quinta-feira, 5 de março de 2020

ELIZABETE WARREN: A (MINHA) DECEÇÃO!



(Escrevo depois da super terça-feira nas primárias democratas americanas e quando Elizabeth Warren está prestes a anunciar aos seus apoiantes a decisão (em que termos?) de abandonar a corrida à nomeação democrata. Com o ressurgimento de Biden nessa mesma terça-feira e a resiliência de Bernie Sanders, não me atrevo a qualquer vaticínio. O que não impede de registar a minha profunda deceção, até porque intuo que a empatia e bonomia de Biden não chegarão para derrotar o boneco.)

Se fosse americano seria Democrata e Elizabeth Warren a minha candidata à nomeação. Não teria dúvidas de fazer campanha ativa. Acho que a senadora de Massachussets é conceptualmente melhor preparada para responder à minha própria interpretação das grandes questões da sociedade americana, agravadas pela ação do que Sanders considera ser e justamente o Presidente mais perigoso da história dos EUA. A imagem gerada nas primárias de que Warren tinha um plano para toda a série de problemas (link para um interessante artigo do Vox sobre essa questão) foi multiplicada até à exaustão, mas interrogo-me hoje se foi favorável à sua mensagem. O que eu sei é que ela foi pioneira em trazer as questões da desigualdade para o debate político e das suas ligações com o estado deplorável da saúde para os mais desfavorecidos da sociedade americana e com a intensificação da morbilidade em grupos sociais específicos. E isso marca o meu posicionamento.

Face ao desenvolvimento das primárias, embora ache que só uma presença efetiva em território americano nos ajudaria a compreender o fenómeno, que para nós é inequivocamente estranho, tenho de confessar a mais profunda deceção pela ausência de resultados de aceitação do projeto Warren. E não imaginaria a força e resiliência de Bernie Sanders. Começo a compreender que o discurso de Warren não é suficientemente populista (à esquerda) para os tempos de hoje e que Sanders se movimenta melhor nesse campo. Os dados estão lançados e a desistência de Warren, por um lado, e dos outros candidatos moderados, por outro, coloca o embate Sanders-Biden no centro da nomeação.

Como é usual nestes processos, à medida que as primárias atingem um limiar expressivo, começa naturalmente a pensar-se no adversário das eleições gerais e as opções de escolha começam a integrar a avaliação de quem terá mais capacidade para vencer Trump.

Não sei francamente que poção terá Biden tomado para ressurgir tão viçoso e carismático após a super-terça feira. Sempre me pareceu que Biden era demasiadamente mais do mesmo para poder derrotar Trump e que, a esta distância, invocar a proximidade a Obama é pouco para mandar Trump de volta para os seus negócios e reality shows. A nomeação de Bernie Sanders marcaria a rotura com o status quo e traria ao socialismo (social-democracia) americana um outro fôlego. Mas do outro lado não está um candidato típico ou normal. O novo normal Republicano é afinal tão atípico que só com grande esforço se conseguem identificar as raízes republicanas que associamos a outras personalidades da história política americana.

E, nestes momentos, está escrito que entre os americanos que votam Democratas começa naturalmente a instalar-se a dúvida existencial que outras eleições bem identificaram: se Biden ganhar a nomeação será que todos os votantes derrotados de Sanders serão atingidos pela luz da unidade, sendo também acompanhados pela base de apoio (mais pequena do que se pensava) de Warren? E se pelo contrário a vitória de Sanders ocorrer, o eleitorado moderado de Biden e dos que abandonaram a corrida unir-se-ão em torno da candidatura de Bernie, bem como os meios empresariais afetos aos Democratas? Foi assim quando Hillary conquistou a nomeação e viu-se o resultado, uma parte do eleitorado de Bernie não terá votado.

É óbvio que um mandato de Trump deu para desvirginar os ingénuos e confirmar a sua base de apoio de deserdados da globalização, de oportunistas da plutocracia e da atração pelo poder. Será que as tais dúvidas existenciais irão colocar-se de outro modo e menos propensas à divisão entre os Democratas? Tenho sérias dúvidas. Quanto mais penso nesta questão mais fico preso à ideia de que os Democratas correm o sério risco de perderem de novo por se distanciarem pouco do “mais do mesmo” e do politicamente correto dos corredores de Washington. Perder com Biden ou perder com Bernie é, de acordo com o objetivo último de derrubar o boneco, a mesma deceção. Mas pelo menos com uma eventual derrota de Bernie isso equivaleria a um outro teste, o da diferença, e não a confirmação do “mais do mesmo”. Clarificaria as coisas. Por isso votaria Bernie, a não ser que as sondagens oferecessem a conclusão de que Biden ganharia a eleição. Mas talvez tivesse que ir votar nessa interrogação.

Será que foi a misogenia profundamente enraizada na sociedade americana que explica a sua fraca prestação em termos de geração de votos? Dupla deceção.

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