sexta-feira, 13 de março de 2020

A ECONOMIA DOS EFEITOS DO COVID-19



(Numa situação como a que vivemos, aos economistas resta confiar e defender os médicos e todos os profissionais de saúde, velar por decisões políticas claras e eficazes, integrar o esforço cívico coletivo e ajudar na melhor caracterização e quantificação possíveis dos impactos económicos que se estimam devastadores. Uma identificação rigorosa de impactos e a indicação transparente dos mecanismos através dos quais esses impactos se transmitem pode contribuir para que ouvidos mais atentos recebam essas análises e ajustem em conformidade a decisão política. Mas não ignoremos que em 2007-2008 também houve esse esforço (talvez não tão generalizado) e os alertas foram olimpicamente ignorados.)

Tendo também aderido ao teletrabalho, embora com maior dificuldade para isolar o dia de descanso antecipado (a sexta feira), a gaivota de estimação que visita regularmente a varanda soalheira do meu escritório tem estranhado a minha mais frequente passagem pela secretária. Mas como hoje é dia de descanso do trabalho profissional, aproveito a oportunidade para algumas leituras sobre esta ameaça à convivência cívica em que a tragédia viral nos colocou. É tempo de reconhecer a maior importância social das ciências e da medicina profundamente mergulhadas na mitigação do fenómeno pandémico. Estou na primeira linha desse reconhecimento e do respeito que lhe é devido. Mas a forma como esse conhecimento é comunicado e transformado em decisão política e formulação rigorosa de prescrições e orientações é também decisiva. Em democracia é assim, embora face ao problema que vivemos não haja tempo para um afinamento progressivo e incremental da comunicação. É preciso ser eficaz tanto quanto o possível à primeira e insistir na ideia de que o civismo coletivo é uma arma vital para combater a hipótese de picos demasiado rápidos, que devastam os serviços públicos de saúde e conduzem a sociedade a escolhas éticas terríveis. Mesmo não ignorando que achatar os picos epidemiológicos alongará inevitavelmente o período de incidência do problema, essa é a solução e Portugal parece poder ainda aspirar a esse achatamento.

Mas os economistas podem também contribuir para uma mais rigorosa identificação dos impactos económicos devastadores e igualmente pandémicos da incidência do COVID-19. Talvez o bestiário do negacionismo, à la Trump ou Bolsonaro, compreenda melhor o problema com a vertente da identificação e quantificação dos impactos económicos. Não segundo um modelo de busca de números sensacionalistas, mas sobretudo através de uma correta e transparente identificação dos mecanismos através dos quais os impactos são antecipados.

O VOX EU é um bom exemplo de serviço público à escala global em termos de disseminação do conhecimento económico que honra a profissão e a academia. É hoje uma via inestimável para a formação dos economistas preocupados em ver alguma coisa mais do que a ponta do seu nariz, seja ele maior ou mais pequeno. Mesmo on time, acaba de ser publicada obra “ECONOMICS IN THE TIME OF COVID-19” (link aqui), coordenada por Richard Baldwin e Beatrice Weder Di Mauro, ambos professores e investigadores no Graduate Institute de Genebra e membros do CEPR. Particularmente o primeiro destes economistas é um dos mais profundos conhecedores dos novos mecanismos da globalização e essa relevância compreende-se num fenómeno que representa uma outra forma de ver a globalização. Aliás depois de um fenómeno pandémico como este e independentemente de não sabermos hoje quanta penosidade ele irá transmitir à população mundial, o que parece indiscutível é que o reformismo da globalização volta a estar no centro das decisões. Ou alguém depois disto será capaz de não compreender a exigência de um modelo de gestão coordenada da globalização? Talvez o bestiário acima mencionado prefira manter-se na negação, mas é tempo da voz do reformismo ganhar mais alguma expressão e deixar a expressão tímida de quem levanta com medo o dedo para participar numa discussão.

A obra de Baldwin e de Di Mauro vale a pena ser lida e como é constituída por um conjunto elevado de pequenos e médios contributos não se presta a uma síntese compatível com o tempo de leitura para um contributo desta natureza. Mas há algumas ideias simples em matéria de captação de mecanismos para a estimação de impactos que importa conhecer, para lá da sofisticação dos modelos (designadamente de equilíbrio geral) que regra geral são concebidos para estimar impactos macroeconómicos globais. E nessas ideias simples é possível sugerir que, frequentemente, não é necessário sofisticar em excesso para se transmitir às pessoas os riscos económicos pandémicos.

A primeira ideia simples é a de que o impacto do Coronavírus atinge sobretudo o chamado G7 ao qual se junta a China. Ora os EUA, a China, o Japão, a Alemanha, o Reino Unido, a França e a Itália respondem por: (i) 60% da oferta e procura mundiais; (ii) 65% da produção mundial de produtos manufaturados; (iii) 41% das exportações mundiais de manufaturados. Não é difícil imaginar o que a “gripe” destes países poderá representar para os países mais pequenos e para a economia mundial.

A outra ideia simples, com grande repercussão em modelos de especialização como o nosso em que a exportação de manufaturados é vital, é a de que o impacto na indústria transformadora se processa pela combinação e convergência de três tipos de impactos: (i) efeitos diretos de destruição da oferta a partir do epicentro asiático; (ii) o profundo e diversificado impacto nas cadeias de valor e na segmentação pelo mundo da produção e comércio de produtos intermédios; (iii) a procura global vai descer abruptamente e assistiremos a diferimentos importantes de despesas de consumo pelas famílias e de investimento pelas empresas, sobredimensionando os efeitos sobre a procura.

Documentar e afinar estes mecanismos e efeitos e analisar os tempos para a sua manifestação basta para recomendar a obra em causa e mostrar que a decisão política não tem apenas de mitigar a tragédia de saúde pública. Terá também de responder convictamente à recessão que está aí à porta cuja duração e efeitos é fundamental mitigar.

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