domingo, 29 de março de 2020

A VOZ DO DONO NEM É GAFE NEM SE CORRIGE



Foi compreensivelmente em Itália que mais ecoaram as reações de firme protesto (ver abaixo algumas das mais expressivas) em relação às inaceitáveis declarações produzidas no Sábado pela presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen (UvdL). O triste episódio é simples de contar em termos factuais: UvdL, falando à agência noticiosa alemã DPA a propósito dos chamados coronabonds, qualificou-os de mero slogan, afirmando que “o que está por detrás é uma grande questão sobre responsabilidades”, enfatizando que “existem limitações legais”, que a Alemanha e Merkel têm razão, que “esse não é o plano” e que “não estamos a trabalhar nisso” e referindo, finalmente, que o Conselho Europeu apenas decidiu que se avançasse com a “missão de elaborar o plano de reconstrução” e que esse “é o caminho”. Algumas horas mais tarde, e confrontada com a tempestade de críticas que suscitou, designadamente na martirizada Itália (de onde o primeiro-ministro Conte não se eximiu a atirar-lhe com um “não é ela que decide”), quis corrigir ligeiramente o seu infeliz tiro e veio relembrar que o Conselho Europeu solicitou ao Eurogrupo que apresentasse propostas nas próximas semanas e que “a Comissão participará nessas discussões e está preparada para ajudar” e comunicar que “a presidência da CE não exclui nenhuma opção dentro dos limites do Tratado” para responder ao impacto económicoprovocado pelo novo coronavírus, aproveitando ainda para desviar as atenções para o facto de a Comissão estar paralelamente a trabalhar “na flexibilização total dos fundos existentes, como os fundos estruturais” (já foram, de facto, anunciados 37 mil milhões de euros de fundos desbloqueados através de um esforço hercúleo de maximização da escassa margem de manobra orçamental existente e de aligeiramento da burocracia comunitária em matérias como as dos auxílios de Estado) e para as alterações que Bruxelas proporá esta semana em relação ao próximo Quadro Financeiro Plurianual ( incluindo, segundo prometeu, “um pacote de estímulo que garantirá a manutenção da coesão na União Europeia por meio de solidariedade e responsabilidade”). Moral da história, em três penadas: (i) UvdL está a cumprir a sua obrigação mínima de coordenar o seu colégio de comissários e a limitada resposta possível da Comissão ao desastre em curso; (ii) o promissor discurso daquela UvdL que em setembro se apresentou ao Parlamento Europeu, e alguns dos compromissos fortes que o integravam, apenas tinham por objetivo o imediatismo associado à obtenção da respetiva nomeação perante o quadro parlamentar em presença, ficando hoje claro que as suas palavras de então eram visivelmente muito mais circunstanciais do que assumidas e conscientes; (iii) UvdL falou demais ao entrar em domínios em que apenas pode tocar lateralmente, como é o caso da eventual emissão de obrigações europeias, e assim veio desnecessariamente pôr a nu quanto o seu modo de estar privilegia o “interesse nacional” (leia-se, o da Alemanha) em relação ao “interesse comunitário” que lhe cabe e jurou defender.

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