(Na página 4 do Expresso, corpo principal, encontrei uma
notícia deveras impressiva e que me faz regressar ao tema das “duas ciências”
que foi neste espaço objeto de um post há alguns dias. Terá uma equipa da Universidade Nova de Lisboa feito uma descoberta
disruptiva do ponto de vista da celeridade com que a desejada neutralidade
carbónica poderá ser alcançada?)
A história das “duas
ciências” tem sido recorrente nas minhas reflexões já desde algum tempo. A
entrevista ao Público da Professora Maria Manuel Mota ao Público 2 de há dias
ressuscitou o tema. Por um lado, a ciência que é feita em Portugal para o mundo
e a ciência que aspira entre portas a um processo mais intenso de transferência
de conhecimento e de maior interação com as empresas ou com os sistemas
públicos.
Uns dias depois de
ter publicado esse post, tive uma curiosa conversa com alguém associado à
Universidade, que por razões profissionais não devo divulgar, o qual se
mostrava bastante crítico sobre o estado da ciência na União Europeia e o tão
badalado Carlos Moedas não saía lá muito bem nessa fotografia. Dizia o meu
interlocutor que, à boleia do argumento de que a ciência se faz para o mundo, o
sistema científico europeu caminhava para a irrelevância, face aos movimentos
observados na ciência asiática e americana. Segundo o meu interlocutor, um
indicador dessa irrelevância tendencial está no volume de patentes registadas e
que se mantêm vivas mas que às quais a valorização económica não atribui
qualquer importância, condenando-as a um retorno nulo. Ou seja, a ciência
europeia situar-se-ia bastante à margem dos processos de valorização económica
do conhecimento, apesar do esforço de geração de patentes.
Esta abordagem
pareceu-me curiosa, pois existe, regra geral, a (falsa) convicção de que quando
um sistema científico e tecnológica se apresenta com um cardápio robusto de
patentes isso significará que a vertente transferência de conhecimento
predomina sobre a ciência não orientada em função da valorização económica do
conhecimento. De facto, um amontoado inerte de patentes não significa
rigorosamente nada e se não houver interesse económico na sua mobilização até
pode dizer-se que essas patentes estão a penalizar a progressão do
conhecimento. Talvez regresse a uma nova conversa com o meu interlocutor sobre
o tema.
A notícia do Expresso
informa-nos que uma equipa da UNL descobriu que uma bactéria (Desulfovibrio
vulgaris) que se encontra facilmente nos solos, ambientes marinhos e mesmo
na flora intestinal e que tem uma presença relevante na absorção de dióxido de
carbono (CO2), tendo até a capacidade de o transformar em combustível químico
com propriedades similares ao hidrogénio.
A notícia pareceu-me
à medida das minhas reflexões. Estamos perante investigação científica que de
acordo com a informação que pude recolher aporta dois possíveis rumos de
transferência de conhecimento: por um lado, a formação de um novo combustível,
que na palavra das investigadoras é de mais fácil transporte e armazenamento do
que o hidrogénio e nem é explosivo nem tóxico; por outro lado, um contributo
que pode ser inestimável para uma maior celeridade da neutralidade carbónica,
já que a bactéria tem esse poder estranho de captação de CO2.
Da ideia à sua
valorização económica decorrerá um longo calvário, para o qual regra geral as
políticas públicas não estão preparadas pois não reúnem recursos bastantes e permanentes
para acompanhar o seu desenvolvimento ao longo de toda a cadeia de inovação. O
que temos aqui? Indiscutivelmente ciência para a transferência de conhecimento,
o que por si só não significa que alcance o seu desiderato final. E
transferência de conhecimento que me parece não estar destinada a morrer inerte
numa patente a quem ninguém está interessado em proporcionar valor. Mas antes
algo que se articula com os desafios societais do nosso tempo. Mas isso
infelizmente não nos assegura que a dimensão do país e a vocação europeia sejam
seguros suficientes para o seu êxito.
A sua existência já
era acusada no EUREK ALERT (link aqui).
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