quinta-feira, 12 de março de 2020

NA EXPECTATIVA



(Dois dias sem passar pelo blogue, na expectativa de ganhar mais alguma informação sobre o contexto da gestão da crise viral em que estamos mergulhados, expectativa agravada pela decisão de ontem ao início da noite do Conselho Nacional de Saúde. Não fora a gravidade do momento, haveria aqui matéria riquíssima para debater o que é hoje a relação entre o pensamento e a competência científicos e o “gravitas” da decisão política.)

Paradoxalmente, entre a população portuguesa mais informada e qualificada, existe a partir de ontem à noite uma profunda perplexidade quanto à decisão que saiu do Conselho Nacional de Saúde de não recomendar o encerramento das escolas do país. O paradoxo está no acesso à informação pelo que se vai passando por esse mundo fora (acabo de saber que a Irlanda e a Noruega acabam de decidir o encerramento dos seus estabelecimentos de ensino e os apelos vindos de Itália para não subestimar a dimensão do problema) e esta estranha decisão dos nossos especialistas em saúde pública projetarem para o plano das micro-decisões (escolas e famílias).

Senão vejamos de onde resulta a tal perplexidade.

A comunicação técnico-política da evolução do caso em Portugal (a dupla Marta Themido e Graça Freitas) anuncia-nos que está eminente a disseminação de casos sem ser possível o seu reporte a uma cadeia epidemiológica clara em termos de fonte de infeção (a ministra da Saúde não conseguiu ontem disfarçar alguma perturbação na sua voz quando comunicava pela manhã). Quer isto significar que vamos entrar ou já entrámos numa fase em que a minha proteção não depende do meu conhecimento sobre o estado de infeção ou de não infeção de com quem posso contactar. Todo o contacto possível é um contacto que pode ser com alguém que possa estar infetado e daí toda a panóplia de cuidados a ter em termos de distância social para evitar uma transmissão pela via da proximidade às tais gotículas que podem resultar de uma tosse ou de um simples espirro. As autoridades designam esta fase por fase de mitigação do problema, em contraponto à de contenção em que o objetivo essencial é o de refrear quanto possível o aparecimento de novos casos.

Ora, parece indiscutível que as salas de aula, mesmo as realizadas em melhores condições de espaço e lotação, seja por exemplo 20 alunos (número baixo para as nossas médias em qualquer dos níveis de ensino), constituem o oposto ao que poderíamos considerar ser um ambiente adequado em termos de distância social. Depois, cada situação escolar no contexto da sua inserção territorial e possível incidência de infetados é muito diversa e, dada essa diversidade, acreditar que a avaliação de situações pode dar origem ao aparecimento a nível micro-local de centros de racionalidade para decidir encerrar ou manter aberto parece-me de uma ingenuidade viral. Sabemos, por exemplo, que a Noruega é um país bem mais organizado do que nós e com um sistema de ensino fortemente descentralizado. Acabam de decidir pelo encerramento de escolas e jardins de infância. Mas que raio de especificidade teremos, quando as autoridades nos dizem (e se o disseram é porque têm razões para tal) que está prestes a consumar-se o início da disseminação sem conhecimento preciso dos mecanismos?

Paulo Guinote tem carradas de razão quando, hoje no Público (link aqui), nos diz com a sua autoridade de conhecimento do sistema educativo por dentro que a Escola está hoje inserida na própria rede social que suporta as populações (é o que significa quando dizemos frequentemente que pedimos demais à Escola) e que o seu encerramento pode significar o colapso do país. Mas se é assim estamos a entrar por um longo túnel de onde não se antevê saída. Contrariar a ideia de que reduzir a distância social é a melhor maneira de nos protegermos face ao descontrolo da disseminação não encerrando as escolas é perigoso, muito perigoso. Porquê? Pela simples razão de que as pessoas não são parvas e a prova é que a incredulidade com a decisão do CNS é tanto maior quanto maior é a informação que temos. Vamos inevitavelmente suscitar a discórdia entre famílias quanto a decisões importantes, vamos criar no ambiente escolar uma profunda ansiedade e agitação, o que é tanto mais estúpido quando dentro de dias ou uma semana ou duas estaremos, reativamente e talvez já demasiado tarde, a encerrar os tais estabelecimentos porque se conheceu uma ligação direta ou indireta a uma infeção.

Ontem na RTP vi o que considero ser um dos testemunhos mais elaborados e claros para melhorarmos o nosso conhecimento quanto ao problema. A Grande Entrevista de Vítor Gonçalves ao Professor Filipe Froes, especialista em doenças respiratórias, representa o que de melhor o serviço público nos pode oferecer para que a população portuguesa possa construir informação coerente ao serviço da sua própria proteção (link aqui). Que me perdoe o Professor Francisco George mas não foi com a sua entrevista à SIC Notícias que fiquei mais e melhor informado.

Cada vez que ouço personalidades como o Professor Filipe Froes dou comigo a pensar como é que o país não consegue traduzir e capitalizar em termos de comportamento e eficiência organizacional o conhecimento e competência que temos no nosso SNS.

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