segunda-feira, 9 de março de 2020

REATIVIDADE OU PROATIVIDADE?



(Estava escrito nos astros e nas lógicas epidemiológicas. Há sempre um momento, o das fases de contenção, em que se coloca inevitavelmente a velha questão de saber se as medidas devem ser reativas ajustando os modelos de contenção à evolução da situação ou se, pelo contrário, se deve assumir uma postura mais proativa, levando mais a sério e em extensão a palavra contenção. A simples comparação entre a situação italiana e a portuguesa demonstra como pode ser importante uma decisão sábia sobre essa matéria)

O objetivo deste post não tem, nem por sombras, colocar dúvidas quanto à manifesta competência com que as autoridades de saúde em Portugal estão a gerir a situação do coronavírus no país. A postura de adaptação flexível que foi consagrada representa sobretudo um acompanhamento do que a Organização Mundial da Saúde tem preconizado e se tem havido problemas de comunicação ou de concretizações incoerentes isso resulta essencialmente de um outro tipo de problemas em que a administração central está mergulhada desde há algum tempo. Há de facto problemas de coordenação política do modo como decisões competentes a nível do topo se transmitem até aos destinatários finais, emperrando ou acumulando ruído em estruturas intermédias. Temos por exemplo o caso como as medidas de contenção para as prisões chegaram (ou melhor não chegaram ou chegaram tarde) a quem tem de implementar em última linha a medida. É um problema que o falso jornalismo atento gosta de evidenciar, mas para quem tem alguma experiência de acompanhamento de políticas públicas sabe que, na prática, esse jornalismo é pouco atento. Na verdade, casos desses que tal jornalismo procura avidamente em momentos de crise é infelizmente comum e generalizado em tempos de paz. A explicação é dada pelo estado caótico em termos de motivação e envolvimento, poder de autoridade de chefias, grau de disponibilidade de técnicos em que uma grande parte da administração central está mergulhada.

O poder político, com o 1º ministro à cabeça, teima em colocar de baixo do tapete estas questões, não compreendendo, o que para mim é um mistério, que ignorar o problema equivale a reduzir fortemente a probabilidade das medidas preparadas atingirem realmente os seus fins. A ilusão do número jornalístico é fatal, até porque o cidadão normal está cada vez mais atento à verborreia não concretizada, pois tem memória e percebe depois que o que foi anunciado não chega ao seu conhecimento direto. Esta é aliás uma das razões, a outra é da corrupção, que explica a falta de confiança no poder político. E de ilusão mediática em ilusão mediática lá vai evoluindo esta ignorância fatal.

No que diz respeito à gestão do coronavírus, a questão reatividade-proatividade não tem uma solução universal. O exemplo italiano mostra que há um período reduzido para a tal reatividade flexível. Ao mínimo descontrolo do processo, essa reatividade não tem qualquer eficácia, pois chega tarde. Pode questionar-se o que é que explica alguma dificuldade na tomada de decisão atempada sobre medidas mais proativas de contenção. Em economias de mercado é decididamente o medo de que a contenção excessiva crie e antecipe situações de pânico. Compreende-se mas a evidência mostra que os mercados reagem por si mesmo antes da contenção desmesurada e geram eles próprios outros tipos de pânico. Em economias autoritárias e repressivas, o medo da contenção desproporcionada é o da relutância em evidenciar a incapacidade de tomar conta do problema, agravado no caso dos regimes teocráticos como o do Irão por questões de atavismo religioso que leva a dilatar tragicamente no tempo essas medidas.

Por isso, bem compreendo os que em Portugal, partindo da confirmação de que o fenómeno epidemiológico ainda está relativamente controlado, identificando sequências de contágio até de casos de contaminação terciária, sobretudo face a Itália, pensam que uma contenção mais alargada, encerrando escolas, universidades e todos os estabelecimentos de ensino, por exemplo, poderia ser recomendada. Sobretudo porque parece claro que Portugal se encontra ainda com margens de contenção do fenómeno. Não se compreende que se proíbam eventos com mais de 5.000 pessoas e se deixe aberto um estabelecimento de ensino que, obviamente, não tem aulas com essa magnitude, mas que na sua totalidade ultrapassam esse limiar. Creio que mais tarde ou mais cedo vamos ser conduzidos a esse desfecho. Mas isso não nos deve sossegar. Todos os dias são cruciais e cada dia de atraso gera a necessidade de contenções mais brutais e desproporcionadas.

Dos elementos hoje conhecidos há um que me suscita necessidades adicionais de interpretação. A Dra. Graça Freitas anunciou a extensão de testes de despistagem a casos de infeções respiratórias aparentemente não sintomáticas do COVID-19. O que é que representa efetivamente esta mudança de protocolo. Alguma dúvida sobre o modo como o surto viral está a manifestar-se em Portugal?

Uma outra dúvida que tenho partilhado com algumas pessoas próximas é o facto de, aparentemente, entre os locais importados de casos confirmados em Portugal não aparecer a China. Claro que não tenho dúvidas de que sobretudo a norte o nosso relacionamento com a Itália é bem mais expressivo e justifica o contágio primário da quase totalidade dos casos confirmados. Mas será que a interação com a China é assim tão baixa que o mero cálculo de probabilidades responde à minha interrogação? Não estou lá muito convencido disso.

O gráfico que abre este post e que foi fortemente divulgado nas redes sociais traduz bem, em meu entender, o conflito reatividade-proatividade. É tudo uma questão de adaptar a evolução dos danos do fenómeno epidemiológico à capacidade dos sistemas de saúde.

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