(Dois dias sem passar pelo blogue, na expectativa de
ganhar mais alguma informação sobre o contexto da gestão da crise viral em que
estamos mergulhados, expectativa agravada pela decisão de ontem ao início da
noite do Conselho Nacional de Saúde. Não fora a
gravidade do momento, haveria aqui matéria riquíssima para debater o que é hoje
a relação entre o pensamento e a competência científicos e o “gravitas” da
decisão política.)
Paradoxalmente, entre
a população portuguesa mais informada e qualificada, existe a partir de ontem à
noite uma profunda perplexidade quanto à decisão que saiu do Conselho Nacional
de Saúde de não recomendar o encerramento das escolas do país. O paradoxo está
no acesso à informação pelo que se vai passando por esse mundo fora (acabo de
saber que a Irlanda e a Noruega acabam de decidir o encerramento dos seus estabelecimentos
de ensino e os apelos vindos de Itália para não subestimar a dimensão do problema)
e esta estranha decisão dos nossos especialistas em saúde pública projetarem
para o plano das micro-decisões (escolas e famílias).
Senão vejamos de onde
resulta a tal perplexidade.
A comunicação técnico-política
da evolução do caso em Portugal (a dupla Marta Themido e Graça Freitas)
anuncia-nos que está eminente a disseminação de casos sem ser possível o seu
reporte a uma cadeia epidemiológica clara em termos de fonte de infeção (a
ministra da Saúde não conseguiu ontem disfarçar alguma perturbação na sua voz
quando comunicava pela manhã). Quer isto significar que vamos entrar ou já entrámos
numa fase em que a minha proteção não depende do meu conhecimento sobre o estado
de infeção ou de não infeção de com quem posso contactar. Todo o contacto
possível é um contacto que pode ser com alguém que possa estar infetado e daí
toda a panóplia de cuidados a ter em termos de distância social para evitar uma
transmissão pela via da proximidade às tais gotículas que podem resultar de uma
tosse ou de um simples espirro. As autoridades designam esta fase por fase de
mitigação do problema, em contraponto à de contenção em que o objetivo essencial
é o de refrear quanto possível o aparecimento de novos casos.
Ora, parece
indiscutível que as salas de aula, mesmo as realizadas em melhores condições de
espaço e lotação, seja por exemplo 20 alunos (número baixo para as nossas médias
em qualquer dos níveis de ensino), constituem o oposto ao que poderíamos considerar
ser um ambiente adequado em termos de distância social. Depois, cada situação escolar
no contexto da sua inserção territorial e possível incidência de infetados é
muito diversa e, dada essa diversidade, acreditar que a avaliação de situações
pode dar origem ao aparecimento a nível micro-local de centros de racionalidade
para decidir encerrar ou manter aberto parece-me de uma ingenuidade viral. Sabemos,
por exemplo, que a Noruega é um país bem mais organizado do que nós e com um
sistema de ensino fortemente descentralizado. Acabam de decidir pelo
encerramento de escolas e jardins de infância. Mas que raio de especificidade
teremos, quando as autoridades nos dizem (e se o disseram é porque têm razões
para tal) que está prestes a consumar-se o início da disseminação sem conhecimento
preciso dos mecanismos?
Paulo Guinote tem
carradas de razão quando, hoje no Público (link aqui), nos diz com a sua autoridade de
conhecimento do sistema educativo por dentro que a Escola está hoje inserida na
própria rede social que suporta as populações (é o que significa quando dizemos
frequentemente que pedimos demais à Escola) e que o seu encerramento pode
significar o colapso do país. Mas se é assim estamos a entrar por um longo túnel
de onde não se antevê saída. Contrariar a ideia de que reduzir a distância
social é a melhor maneira de nos protegermos face ao descontrolo da
disseminação não encerrando as escolas é perigoso, muito perigoso. Porquê? Pela
simples razão de que as pessoas não são parvas e a prova é que a incredulidade
com a decisão do CNS é tanto maior quanto maior é a informação que temos. Vamos
inevitavelmente suscitar a discórdia entre famílias quanto a decisões
importantes, vamos criar no ambiente escolar uma profunda ansiedade e agitação,
o que é tanto mais estúpido quando dentro de dias ou uma semana ou duas
estaremos, reativamente e talvez já demasiado tarde, a encerrar os tais estabelecimentos
porque se conheceu uma ligação direta ou indireta a uma infeção.
Ontem na RTP vi o que
considero ser um dos testemunhos mais elaborados e claros para melhorarmos o
nosso conhecimento quanto ao problema. A Grande Entrevista de Vítor Gonçalves ao
Professor Filipe Froes, especialista em doenças respiratórias, representa o que
de melhor o serviço público nos pode oferecer para que a população portuguesa
possa construir informação coerente ao serviço da sua própria proteção (link aqui). Que me perdoe o Professor Francisco George mas não foi com a sua
entrevista à SIC Notícias que fiquei mais e melhor informado.
Cada vez que ouço
personalidades como o Professor Filipe Froes dou comigo a pensar como é que o
país não consegue traduzir e capitalizar em termos de comportamento e eficiência
organizacional o conhecimento e competência que temos no nosso SNS.
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