(A valorização do conhecimento parece finalmente começar
a atravessar a opinião pública mais esclarecida e a favorecer o aumento de
confiança das populações. É um efeito colateral positivo das privações a que
somos submetidos. Hoje é a vez de dar a Voz a um
grande escritor espanhol, António Muñoz Molina, que faz parte das minhas
leituras diárias desde há longo tempo.)
“O regresso
do conhecimento
Pela
primeira vez desde que temos memória as vozes que prevalecem na vida pública
espanhola são as pessoas que sabem, pela primeira vez assistimos à celebração
aberta do conhecimento e da experiência, e ao protagonismo merecido e até agora
inédito desses profissionais de campos diversos cuja combinação de qualificação
máxima e de coragem civil suporta sempre o mecanismo complicado de toda a vida
social. Nos programas de televisão onde até agora reinavam exclusivamente
comentadores especializados em opinar sobre qualquer coisa em qualquer momento,
aparecem agora médicos de família, epidemiologistas, funcionários públicos que
enfrentam diariamente a enfermidade que tudo atravessa e que a qualquer momento
os pode atacar a eles próprios.
Todas as
tardes, pelas oito, nas ruas vazias, rebenta como uma tormenta súbita um
aplauso dirigido não a demagogos do embuste mas antes aos trabalhadores da
saúde, que até ontem cumpriam a sua tarefa pressionados pelos cortes contínuos,
a falta de meios, o desdém por vezes agressivo de utentes caprichosos ou queixinhas.
Agora, com exceção nos redutos conhecidos, não escutamos slogans, nem
orientações de campanha desenhadas por publicitários, nem banalidades cunhadas
por essa espécie de gurus ou aprendizes de bruxos que desenham estratégias de “comunicação”
e os que por cá também, que remédio, já se chama spin doctors: engana tolos, trapaceiros,
vendedores de ilusões”.
Será
que é desta que vai ser erradicada aquela prática de reunir os “sábios” apenas para
momentos pré-eleitorais e que será iniciada um novo relacionamento entre
conhecimento e política?
Não estou seguro que isso aconteça, sobretudo
porque pode haver o risco de se imaginar que a decisão política não é necessária.
Ambos os conhecimentos são fundamentais, o da ciência, mais analítico e o da
política, mais sintético. Com autonomia mas com capacidade de compreender o
outro. Aparentemente tão fácil, mas bem difícil.
Mas
os homens da ciência também têm de sair da toca e das torres de marfim. Estão a
fazê-lo e precisamos disso. Mas no interior da própria ciência há tocas e torres
de marfim que penalizam e inibem a fertilização cruzada dos conhecimentos. Nada
será como dantes?
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