(À clássica interrogação sobre o 25 de abril respondo com
algumas memórias que começam a ser difusas. Invocar vivências e preservar
memórias não significa fazer das mesmas qualquer certificado para uma melhor
resposta aos desafios de hoje.)
É curioso
que a maioria dos discursos na cerimónia de comemoração da liberdade de 1974 na
Assembleia da República vincou o critério de datação das suas próprias vivências,
antes ou depois da revolução de abril. Uma sessão não particularmente arrebatadora
em termos de conteúdos, mas pelo menos alguma juventude e sobretudo renovação
de rostos e de vivências diversas face à data. Tivemos uma boa ilustração da
transição de protagonismos de que o Parlamento necessita, apesar das inércias
que por lá se passeiam.
Mas afinal onde
estavas no 25 de abril?
Estava a cumprir
o serviço militar na Escola Prática de Administração ao Lumiar, em Lisboa, e há
dias percorri tais territórios e confirmei a sua inexorável transformação
urbana. Desde o golpe das Caldas, que o vivi ainda em Mafra, sentia-se que algo
andava pelo ar e na EPAM, aqui ali, algumas reuniões e conversas que se pressentia
estar informadas de alguma coisa. Mas algo de muito restrito, pois a esmagadora
maioria dos milicianos que cumpriam ali o seu período de serviço militar já
depois de adquirida a especialidade, estava como eu à margem do que de mais
profundo e secreto se passava. A memória já me falta para identificar personagens
que emergiam no grupo dos milicianos da EPAM. Lembro-me que o Jorge Braga de
Macedo manifestava sinais de estar bem protegido, andando na altura concentrado
na sua formação de matemática para economistas, mas esse seguramente que não
estava no segredo dos deuses. Lembro-me também de alguém do ISEG, Vítor Ângelo
se a memória não me atraiçoa e que penso ter enveredado pela carreira de alto
funcionário diplomático. Destacava-se então pela sua maior maturidade de leitura
política. E não me lembro de mais ninguém representativo.
Despertámos
para a Revolução, eu e alguns colegas do Porto, entre os quais o saudoso Manuel
Moura, já infelizmente desaparecido, com um toque brusco nas portas dos nossos
quartos anunciando-nos que o movimento estava em marcha, sendo necessário tomar
sobre o mesmo posição. A rádio era na altura a companheira de informação e só
uns dias depois com missões de rotina nas instalações da RTP na Avenida das Linhas
de Torres, cuja supervisão competia à EPAM, compreendemos a amplitude da
transformação. Foi curioso nos dias até ao efervescente 1º de Maio, com uma
grande delegação de escritores mobilizados pelo PCP a dar à EPAM um colorido
diferente, de fervor revolucionário, participar nos trabalhos normais de formação
da especialidade, através de documentos e materiais que não estavam de todo
preparados para incorporar a Revolução.
Algumas funções
de vigilância noturna no quartel do Lumiar, reuniões de esclarecimento, muitas,
com a curiosidade dos testemunhos dos oficiais do quadro a darem a sua visão do
25 de abril, para nós algo estranho assistir a tão profundas mutações em
personagens de comando que não consideraríamos à primeira envolvidos no
movimento e pouco mais teve a minha experiência de vivência da noite e do aftermath do 25 de abril. Depois com a
conclusão da especialidade, zarpei para a Póvoa de Varzim, depois para Viana do
Castelo e finalmente acabar na Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia, a viver as
agruras do verão quente de 1975, a chefiar a contabilidade da unidade.
Face às memórias
já algo difusas, fica-me a interrogação de saber com que (futuras) personalidades
políticas terei convivido na EPAM, sabendo provavelmente que lá estaria malta
do ISEG.
E estas são
as minhas memórias, não propriamente efusivas, até porque fica-me a carência de
não ter estado cá fora para sentir as vivências da rua e a explosão popular do
1º de maio de 1974, estando ali ao perto.
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