sábado, 14 de março de 2020

NOTÍCIAS DO ISOLAMENTO SOCIAL



(Este vosso amigo, que se considera o perfeito contrário de um “connector” embora não seja um eremita, aprende a contragosto a testar o que é isso de isolamento e distanciação social. Não é novidade. Só percecionamos o valor da liberdade quando por qualquer motivo o seu exercício experimenta constrangimentos. Tempo para diminuir a altura das leituras pendentes, rever com mais pormenor a discoteca caseira, escolher alguns novos temas de reflexão para este blogue. Está entretanto difícil escapar ao tema viral.)

Pego nesta capa da NEW YORKER, que não esconde uma vez mais a “grande afeição” que nutre pelo boneco-Presidente dos EUA, para refletir alguns aspetos da dimensão política do Coronavírus para as sociedades democráticas.

Já li por aí algures que a extensão e letalidade do COVID-19 podem transformar-se no cisne negro da reeleição de Trump. Este tipo de surtos virais atropela, regra geral, os fanfarrões suicidas e, por isso, admito que leituras mais apressadas e sobretudo vinculadas ao desejo de pôr a andar tão incómoda criatura da condução dos destinos dos EUA. Outros dirão que a progressão dos efeitos do vírus nos EUA, colocando a nu as fragilidades do sistema de saúde americano, tenderá a favorecer politicamente a posição dos que pretender corrigir o mais profundamente possível essa fragilidade, reformando o sistema e a proteção social na doença.

Pessoalmente, não estou tão otimista quanto isso. Numa crise com estas características, os autocratas podem beneficiar de condições favoráveis para o exercício das suas diatribes e provas de força. Por exemplo, é nestas condições relativamente fácil culpar o outro e o exterior e praticar com exemplos renovados a sua obsessão nacionalista e de gerir a globalização à medida das suas ambições de poder. Não foi por acaso que Trump, com a sua decisão de fechar o seu espaço aéreo a voos da União Europeia, entre outras origens, pode ter dado uma machadada decisiva nos destinos da TAP, seja acelerando a sua falência, ou precipitando a sua nacionalização. Para além disso, as fragilidades do sistema de saúde americano são conhecidas há longo tempo e não consta que os que se opõem dura e vigorosamente à sua continuação tenham tido lucros eleitorais determinantes para uma viragem política nos EUA.

Uma crise como a do COVID-19 é propensa a toda a série de tiques autoritários e de exceção que são a imagem de marca de personagens como Trump, ainda que incorra nas maiores alarvidades de interpretação do fenómeno e da sua extensão. Estamos perante fenómenos pandémicos que convidam à instalação de situações de exceção e isso é um ambiente florescente para a sua reprodução, tal como hoje sabemos já também que o COVID-19 tem os seus espaços de estimação para se multiplicar ou prolongar a sua vida fora do corpo humano.

E no meio de toda esta preocupação, ainda poucos reconheceram a possibilidade de Trump gerir a situação política e sanitária em função do estado das sondagens quanto à sua reeleição. Desde adiar eleições em função do seu próprio tempo político até outras formas de influenciar o ato eleitoral podemos esperar de tudo desta personagem que não olha a meios para atingir os seus interesses. Isso vai ser um duro teste às instituições democráticas americanas, não ignorando que esse teste pode encontrar a sociedade fortemente vulnerabilizada em função dos efeitos concretos que a pandemia provocará nos EUA.

A evolução das primárias entre os Democratas aponta para que o vencedor mais provável, Joe Biden, e a partir dessa clarificação atiremos as diferenças ideológicas para trás das costas, tenha tempo suficiente para estar atento às jogadas possíveis de Trump induzidas pela situação sanitária. Oxalá haja tempo para que qualquer aproveitamento de Trump seja denunciado e, se as suas incompetências na gestão da crise forem claras, tirar disso partido para sublinhar que um mandato é suficiente.

Nota final

No meio da desgraça em que a Itália e a Espanha estão já mergulhadas, uma singela ponta de esperança emergiu em Codogno, epicentro da crise na Lombardia: o número de novos casos está a diminuir drasticamente, suscitando agora o desafio de evitar retomas de contágio.

Por cá bem sei e por experiência até de trabalho que cenarizações não são de facto previsões. Mas não me confortou saber que a notícia do Expresso de que o Governo trabalha com um cenário de pico do fenómeno para a segunda semana de maio não foi desmentida. É muito tempo de distância social mesmo para alguém que de “connector” tem muito pouco. Aprenderemos.

Sem comentários:

Enviar um comentário