(Com a devida vénia ao Financial Times)
(Em tempos difíceis como os que vivemos vão emergir novas
e velhas questões, sujeitas a um outro contexto de experimentação. Para já posso mencionar duas que serão tremendamente postas à prova, as
lideranças políticas e os paradigmas económicos de combate às recessões
macroeconómicas, com maior interação entre si do que se poderia pensar.)
Certamente que todos
já tiveram a sensação, noutros contextos de acalmia, que poderíamos passar bem
sem governos proativos. É o que se passa com as longas hibernações pós-eleitorais
de formação de novos governos, que exigem coligações e novas parcerias
políticas cuja génese é demorada e dependente de negociações complexas. Nos
últimos tempos, essa tendência tem-se acentuado na sequência da fragmentação
política que tem reduzido maiorias absolutas e destruído a habitual polarização
política observada em alguns países. Vários exemplos têm ajudado nos tempos
mais recentes a compreender a mudança a que me refiro. São os casos da Bélgica
(useira e vezeira neste tipo de dificuldade), a longa formação dos últimos
governos de coligação na Alemanha, o caso da Espanha (com sucessivos atos
eleitorais), até Israel que persiste na saga de constituir governo e poderíamos
juntar outros casos talvez não tão mediáticos.
Essa sensação é
perigosa e reside numa não menos perigosa ilusão. A evidência diz-nos que, à
mínima dificuldade ou problema maior, essa sensação se desvanece. A acalmia
política não pode ser entendida como o “normal” para apreciação da necessidade
e avaliação de presença e qualidade de liderança e governação. A recessão de
2007-2008, a emergência do terrorismo, a devastação territorial causada pela instabilidade
climática e outras formas de “anormalidade cada vez mais normal” mostraram que
as condições de vida de diferentes povos e populações foram seriamente impactadas
por diferenças de efetividade na liderança e na governação. Estamos de novo num
desses momentos. Lia hoje bem cedo num jornal espanhol que, por mais sensibilidade
que tenhamos para as diferenças de contextos político-culturais, a perceção de “gravitas”
que temos quando ouvimos Emmanuel Macron ou Pedro Sánchez a dirigirem-se aos
seus concidadãos em matéria de crise do CoVID-19 é bem diferenciada. É verdade.
As diferenças de peso são claras. Diria que são situações em que António Costa
regressa aos seus melhores tempos e todos esperamos que essa convicção se
mantenha. É óbvio que tal perceção tem consequências. As mais importantes
respeitam ao passado. A prestação nestes momentos tem efeitos retroativos.
Compreendemos melhor situações do passado à luz da premência do momento.
Uma outra velha
questão respeita à abordagem que vai ser necessária para enfrentar o lado
económico da crise viral. Parece hoje inequívoco que as perdas de produto
anunciadas, que todos esperamos não se alongarem mais do que dois trimestres
consecutivos, apontam para uma recessão de grandes proporções, com manifestação
sincronizada num número de países bem mais elevado do que o observado na Grande
Recessão de 2007-2008.
Nesse contexto, é
inevitável que nos projetemos nos erros graves de gestão macroeconómica que
foram cometidos essencialmente na União Europeia. Estou bem recordado de seguir
ao pormenor esse período. A União Europeia começou bem avançando para uma
política de injeção de investimento público e de liquidez na economia europeia,
mas rapidamente sucumbiu à ideologia dos sacrifícios orçamentais, cometendo o
sacrilégio de reduzir despesa pública quando famílias e empresas estavam a
braços com um longo processo de desendividamento (efetivo), gerando por essa
via uma ampliação dos efeitos recessivos. Essa gente é insensível ao sacrifício
dos outros. Neste caso, isso não será tão fácil de conseguir, pois a
contaminação atingiu todos, simbolicamente. Por isso, é tempo de aprender com
os erros do passado e injetar na economia os recursos necessários para
minimizar perdas e minimizar o colapso. E não estamos a falar de investimento
cuja génese seja alongada no tempo. Estamos essencialmente a falar de injeção
imediata de dinheiro, seja por cheque seja por depósito, seja ainda por
diferimento de despesas obrigatórias para períodos mais desafogados.
Parte dos
macroeconomistas que mais batalharam por uma outra abordagem macroeconómica à
crise de 2007-2008 estão aí de novo na luta. Por hoje, deixo-vos com dois
desses contributos.
Emmanuel Saez e
Gabriel Zucman apresentam no Social Europe o seu testemunho “Keeping business alive: the government will pay”, segundo o qual o Estado deve ser um pagador
de curto-prazo e de última instância (link aqui).
Por sua vez, Martin
Wolf regressa tão contundente como o esperávamos e no Financial Times num
artigo designado de “The virus is an economic
emergency too”, (link aqui) no qual também o Estado é encarado
como um emprestador e gastador de última instância.
´
Não ignoremos que as
quedas recessivas de produto produzem efeitos de histerisis, ou seja, a queda
no curto prazo traz consequências em termos de produto potencial a longo prazo
e a economia mundial já tinha fatores que chegassem rebaixando esse produto
potencial (vide a nossa cobertura do tema da estagnação estrutural).
Alguém se atreve a
reclamar nestes momentos pelo Estado mínimo?
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