sexta-feira, 6 de março de 2020

CHEIRA-ME A ESTURRO!



(As movimentações em torno do Coliseu do Porto soam-me estranhas e não tenho qualquer informação privilegiada sobre o tema. Assim, na qualidade de leitor atento dos jornais que são o único ponto de contacto que tenho com o tema, estou limitado a algumas intuições. Nestas, avulta a necessidade de termos em conta que se aproximam eleições autárquicas e que cirandam por aí muitos candidatos a, pequenos, “senhores disto tudo”.)

O Coliseu do Porto é um equipamento emblemático e simbólico de um certo Porto, que alguns julgam perdido para sempre, na proporção da deterioração em que se encontravam as cadeiras de algumas zonas da sala quando o frequentei pela última vez. Em contraponto com os mais cosmopolitas Museu de Serralves e Casa da Música, o Coliseu do Porto sempre preencheu aquele difícil lugar de ponte entre uma cultura mais popular e para todos e uma cultura mais sofisticada, caso por exemplo da Ópera, que a Casa da Música não consegue acolher. Estão assim na nossa memória coisas como um dos últimos concertos de Miles Davis, espetáculos extraordinários de música popular brasileira (Bethania, Caetano, Gil, Rita Lee, entre outros), alguma ópera ou espetáculo de ballet mais clássico. E há também a memória dos circos.

Para além disso, a defesa da sua não venda a interesses em conflito com o seu papel cultural gerou momentos de algum dessossego cívico no Porto, em que a cidade pareceu regressar à sua matriz mais diferenciadora, muito mais abrangente do que a notoriedade e empenho da sua autarquia, mais ativa nuns tempos, mais abúlica e contabilística noutros. O Porto sem desassossego cívico não é carne nem peixe, é uma cidade renovada essencialmente por via da sua projeção turística, mas que perdendo o seu padrão de contrapoder se destrói no confronto dos pequenos interesses.

Nesse sentido, a criação de uma via de associação cívica e de parceria interinstitucional para a gestão do Coliseu está em linha com os momentos de desassossego cívico que o defenderam.

Pela informação que me foi chegando, à medida que foi sendo claro que o Coliseu estava em degradação progressiva, requerendo uma profunda reabilitação, começou a emergir a questão de como financiar tal operação. Nestas coisas do financiamento, os Fundos Estruturais representam para alguns algo de semelhante ao que o ouro do Brasil representava. Pressenti alguma agitação em torno da fórmula institucional que melhor se adaptaria a esse golpe de mágica e depois algum silêncio. Mas a própria CCDRN informou atempadamente que não tinha sido recebida qualquer candidatura ao Programa Operacional Norte para esse financiamento.

Nos últimos dias, as coisas parecem ter azedado. Falou-se em primeiro lugar (janeiro de 2020) que a solução de concessão do Coliseu a privados estaria em cima da mesa e que a Câmara Municipal do Porto (que validou em Conselho Municipal de Cultura de fevereiro de 2020), a Área Metropolitana do Porto e o Ministério da Cultura proporiam na reunião de 13 de março da assembleia-geral da associação Os Amigos do Coliseu essa concessão, o que sugere a indisponibilidade de todos para se chegarem à frente para assegurar o financiamento das obras necessárias. Em simultâneo, fala-se da substituição de Eduardo Paz Barroso, presidente da direção da Associação por uma vereadora do PS na CMP, pelos vistos não comunicada ao próprio. Em solidariedade com o ainda Presidente, a Associação Comercial do Porto apresentou a sua demissão da Associação e exprimiu o seu total desacordo com o processo que terá levado á decisão da concessão.

A reunião de 13 de março que se avizinha a galope tem assim a precedê-la não um clima de desassossego cívico à Porto, mas um caldo entornado, com pouco pão lá dentro. Desconheço se já há ou não entidade privada que se perfile para a concessão. Se já existe isso poderá ajudar a esclarecer todo este processo. Se não existir, isso significa que nem CMP nem Ministério da Cultura parecem empenhadas em chegarem-se à frente, com ou sem financiamento de Fundos Estruturais a nível regional, o que também é sinal dos tempos. Não é muito claro se a Associação Comercial do Porto apresentou efetivamente alguma proposta de intervenção nesse processo. Bateu com a porta. Isso sabe-se.

Por muito que o queira ignorar, convenço-me que todo este alarido reflete o avanço do processo eleitoral autárquico. Há muita peça a mexer e nem todas são transparentes. Nestas coisas, há sempre candidatos a pequenos “donos disto tudo”. É essa a minha intuição. Veremos nos próximos dias se ela está certa.

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