domingo, 29 de março de 2020

PODERÃO OS SUECOS SER DIFERENTES?

(A atmosfera única de um restaurante em Estocolmo na passada quarta-feira em imagem do New York Times)


(Alertaram-nos para que as abordagens dos países ao combate do COVID-19 iriam ser diferenciadas em função da “estratégia” dos respetivos sistemas de saúde e de traços culturais mais profundos. Com o desfiar do tempo da pandemia, percebemos todavia que o confinamento de emergência é o dominante. A Suécia permanece um mistério.)

Ainda tenho presentes as palavras do Professor Henrique Barros, diretor do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, na noite em que o Conselho de Saúde reuniu e deu origem à decisão de encerramento das Escolas pelo Governo, embora a decisão desse Conselho tenha apontado para o seu encerramento. Nessas palavras, HB sublinhou que, para além da necessidade absoluta de garantir a autonomia da decisão política, por mais e melhor cientificamente fundamentada que seja, iríamos assistir à emergência de diferentes formas de abordagem à pandemia, em função das diferentes culturas de interpretação evolutiva das pandemias. Na altura, na comunicação social portuguesa alertava-se para a opinião reinante no Reino Unido de que a intervenção mais musculada que Portugal e outros países europeus era prematura no então estádio de evolução da pandemia. O Professor Henrique Barros referiu então que conhecia prestigiados epidemiologistas e especialistas de saúde pública britânicos que poderiam corroborar aqueles alertas e que não existia uma abordagem única e que só no fim do pesadelo se poderia avaliar qual tinha sido a melhor e mais eficaz abordagem.

Desde essa noite, os acontecimentos na Europa precipitaram-se e mesmo o Reino Unido rapidamente abandonou a abordagem mais distendida numa sequência de correções de decisões tomadas que colocaram aliás o primeiro-Ministro britânico Boris Johnson numa posição de grande debilidade (ele também infetado) perante a opinião pública. Embora com tempos de reação bastante diferentes (circunstância que será crucial para a memória futura da avaliação da eficácia das abordagens), a verdade é que as abordagens de emergência mais ou menos musculada se sucederam. Terá prevalecido o tal entendimento do aplanamento da curva de infeções, atrasando picos mas preservando os sistemas públicos de saúde da pressão devastadora que a Itália e a Espanha não conseguiram ainda suster.

No seio desta aparente convergência de abordagens, a Suécia tem sido um mistério para mim, sobretudo pelo contexto comparativo bastante impressivo da abordagem sueca face aos países escandinavos. A Dinamarca, a Noruega e a Finlândia optaram bem cedo por encerramentos e confinamentos bem musculados, incluindo o encerramento de fronteiras e do transporte aéreo. A Suécia, porém, optou por uma abordagem bem mais gradativa, mantendo algumas escolas abertas, não encerrando restaurantes ou cafés, embora com recomendação de comportamentos rigorosos do ponto de vista do distanciamento e convivência sociais. O sistema parece estar baseado num elevado grau de participação voluntária e de um enorme nível de confiança nas instituições e nas pessoas. E, claro está, em matéria de contacto e distância social, os suecos têm o modelo de comportamento adequado a uma pandemia desta natureza. A distância física em relação ao outro é um dado cultural inato e perfeitamente assumido, o que contrasta com o elevado nível de confiança nos outros e nas instituições.

Os números mais atualizados que tenho (de hoje de manhã via John Hopkins University) são os seguintes:

País
Nº de infetados
Mortes
População (2018)
Taxa de infeção (permilagem)
Taxa de letalidade (%)
Noruega
4054
23
5314340
0,76
0,6
Suécia
3447
105
10183170
0,34
3,0
Dinamarca
2564
72
5603000
0,46
2,8
Finlândia
1221
9
5636762
0,22
0,7
Os números da tabela anterior não 

Os números da tabela anterior  não permitem ainda inferir se os suecos irão ou não ser obrigados a uma inversão na sua abordagem. Sem qualquer pretensão, aliás injustificada dado o nosso modelo de convivência, de querer estender a abordagem sueca, mesmo assim gostaria que os suecos conseguissem manter atá ao fim a sua estratégia. É provável que não. Haveremos de confirmar com o tempo que em Itália e Espanha foram acontecimentos como por exemplo o Atalanta-Valência em Bergamo que precipitaram o descontrolo. A questão é se mesmo em países com um modelo de comportamento social rigoroso e de prática quotidiana da distância social como a Suécia será possível manter o modo de estar em graus de confinamento mínimo. Já agora um dos únicos modelos que conseguiu combinar a inovação e a proteção social exemplar poderia ser a exceção do ponto de vista do confinamento voluntário e respeitador do seu modelo social. Veremos.


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