quarta-feira, 25 de abril de 2018

ONDE ESTAVAS TU?



(À clássica interrogação sobre o 25 de abril respondo com algumas memórias que começam a ser difusas. Invocar vivências e preservar memórias não significa fazer das mesmas qualquer certificado para uma melhor resposta aos desafios de hoje.)

É curioso que a maioria dos discursos na cerimónia de comemoração da liberdade de 1974 na Assembleia da República vincou o critério de datação das suas próprias vivências, antes ou depois da revolução de abril. Uma sessão não particularmente arrebatadora em termos de conteúdos, mas pelo menos alguma juventude e sobretudo renovação de rostos e de vivências diversas face à data. Tivemos uma boa ilustração da transição de protagonismos de que o Parlamento necessita, apesar das inércias que por lá se passeiam.

Mas afinal onde estavas no 25 de abril?

Estava a cumprir o serviço militar na Escola Prática de Administração ao Lumiar, em Lisboa, e há dias percorri tais territórios e confirmei a sua inexorável transformação urbana. Desde o golpe das Caldas, que o vivi ainda em Mafra, sentia-se que algo andava pelo ar e na EPAM, aqui ali, algumas reuniões e conversas que se pressentia estar informadas de alguma coisa. Mas algo de muito restrito, pois a esmagadora maioria dos milicianos que cumpriam ali o seu período de serviço militar já depois de adquirida a especialidade, estava como eu à margem do que de mais profundo e secreto se passava. A memória já me falta para identificar personagens que emergiam no grupo dos milicianos da EPAM. Lembro-me que o Jorge Braga de Macedo manifestava sinais de estar bem protegido, andando na altura concentrado na sua formação de matemática para economistas, mas esse seguramente que não estava no segredo dos deuses. Lembro-me também de alguém do ISEG, Vítor Ângelo se a memória não me atraiçoa e que penso ter enveredado pela carreira de alto funcionário diplomático. Destacava-se então pela sua maior maturidade de leitura política. E não me lembro de mais ninguém representativo.

Despertámos para a Revolução, eu e alguns colegas do Porto, entre os quais o saudoso Manuel Moura, já infelizmente desaparecido, com um toque brusco nas portas dos nossos quartos anunciando-nos que o movimento estava em marcha, sendo necessário tomar sobre o mesmo posição. A rádio era na altura a companheira de informação e só uns dias depois com missões de rotina nas instalações da RTP na Avenida das Linhas de Torres, cuja supervisão competia à EPAM, compreendemos a amplitude da transformação. Foi curioso nos dias até ao efervescente 1º de Maio, com uma grande delegação de escritores mobilizados pelo PCP a dar à EPAM um colorido diferente, de fervor revolucionário, participar nos trabalhos normais de formação da especialidade, através de documentos e materiais que não estavam de todo preparados para incorporar a Revolução.

Algumas funções de vigilância noturna no quartel do Lumiar, reuniões de esclarecimento, muitas, com a curiosidade dos testemunhos dos oficiais do quadro a darem a sua visão do 25 de abril, para nós algo estranho assistir a tão profundas mutações em personagens de comando que não consideraríamos à primeira envolvidos no movimento e pouco mais teve a minha experiência de vivência da noite e do aftermath do 25 de abril. Depois com a conclusão da especialidade, zarpei para a Póvoa de Varzim, depois para Viana do Castelo e finalmente acabar na Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia, a viver as agruras do verão quente de 1975, a chefiar a contabilidade da unidade.

Face às memórias já algo difusas, fica-me a interrogação de saber com que (futuras) personalidades políticas terei convivido na EPAM, sabendo provavelmente que lá estaria malta do ISEG.

E estas são as minhas memórias, não propriamente efusivas, até porque fica-me a carência de não ter estado cá fora para sentir as vivências da rua e a explosão popular do 1º de maio de 1974, estando ali ao perto.

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