maturidade se exponha com tanto risco ao enxovalhamento pessoal.

E destas coisas também se alimenta a política corrente e, obviamente, o populismo político. O que é preocupante.

Sem comentários:

Enviar um comentário