quinta-feira, 5 de março de 2020

ÚLTIMA LIÇÃO EM COIMBRA


Chego de Coimbra, onde fui dar um abraço amigo ao Adelino Fortunato por ocasião da sua “Última Lição” na Faculdade de Economia da respetiva Universidade. Habitualmente pouco dado a grandes parangonas, o Adelino escolheu um título de improvável dimensão – “De ‘O Significado do Desenvolvimento’ à ‘Nova Agenda do Desenvolvimento’: em defesa da Transformação Produtiva, dos Empregos de Boa Qualidade e da Mudança Estrutural Sustentável” – para a sua intervenção de despedida do ativo universitário, a cuja elevada qualidade se somou para mim uma revisitação cheia de memórias quanto a temas e nomes muito familiares (de Dudley Seers a Gerard Meier, de Paul Streeten a Amartya Sen, de Robert Barro a Paul Romer, e por aí fora até aos grandes nomes “alternativos” da investigação atual) por comigo se terem cruzado vezes sem conta numa já distante vida académica passada.

Em recente entrevista a “Esquerda”, e sublinhando de forma muito enfático quanto aquela “nova agenda” consubstancia um desafio à economia dominante que sempre foi “o meu paradigma”, o Adelino descreveu o objetivo da sua lição do seguinte modo:
“Trata da evolução dos problemas das economias com diferentes níveis de desenvolvimento em todo o mundo e da forma de lidar com eles. Logo após a Segunda Guerra Mundial, pensou-se que bastaria estimular o crescimento económico, por intermédio da intervenção do Estado, da acumulação de capital e da transformação estrutural da economia, para que o nível médio de vida da generalidade da população aumentasse e as suas condições de vida melhorassem. Na realidade, verificaram-se muitos casos de aceleração do crescimento mantendo desigualdades sociais profundas, desemprego e muita pobreza. Isto abriu as portas a críticas e à conceção do Desenvolvimento Humano, significa que é necessário também dar atenção especial à erradicação da pobreza e do desemprego e à diminuição das desigualdades entre grupos sociais, sexos e raças.
Entretanto, as conceções neoliberais dominantes nos dias de hoje concentraram as políticas de desenvolvimento na mitigação da pobreza, sem a erradicar, e deixaram o crescimento económico às forças do mercado livre. Corresponde à aplicação da ideia segundo a qual o mercado é o mecanismo mais eficiente de afetação de recursos e é preciso deixá-lo funcionar de forma livre, e os danos colaterais daí resultantes (desigualdades, pobreza, desemprego, precariedade, baixos salários) devem ser atenuados com uma intervenção mínima do Estado. Como não há preocupação com a transformação estrutural e produtiva e a intervenção do Estado se concentra apenas na mitigação da pobreza extrema, criaram-se fenómenos novos aberrantes: trabalhadores empregados, mas pobres (working poor), desigualdades crescentes, pauperização das classes médias, precariedade no emprego.
Está em marcha em todo o mundo uma reação contra esta evolução, que propõe uma Nova Agenda do Desenvolvimento baseada na preocupação de revalorizar a intervenção do Estado com políticas ativas de fomento da atividade produtiva, do pleno emprego e da criação de empregos de boa qualidade, única forma de assegurar sustentabilidade económica e social no desenvolvimento. Isto é, acabar com a precariedade, o desemprego e combater as desigualdades. Trata-se de dar lugar de novo à Política Industrial, entendida como o conjunto de estímulos fornecidos pela intervenção de Estado para a criação de atividades económicas nos diferentes setores de atividade salvaguardando preocupações não só de sustentabilidade económica e social, a que já fiz referência, como ainda de sustentabilidade ambiental e energética, decisivas para combater as alterações climáticas.”

Foi um momento bom aquele que aconteceu ao fim da tarde de ontem, na presença de um significativo número de colegas, alunos, amigos e familiares, quer pela qualidade do que ali se deixou dito quer pela ambiência afetiva que pontuava a sessão. No que me toca – eu que fui colega de cadeira do Adelino na FEP, seu amigo de várias partilhas (pessoais e políticas) e orientador da tese de doutoramento que apresentou em 1993 –, esse momento foi simultaneamente feliz e nostálgico, mas sobretudo muito intenso. A conversa ao jantar completou na perfeição o ótimo deste reencontro – era inevitável, especialmente, falarmos do Bloco (ali representado pelo histórico Chico Louçã e pelos dirigentes Joana Mortágua e Fabian Figueiredo) e dos seus caminhos e encruzilhadas no contexto dos impasses do País –, ao qual não quero deixar de juntar o que de agradável também ali aconteceu numa interessante troca de ideias que se proporcionou, quase vinte anos depois, com a sua ex-mulher (Teresa Pizarro Beleza) e o filho de ambos Manuel.

Termino com uma frase final proveniente do “elogio” feito pela ex-aluna e atual colega Rita Martins, para assinalar simultaneamente um amigo recém-desaparecido (Manuel Rezende) e uma referência judiciosa a uma sua bem curiosa afirmação com indiscutível encaixe no modo de estar do homenageado: “para ser espontâneo é preciso muito treino”...

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