O dia prometia ser de grandes emoções, suspense mesmo, lá para os lados de um Conselho Europeu que ia reunir por videoconferência e que acabaria por o fazer durante toda a santa tarde, ao que parece num ambiente bastante tenso e conflitual.
Comecei-o em choque perante a manchete do “El País” (um terço da humanidade, i.e., 2600 milhões de pessoas, já vive confinada pelo vírus!), depois atualizei-me sobre um bailout ou takeover (dependendo do ângulo de observação) em curso nos Estados Unidos e de montante superior a 4,5 biliões de dólares (tendo centralidade no maior pacote de estímulos à economia da história moderna, atingindo um valor aproximado de 2 biliões após um compromisso duro mas efetivo, em sede de Congresso, entre Republicanos e Democratas), de seguida li Münchau na sua defesa de um eurobond mutualizado para contrariar um ciclo de desgraça económica na Europa do Sul que também poderá em jogo a própria sobrevivência da Zona Euro, passei à antecipação pelo “Politico” do Conselho (sob o muito criativo título de “Bazooka Tales”) e fui ganhando acrescida consciência de que nada de essencial iria resultar do mesmo ao aperceber-me das declarações “repugnantes” (na palavra do nosso primeiro-ministro) do ministro das Finanças holandês (recuperando os estafados argumentos contra a emissão de eurobonds baseados em ameaças de moral hazard e no correspondente desincentivo às reformas económicas mas, e não se contentando com essa manifestação de cegueira política e económica no simultâneo contexto de uma construção europeia presa por arames e de uma gravíssima “crise simétrica”, indo ainda ao ponto de afirmar quanto não o comovem as 3500 mortes já verificadas numa Espanha que “não tem margem orçamental” para lidar com a pandemia).
Já mais à noite, e terminado o Conselho, António Costa entrou em conferência de imprensa para comunicar o que dele saiu. Deixou sinais intrigantes mas potencialmente interessantes, isto se vierem a ser suscetíveis de uma avaliação mais promissora à luz do que vier a saber-se terem sido os vários posicionamentos e episódios internos acontecidos (ao que parece, no meio de uma catadupa de pressões e recusas que apenas permitiram chegar-se a um comunicado final tímido, e até vergonhoso numa perspetiva europeia, mas que talvez esconda a esperança de um caminho mais do que um puro e simples beco sem saída (wishful thinking?). Mas o que gostei, especialmente, foi daquele momento em que o nosso primeiro-ministro se passou e não hesitou em se atirar a Hoekstra, afirmando com uma brutal rudeza que já não há espaço para tolerar as provocações de ministros holandeses (numa referência que também envolveu o antecessor daquele, esse tão querido e saudoso Dijsselbloem) – mesmo sabendo que se trata de uma reação emocional da minha parte, confesso que apreciei enormemente a atitude de António Costa e que até por ela fui levado a um pequeno momento de fervoroso orgulho nacional.
Dito tudo isto, e voltando à racionalidade, teremos de convir que a coisa está nitidamente preta. Porque se algo me empurra para tender ainda a confiar no alinhamento europeu que se vai forjando – há, de facto, que queimar todos os cartuchos que houver à disposição! –, não creio que a senhora Merkel tenha hoje a energia e a influência política bastantes para um golpe de asa que a faça passar à posteridade como a salvadora de uma Europa com um destino fatal em vias de ser traçado. Do resto, i.e., do que nascerá desses escombros nem é bom falar...
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