(Numa situação como a que vivemos, aos economistas resta
confiar e defender os médicos e todos os profissionais de saúde, velar por
decisões políticas claras e eficazes, integrar o esforço cívico coletivo e
ajudar na melhor caracterização e quantificação possíveis dos impactos
económicos que se estimam devastadores. Uma identificação rigorosa de impactos e a indicação transparente dos
mecanismos através dos quais esses impactos se transmitem pode contribuir para
que ouvidos mais atentos recebam essas análises e ajustem em conformidade a
decisão política. Mas não ignoremos que em 2007-2008 também houve esse esforço
(talvez não tão generalizado) e os alertas foram olimpicamente ignorados.)
Tendo também aderido
ao teletrabalho, embora com maior dificuldade para isolar o dia de descanso
antecipado (a sexta feira), a gaivota de estimação que visita regularmente a
varanda soalheira do meu escritório tem estranhado a minha mais frequente
passagem pela secretária. Mas como hoje é dia de descanso do trabalho
profissional, aproveito a oportunidade para algumas leituras sobre esta ameaça
à convivência cívica em que a tragédia viral nos colocou. É tempo de reconhecer
a maior importância social das ciências e da medicina profundamente mergulhadas
na mitigação do fenómeno pandémico. Estou na primeira linha desse
reconhecimento e do respeito que lhe é devido. Mas a forma como esse
conhecimento é comunicado e transformado em decisão política e formulação
rigorosa de prescrições e orientações é também decisiva. Em democracia é assim,
embora face ao problema que vivemos não haja tempo para um afinamento
progressivo e incremental da comunicação. É preciso ser eficaz tanto quanto o
possível à primeira e insistir na ideia de que o civismo coletivo é uma arma
vital para combater a hipótese de picos demasiado rápidos, que devastam os
serviços públicos de saúde e conduzem a sociedade a escolhas éticas terríveis.
Mesmo não ignorando que achatar os picos epidemiológicos alongará
inevitavelmente o período de incidência do problema, essa é a solução e Portugal
parece poder ainda aspirar a esse achatamento.
Mas os economistas
podem também contribuir para uma mais rigorosa identificação dos impactos económicos
devastadores e igualmente pandémicos da incidência do COVID-19. Talvez o
bestiário do negacionismo, à la Trump ou Bolsonaro, compreenda melhor o problema
com a vertente da identificação e quantificação dos impactos económicos. Não
segundo um modelo de busca de números sensacionalistas, mas sobretudo através
de uma correta e transparente identificação dos mecanismos através dos quais os
impactos são antecipados.
O VOX EU é um bom
exemplo de serviço público à escala global em termos de disseminação do
conhecimento económico que honra a profissão e a academia. É hoje uma via
inestimável para a formação dos economistas preocupados em ver alguma coisa
mais do que a ponta do seu nariz, seja ele maior ou mais pequeno. Mesmo on
time, acaba de ser publicada obra “ECONOMICS
IN THE TIME OF COVID-19” (link aqui), coordenada por Richard Baldwin e
Beatrice Weder Di Mauro, ambos professores e investigadores no Graduate
Institute de Genebra e membros do CEPR. Particularmente o primeiro destes
economistas é um dos mais profundos conhecedores dos novos mecanismos da
globalização e essa relevância compreende-se num fenómeno que representa uma
outra forma de ver a globalização. Aliás depois de um fenómeno pandémico como
este e independentemente de não sabermos hoje quanta penosidade ele irá transmitir
à população mundial, o que parece indiscutível é que o reformismo da
globalização volta a estar no centro das decisões. Ou alguém depois disto será
capaz de não compreender a exigência de um modelo de gestão coordenada da
globalização? Talvez o bestiário acima mencionado prefira manter-se na negação,
mas é tempo da voz do reformismo ganhar mais alguma expressão e deixar a
expressão tímida de quem levanta com medo o dedo para participar numa
discussão.
A obra de Baldwin e
de Di Mauro vale a pena ser lida e como é constituída por um conjunto elevado
de pequenos e médios contributos não se presta a uma síntese compatível com o
tempo de leitura para um contributo desta natureza. Mas há algumas ideias
simples em matéria de captação de mecanismos para a estimação de impactos que
importa conhecer, para lá da sofisticação dos modelos (designadamente de
equilíbrio geral) que regra geral são concebidos para estimar impactos
macroeconómicos globais. E nessas ideias simples é possível sugerir que,
frequentemente, não é necessário sofisticar em excesso para se transmitir às
pessoas os riscos económicos pandémicos.
A primeira ideia
simples é a de que o impacto do Coronavírus atinge sobretudo o chamado G7 ao
qual se junta a China. Ora os EUA, a China, o Japão, a Alemanha, o Reino Unido,
a França e a Itália respondem por: (i) 60% da oferta e procura mundiais; (ii)
65% da produção mundial de produtos manufaturados; (iii) 41% das exportações mundiais
de manufaturados. Não é difícil imaginar o que a “gripe” destes países poderá representar
para os países mais pequenos e para a economia mundial.
A outra ideia simples,
com grande repercussão em modelos de especialização como o nosso em que a
exportação de manufaturados é vital, é a de que o impacto na indústria
transformadora se processa pela combinação e convergência de três tipos de
impactos: (i) efeitos diretos de destruição da oferta a partir do epicentro
asiático; (ii) o profundo e diversificado impacto nas cadeias de valor e na segmentação
pelo mundo da produção e comércio de produtos intermédios; (iii) a procura
global vai descer abruptamente e assistiremos a diferimentos importantes de
despesas de consumo pelas famílias e de investimento pelas empresas, sobredimensionando
os efeitos sobre a procura.
Documentar e afinar
estes mecanismos e efeitos e analisar os tempos para a sua manifestação basta
para recomendar a obra em causa e mostrar que a decisão política não tem apenas
de mitigar a tragédia de saúde pública. Terá também de responder convictamente
à recessão que está aí à porta cuja duração e efeitos é fundamental mitigar.
Sem comentários:
Enviar um comentário