(Estava escrito nos astros e nas lógicas epidemiológicas.
Há sempre um momento, o das fases de contenção, em que se coloca
inevitavelmente a velha questão de saber se as medidas devem ser reativas
ajustando os modelos de contenção à evolução da situação ou se, pelo contrário,
se deve assumir uma postura mais proativa, levando mais a sério e em extensão a
palavra contenção. A simples comparação entre a
situação italiana e a portuguesa demonstra como pode ser importante uma decisão
sábia sobre essa matéria)
O objetivo deste post
não tem, nem por sombras, colocar dúvidas quanto à manifesta competência com
que as autoridades de saúde em Portugal estão a gerir a situação do coronavírus
no país. A postura de adaptação flexível que foi consagrada representa
sobretudo um acompanhamento do que a Organização Mundial da Saúde tem
preconizado e se tem havido problemas de comunicação ou de concretizações
incoerentes isso resulta essencialmente de um outro tipo de problemas em que a
administração central está mergulhada desde há algum tempo. Há de facto
problemas de coordenação política do modo como decisões competentes a nível do
topo se transmitem até aos destinatários finais, emperrando ou acumulando ruído
em estruturas intermédias. Temos por exemplo o caso como as medidas de
contenção para as prisões chegaram (ou melhor não chegaram ou chegaram tarde) a
quem tem de implementar em última linha a medida. É um problema que o falso
jornalismo atento gosta de evidenciar, mas para quem tem alguma experiência de
acompanhamento de políticas públicas sabe que, na prática, esse jornalismo é
pouco atento. Na verdade, casos desses que tal jornalismo procura avidamente em
momentos de crise é infelizmente comum e generalizado em tempos de paz. A
explicação é dada pelo estado caótico em termos de motivação e envolvimento,
poder de autoridade de chefias, grau de disponibilidade de técnicos em que uma
grande parte da administração central está mergulhada.
O poder político, com
o 1º ministro à cabeça, teima em colocar de baixo do tapete estas questões, não
compreendendo, o que para mim é um mistério, que ignorar o problema equivale a
reduzir fortemente a probabilidade das medidas preparadas atingirem realmente
os seus fins. A ilusão do número jornalístico é fatal, até porque o cidadão
normal está cada vez mais atento à verborreia não concretizada, pois tem
memória e percebe depois que o que foi anunciado não chega ao seu conhecimento
direto. Esta é aliás uma das razões, a outra é da corrupção, que explica a
falta de confiança no poder político. E de ilusão mediática em ilusão mediática
lá vai evoluindo esta ignorância fatal.
No que diz respeito à
gestão do coronavírus, a questão reatividade-proatividade não tem uma solução
universal. O exemplo italiano mostra que há um período reduzido para a tal
reatividade flexível. Ao mínimo descontrolo do processo, essa reatividade não
tem qualquer eficácia, pois chega tarde. Pode questionar-se o que é que explica
alguma dificuldade na tomada de decisão atempada sobre medidas mais proativas
de contenção. Em economias de mercado é decididamente o medo de que a contenção
excessiva crie e antecipe situações de pânico. Compreende-se mas a evidência
mostra que os mercados reagem por si mesmo antes da contenção desmesurada e geram
eles próprios outros tipos de pânico. Em economias autoritárias e repressivas,
o medo da contenção desproporcionada é o da relutância em evidenciar a
incapacidade de tomar conta do problema, agravado no caso dos regimes
teocráticos como o do Irão por questões de atavismo religioso que leva a
dilatar tragicamente no tempo essas medidas.
Por isso, bem
compreendo os que em Portugal, partindo da confirmação de que o fenómeno
epidemiológico ainda está relativamente controlado, identificando sequências de
contágio até de casos de contaminação terciária, sobretudo face a Itália, pensam
que uma contenção mais alargada, encerrando escolas, universidades e todos os estabelecimentos
de ensino, por exemplo, poderia ser recomendada. Sobretudo porque parece claro
que Portugal se encontra ainda com margens de contenção do fenómeno. Não se
compreende que se proíbam eventos com mais de 5.000 pessoas e se deixe aberto
um estabelecimento de ensino que, obviamente, não tem aulas com essa magnitude,
mas que na sua totalidade ultrapassam esse limiar. Creio que mais tarde ou mais
cedo vamos ser conduzidos a esse desfecho. Mas isso não nos deve sossegar.
Todos os dias são cruciais e cada dia de atraso gera a necessidade de
contenções mais brutais e desproporcionadas.
Dos elementos hoje
conhecidos há um que me suscita necessidades adicionais de interpretação. A
Dra. Graça Freitas anunciou a extensão de testes de despistagem a casos de
infeções respiratórias aparentemente não sintomáticas do COVID-19. O que é que
representa efetivamente esta mudança de protocolo. Alguma dúvida sobre o modo
como o surto viral está a manifestar-se em Portugal?
Uma outra dúvida que tenho
partilhado com algumas pessoas próximas é o facto de, aparentemente, entre os locais
importados de casos confirmados em Portugal não aparecer a China. Claro que não
tenho dúvidas de que sobretudo a norte o nosso relacionamento com a Itália é
bem mais expressivo e justifica o contágio primário da quase totalidade dos
casos confirmados. Mas será que a interação com a China é assim tão baixa que o
mero cálculo de probabilidades responde à minha interrogação? Não estou lá
muito convencido disso.
O gráfico que abre
este post e que foi fortemente divulgado nas redes sociais traduz bem,
em meu entender, o conflito reatividade-proatividade. É tudo uma questão de
adaptar a evolução dos danos do fenómeno epidemiológico à capacidade dos
sistemas de saúde.
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