quarta-feira, 4 de março de 2020

A EUROPA DE NOVO SOBRE PRESSÃO



(Os tempos são de novo de pressões elevadas e a senhora Ursula von der Leyen pode ter um batismo de fogo mesmo antes de se consumar o início da Presidência alemã a 1 de julho de 2020. Os desafios são vários e complexos, alguns inesperados como o da emergência de saúde pública à escala global, outros estruturais e recorrentes como o do “après la lettre” do Green Deal e o da velha cena dos arames farpados.)

Tenho de confessar que a entrada em cena de Ursula von der Leyen excedeu as minhas expectativas, embora deva também reconhecer que suceder a Juncker tende a rebaixar essas expectativas. O modo como a Presidente da Comissão Europeia resolveu a questão do representante português no Colégio de Comissários representou para mim o sinal de alguma coisa e a sua postura pública agradou-me. Homem do sul e habituado a apreciar líderes empáticos, pessoas em quem podemos depositar confiança e respeitar aquele critério fundamental do “convidaria ou não esta personalidade para vir a minha casa?”, a verdade é que, independentemente dos acordos políticos que conduziria Ursula à Presidência da Comissão Europeia, me parece que nas condições atuais dificilmente seria possível encontrar alternativa mais credível. Outras hipóteses se colocariam acaso a social-democracia europeia vivesse melhores dias e pudesse aspirar a um outro protagonismo na União.

Tal como em qualquer outra atividade, os primeiros meses são, regra geral, decisivos para calibrar as nossas expectativas. E o que, desde já, pode ser dito, é que Ursula von der Leyen teve um batismo de fogo. Senão vejamos.

A sua aposta no “Green Deal” e no pioneirismo da neutralidade carbónica da União pode representar uma imagem de marca da sua passagem pela Comissão Europeia, mas confronta-se com o diferente significado que essa transição assumirá nas condições de desenvolvimento desigual que continuam a atravessar a União. Não por acaso, os desenvolvimentos do Green Deal cruzam-se inapelavelmente com os destinos orçamentais das políticas de coesão. Não sabemos ainda que extensão irá ter a peregrinação em torno do Orçamento da União e que equilíbrios irão gerar uma solução. É uma incógnita o modo como Ursula von der Leyen se vai relacionar com o Presidente do Conselho Europeu, um personagem que parece ter emergido de uma banda desenhada de Blake and Mortimer. Nesta matéria, tenho para mim, e reconheço que tal posição não é lá muito popular, que os países da coesão melhorariam a sua força negocial se fizessem acompanhar tal posição de uma profunda revisão do modo como têm aplicado os fundos da coesão. Até porque, quer o queiram ou não, vão acabar por ser conduzidos a tal revisão. A União e a Comissão também continuam a não trabalhar suficientemente o tema do desenvolvimento desigual e a flexibilizar o quadro de políticas em função desse reconhecimento.

Mas mesmo no âmbito mais específico do Green Deal há nuvens no horizonte. Rezam os jornais mais próximos das questões europeias, como o Financial Times (algo estranho em articulação com o BREXIT), que será hoje publicada a Diretiva que consagra a aposta da neutralidade carbónica europeia no horizonte 2050. As nuvens respeitam ao modo como os diferentes posicionamentos europeus relativos à descarbonização encaram as metas intermédias até a esse horizonte. Há quem acuse o toque de não ser claro o modo como os Estados-membros e ONG’s poderão intervir na definição dessas metas, a começar pela meta de 2030. Para esta existe um referencial de corte de 40% face aos valores conhecidos de 1990, mas há quem ambicione mais. Um grupo de países, que não integra a Alemanha, reclama para junho próximo a expressão dessa ambição tendo em vista o reforço dos objetivos da neutralidade na próxima Conferência de Glasgow em novembro e a preparação atempada desse posicionamento. 


A variável correspondente ao início da Presidência alemã em 1 de julho adquire uma importância redobrada. Esta Presidência ocorre num momento em que a situação da produção industrial alemã começa a assumir contornos de grande preocupação (veja-se o gráfico acima, com a assinatura da Voz de Galicia). Em meu entender, isso significa que a transição para a neutralidade carbónica acontecerá num contexto de abanão da superioridade industrial alemã o que não é bom para a suavidade dessa transição e para o papel do motor alemão nesta matéria

Mas as nuvens não ficam por aqui. O reacendimento da questão síria com a Rússia e Turquia à mistura traz de novo ao espaço europeu a dura imagem dos arames farpados. Com a multidão de refugiados como arma de arremesso e carne para canhão. A Turquia ameaça e cumpre, abre a torneira dos fluxos e a Grécia recebe a tiro gente desesperada. As praias turcas com as massas de refugiados expectantes são agora a imagem da miséria do nosso tempo e da União também. E lá regressamos por esta via à centralidade alemã. Dirão alguns, lavando as mãos como Pilatos, que Merkel resolva o problema, pois foi dela a ideia do acordo com Erdogan, transformando a Turquia em tampão e válvula de segurança dos fluxos de refugiados. O acordo não foi uma grande espingarda. Mas convém meus caros não ignorar que Merkel se atravessou em acolher uma massa de refugiados na Alemanha, com a extrema-direita a morder-lhe os calcanhares, cuja desproporção nos deveria merecer o máximo respeito. E não podemos deixar de franzir o sobrolho quando nos lembramos que a sucessão de Merkel está aí no tempo próximo.

Face a estes problemas, embora a letalidade da COVID-19 inspire preocupação pandémica, e sem querer menosprezar a gravidade que lhe anda associada, parece poder concluir-se que esse não será o problema maior de Ursula von der Leyen

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