Chego de Coimbra, onde fui dar um abraço amigo ao Adelino Fortunato por ocasião da sua “Última Lição” na Faculdade de Economia da respetiva Universidade. Habitualmente pouco dado a grandes parangonas, o Adelino escolheu um título de improvável dimensão – “De ‘O Significado do Desenvolvimento’ à ‘Nova Agenda do Desenvolvimento’: em defesa da Transformação Produtiva, dos Empregos de Boa Qualidade e da Mudança Estrutural Sustentável” – para a sua intervenção de despedida do ativo universitário, a cuja elevada qualidade se somou para mim uma revisitação cheia de memórias quanto a temas e nomes muito familiares (de Dudley Seers a Gerard Meier, de Paul Streeten a Amartya Sen, de Robert Barro a Paul Romer, e por aí fora até aos grandes nomes “alternativos” da investigação atual) por comigo se terem cruzado vezes sem conta numa já distante vida académica passada.
Em recente entrevista a “Esquerda”, e sublinhando de forma muito enfático quanto aquela “nova agenda” consubstancia um desafio à economia dominante que sempre foi “o meu paradigma”, o Adelino descreveu o objetivo da sua lição do seguinte modo:
“Trata da evolução dos problemas das economias com diferentes níveis de desenvolvimento em todo o mundo e da forma de lidar com eles. Logo após a Segunda Guerra Mundial, pensou-se que bastaria estimular o crescimento económico, por intermédio da intervenção do Estado, da acumulação de capital e da transformação estrutural da economia, para que o nível médio de vida da generalidade da população aumentasse e as suas condições de vida melhorassem. Na realidade, verificaram-se muitos casos de aceleração do crescimento mantendo desigualdades sociais profundas, desemprego e muita pobreza. Isto abriu as portas a críticas e à conceção do Desenvolvimento Humano, significa que é necessário também dar atenção especial à erradicação da pobreza e do desemprego e à diminuição das desigualdades entre grupos sociais, sexos e raças.
Entretanto, as conceções neoliberais dominantes nos dias de hoje concentraram as políticas de desenvolvimento na mitigação da pobreza, sem a erradicar, e deixaram o crescimento económico às forças do mercado livre. Corresponde à aplicação da ideia segundo a qual o mercado é o mecanismo mais eficiente de afetação de recursos e é preciso deixá-lo funcionar de forma livre, e os danos colaterais daí resultantes (desigualdades, pobreza, desemprego, precariedade, baixos salários) devem ser atenuados com uma intervenção mínima do Estado. Como não há preocupação com a transformação estrutural e produtiva e a intervenção do Estado se concentra apenas na mitigação da pobreza extrema, criaram-se fenómenos novos aberrantes: trabalhadores empregados, mas pobres (working poor), desigualdades crescentes, pauperização das classes médias, precariedade no emprego.
Está em marcha em todo o mundo uma reação contra esta evolução, que propõe uma Nova Agenda do Desenvolvimento baseada na preocupação de revalorizar a intervenção do Estado com políticas ativas de fomento da atividade produtiva, do pleno emprego e da criação de empregos de boa qualidade, única forma de assegurar sustentabilidade económica e social no desenvolvimento. Isto é, acabar com a precariedade, o desemprego e combater as desigualdades. Trata-se de dar lugar de novo à Política Industrial, entendida como o conjunto de estímulos fornecidos pela intervenção de Estado para a criação de atividades económicas nos diferentes setores de atividade salvaguardando preocupações não só de sustentabilidade económica e social, a que já fiz referência, como ainda de sustentabilidade ambiental e energética, decisivas para combater as alterações climáticas.”
Foi um momento bom aquele que aconteceu ao fim da tarde de ontem, na presença de um significativo número de colegas, alunos, amigos e familiares, quer pela qualidade do que ali se deixou dito quer pela ambiência afetiva que pontuava a sessão. No que me toca – eu que fui colega de cadeira do Adelino na FEP, seu amigo de várias partilhas (pessoais e políticas) e orientador da tese de doutoramento que apresentou em 1993 –, esse momento foi simultaneamente feliz e nostálgico, mas sobretudo muito intenso. A conversa ao jantar completou na perfeição o ótimo deste reencontro – era inevitável, especialmente, falarmos do Bloco (ali representado pelo histórico Chico Louçã e pelos dirigentes Joana Mortágua e Fabian Figueiredo) e dos seus caminhos e encruzilhadas no contexto dos impasses do País –, ao qual não quero deixar de juntar o que de agradável também ali aconteceu numa interessante troca de ideias que se proporcionou, quase vinte anos depois, com a sua ex-mulher (Teresa Pizarro Beleza) e o filho de ambos Manuel.
Termino com uma frase final proveniente do “elogio” feito pela ex-aluna e atual colega Rita Martins, para assinalar simultaneamente um amigo recém-desaparecido (Manuel Rezende) e uma referência judiciosa a uma sua bem curiosa afirmação com indiscutível encaixe no modo de estar do homenageado: “para ser espontâneo é preciso muito treino”...
Termino com uma frase final proveniente do “elogio” feito pela ex-aluna e atual colega Rita Martins, para assinalar simultaneamente um amigo recém-desaparecido (Manuel Rezende) e uma referência judiciosa a uma sua bem curiosa afirmação com indiscutível encaixe no modo de estar do homenageado: “para ser espontâneo é preciso muito treino”...
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