(Os tempos são de novo de pressões elevadas e a senhora
Ursula von der Leyen pode ter um batismo de fogo mesmo antes de se consumar o
início da Presidência alemã a 1 de julho de 2020. Os desafios são vários e complexos, alguns inesperados como o da emergência
de saúde pública à escala global, outros estruturais e recorrentes como o do
“après la lettre” do Green Deal e o da velha cena dos arames farpados.)
Tenho de confessar
que a entrada em cena de Ursula von der Leyen excedeu as minhas expectativas,
embora deva também reconhecer que suceder a Juncker tende a rebaixar essas
expectativas. O modo como a Presidente da Comissão Europeia resolveu a questão
do representante português no Colégio de Comissários representou para mim o
sinal de alguma coisa e a sua postura pública agradou-me. Homem do sul e
habituado a apreciar líderes empáticos, pessoas em quem podemos depositar
confiança e respeitar aquele critério fundamental do “convidaria ou não esta
personalidade para vir a minha casa?”, a verdade é que, independentemente dos
acordos políticos que conduziria Ursula à Presidência da Comissão Europeia, me
parece que nas condições atuais dificilmente seria possível encontrar
alternativa mais credível. Outras hipóteses se colocariam acaso a
social-democracia europeia vivesse melhores dias e pudesse aspirar a um outro
protagonismo na União.
Tal como em qualquer
outra atividade, os primeiros meses são, regra geral, decisivos para calibrar
as nossas expectativas. E o que, desde já, pode ser dito, é que Ursula von der
Leyen teve um batismo de fogo. Senão vejamos.
A sua aposta no
“Green Deal” e no pioneirismo da neutralidade carbónica da União pode
representar uma imagem de marca da sua passagem pela Comissão Europeia, mas
confronta-se com o diferente significado que essa transição assumirá nas
condições de desenvolvimento desigual que continuam a atravessar a União. Não
por acaso, os desenvolvimentos do Green Deal cruzam-se inapelavelmente com os
destinos orçamentais das políticas de coesão. Não sabemos ainda que extensão
irá ter a peregrinação em torno do Orçamento da União e que equilíbrios irão
gerar uma solução. É uma incógnita o modo como Ursula von der Leyen se vai
relacionar com o Presidente do Conselho Europeu, um personagem que parece ter
emergido de uma banda desenhada de Blake and Mortimer. Nesta matéria, tenho
para mim, e reconheço que tal posição não é lá muito popular, que os países da
coesão melhorariam a sua força negocial se fizessem acompanhar tal posição de
uma profunda revisão do modo como têm aplicado os fundos da coesão. Até porque,
quer o queiram ou não, vão acabar por ser conduzidos a tal revisão. A União e a
Comissão também continuam a não trabalhar suficientemente o tema do
desenvolvimento desigual e a flexibilizar o quadro de políticas em função desse
reconhecimento.
Mas mesmo no âmbito
mais específico do Green Deal há nuvens no horizonte. Rezam os jornais mais
próximos das questões europeias, como o Financial Times (algo estranho em
articulação com o BREXIT), que será hoje publicada a Diretiva que consagra a
aposta da neutralidade carbónica europeia no horizonte 2050. As nuvens
respeitam ao modo como os diferentes posicionamentos europeus relativos à
descarbonização encaram as metas intermédias até a esse horizonte. Há quem
acuse o toque de não ser claro o modo como os Estados-membros e ONG’s poderão
intervir na definição dessas metas, a começar pela meta de 2030. Para esta
existe um referencial de corte de 40% face aos valores conhecidos de 1990, mas
há quem ambicione mais. Um grupo de países, que não integra a Alemanha, reclama
para junho próximo a expressão dessa ambição tendo em vista o reforço dos objetivos
da neutralidade na próxima Conferência de Glasgow em novembro e a preparação
atempada desse posicionamento.
A variável
correspondente ao início da Presidência alemã em 1 de julho adquire uma
importância redobrada. Esta Presidência ocorre num momento em que a situação da
produção industrial alemã começa a assumir contornos de grande preocupação
(veja-se o gráfico acima, com a assinatura da Voz de Galicia). Em meu entender,
isso significa que a transição para a neutralidade carbónica acontecerá num contexto
de abanão da superioridade industrial alemã o que não é bom para a suavidade dessa
transição e para o papel do motor alemão nesta matéria
Mas as nuvens não
ficam por aqui. O reacendimento da questão síria com a Rússia e Turquia à
mistura traz de novo ao espaço europeu a dura imagem dos arames farpados. Com a
multidão de refugiados como arma de arremesso e carne para canhão. A Turquia
ameaça e cumpre, abre a torneira dos fluxos e a Grécia recebe a tiro gente
desesperada. As praias turcas com as massas de refugiados expectantes são agora
a imagem da miséria do nosso tempo e da União também. E lá regressamos por esta
via à centralidade alemã. Dirão alguns, lavando as mãos como Pilatos, que
Merkel resolva o problema, pois foi dela a ideia do acordo com Erdogan,
transformando a Turquia em tampão e válvula de segurança dos fluxos de
refugiados. O acordo não foi uma grande espingarda. Mas convém meus caros não
ignorar que Merkel se atravessou em acolher uma massa de refugiados na
Alemanha, com a extrema-direita a morder-lhe os calcanhares, cuja desproporção
nos deveria merecer o máximo respeito. E não podemos deixar de franzir o
sobrolho quando nos lembramos que a sucessão de Merkel está aí no tempo
próximo.
Face a estes
problemas, embora a letalidade da COVID-19 inspire preocupação pandémica, e sem
querer menosprezar a gravidade que lhe anda associada, parece poder concluir-se
que esse não será o problema maior de Ursula von der Leyen
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