(Este vosso amigo, que se considera o perfeito contrário
de um “connector” embora não seja um eremita, aprende a contragosto a testar o
que é isso de isolamento e distanciação social. Não é novidade. Só percecionamos
o valor da liberdade quando por qualquer motivo o seu exercício experimenta
constrangimentos. Tempo para diminuir a altura das
leituras pendentes, rever com mais pormenor a discoteca caseira, escolher
alguns novos temas de reflexão para este blogue. Está entretanto difícil escapar
ao tema viral.)
Pego nesta capa da
NEW YORKER, que não esconde uma vez mais a “grande afeição” que nutre pelo
boneco-Presidente dos EUA, para refletir alguns aspetos da dimensão política do
Coronavírus para as sociedades democráticas.
Já li por aí algures
que a extensão e letalidade do COVID-19 podem transformar-se no cisne negro da
reeleição de Trump. Este tipo de surtos virais atropela, regra geral, os
fanfarrões suicidas e, por isso, admito que leituras mais apressadas e
sobretudo vinculadas ao desejo de pôr a andar tão incómoda criatura da condução
dos destinos dos EUA. Outros dirão que a progressão dos efeitos do vírus nos
EUA, colocando a nu as fragilidades do sistema de saúde americano, tenderá a
favorecer politicamente a posição dos que pretender corrigir o mais
profundamente possível essa fragilidade, reformando o sistema e a proteção
social na doença.
Pessoalmente, não
estou tão otimista quanto isso. Numa crise com estas características, os
autocratas podem beneficiar de condições favoráveis para o exercício das suas
diatribes e provas de força. Por exemplo, é nestas condições relativamente
fácil culpar o outro e o exterior e praticar com exemplos renovados a sua
obsessão nacionalista e de gerir a globalização à medida das suas ambições de
poder. Não foi por acaso que Trump, com a sua decisão de fechar o seu espaço
aéreo a voos da União Europeia, entre outras origens, pode ter dado uma
machadada decisiva nos destinos da TAP, seja acelerando a sua falência, ou
precipitando a sua nacionalização. Para além disso, as fragilidades do sistema
de saúde americano são conhecidas há longo tempo e não consta que os que se opõem
dura e vigorosamente à sua continuação tenham tido lucros eleitorais
determinantes para uma viragem política nos EUA.
Uma crise como a do
COVID-19 é propensa a toda a série de tiques autoritários e de exceção que são
a imagem de marca de personagens como Trump, ainda que incorra nas maiores
alarvidades de interpretação do fenómeno e da sua extensão. Estamos perante
fenómenos pandémicos que convidam à instalação de situações de exceção e isso é
um ambiente florescente para a sua reprodução, tal como hoje sabemos já também
que o COVID-19 tem os seus espaços de estimação para se multiplicar ou
prolongar a sua vida fora do corpo humano.
E no meio de toda
esta preocupação, ainda poucos reconheceram a possibilidade de Trump gerir a
situação política e sanitária em função do estado das sondagens quanto à sua
reeleição. Desde adiar eleições em função do seu próprio tempo político até
outras formas de influenciar o ato eleitoral podemos esperar de tudo desta
personagem que não olha a meios para atingir os seus interesses. Isso vai ser
um duro teste às instituições democráticas americanas, não ignorando que esse
teste pode encontrar a sociedade fortemente vulnerabilizada em função dos
efeitos concretos que a pandemia provocará nos EUA.
A evolução das
primárias entre os Democratas aponta para que o vencedor mais provável, Joe
Biden, e a partir dessa clarificação atiremos as diferenças ideológicas para
trás das costas, tenha tempo suficiente para estar atento às jogadas possíveis
de Trump induzidas pela situação sanitária. Oxalá haja tempo para que qualquer
aproveitamento de Trump seja denunciado e, se as suas incompetências na gestão
da crise forem claras, tirar disso partido para sublinhar que um mandato é
suficiente.
Nota final
No meio da desgraça
em que a Itália e a Espanha estão já mergulhadas, uma singela ponta de esperança
emergiu em Codogno, epicentro da crise na Lombardia: o número de novos casos
está a diminuir drasticamente, suscitando agora o desafio de evitar retomas de
contágio.
Por cá bem sei e por
experiência até de trabalho que cenarizações não são de facto previsões. Mas
não me confortou saber que a notícia do Expresso de que o Governo trabalha com
um cenário de pico do fenómeno para a segunda semana de maio não foi desmentida. É muito tempo de
distância social mesmo para alguém que de “connector” tem muito pouco.
Aprenderemos.
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