segunda-feira, 2 de março de 2020

RECUPERAÇÃO E REFORMA



(Os termos são de John Maynard Keynes numa célebre carta aberta ao Presidente americano Roosevelt, publicada no New York Times em 31 de dezembro de 1933. Regresso frequentemente a este documento crucial pois dificilmente se encontra uma perspetiva tão clara das relações entre o curto e o longo prazo na política económica).

Sou dos que penso que o pós 2007-2008 não está resolvido e que a recuperação macroeconómica que lhe sucedeu não colocou de novo o capitalismo nos eixos, já para não falar da urgência de encontrar um modelo de crescimento económico capaz de integrar na sua equação a emergência climática. Por isso, regresso frequentemente à interrogação de como combinar recuperação e reforma, por outras palavras, curto e longo prazo, evolução conjuntural e estrutural.

A carta de Keynes a Roosevelt (link aqui) é um prodígio de clareza, valendo por hoje apenas um excerto:

“(…) O Senhor tem uma dupla tarefa, Recuperação e Reforma, a recuperação decorrente da recessão e a concretização daquelas reformas económicas e sociais que já estão atrasadas. Para a primeira, velocidade e rapidez são essenciais. A segunda pode também ser urgente; mas a pressa pode ser injuriosa e a sabedoria dos propósitos de longo prazo é mais necessária do que a realização imediata. Será através do aumento do prestígio da sua administração conseguido com o êxito na Recuperação de curto prazo que obterá a força para levar a cabo a Reforma de longo prazo. Por outro lado, mesmo uma sábia e necessária Reforma pode em alguns caos impedir e complicar a Recuperação. Porque pode perturbar a confiança do mundo dos negócios e enfraquecer os motivos que conduzam à ação, antes de haver tempo para colocar os outros motivos no seu lugar. E pode sobrecarregar a vossa máquina burocrática, que o individualismo tradicional americano e o “sistema dos velhos despojos” não deixaram ninguém demasiado forte. E isso confundirá o seu pensamento e esperança e a vossa administração criando-lhe demasiadas coisas para nelas pensar ao mesmo tempo.”

A carta de Keynes visava sobretudo os que preferiam parar e dar tempo ao tempo para que as forças de mercado se recompusessem, em detrimento da ação necessária.

Keynes brindava essa gente, seja no Reino Unido, seja nos EUA, com a classificação de gente “que acredita que o nariz é um órgão mais nobre do que o cérebro”(who believe that the nose is a nobler organ than the brain).

Intuição, intuição, economistas à parte.

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