quinta-feira, 26 de março de 2020

UM DIA PARA MAIS TARDE RECORDAR?


No dia em que se joga muito do que é essencial em termos do nosso futuro coletivo, nacional e europeu, escolho alguns gráficos sugestivos sobre a dimensão do que vai por aí.

Acima, a “The Economist” evidencia, através do seu inquérito a gestores executivos, quanto esta crise já é percebida como mais grave em termos de contração do output do que a de 2007/08. Abaixo, três outras e bem diversas evidências retumbantes: uma estimativa do tráfego aéreo de passageiros em níveis equivalentes a 10% do normal; o registo de uma queda da libra para o seu mais baixo histórico de sempre; a perceção que se adensa de uma fatura tremenda a ser paga pelas economias menos desenvolvidas (ditas emergentes), com o “Financial Times” a referenciar o horrifying financial run que já se observa.

Não resisto a deixar também, um pouco mais abaixo, uma inevitável menção a dois bobos da atual corte internacional (Trump e Bolsonaro), uma menção que seria meramente anedótica se não se corresse o risco de a sua irresponsabilidade vir a ser paga com língua de palmo pelos respetivos concidadãos. Um a declarar que tudo vai ficar bem para a Páscoa, o outro a declarar que doses excessivas de remédio se tornam veneno no enfrentamento de uma “gripezinha”, eles são mesmo dois perigosos comandantes de navios de grande porte que vão sujeitando a sua tripulação a riscos de incomensurável monta. Two of a kind, pois e mais uma vez...

Mas não quero terminar sem explicar porque considero que tanto está em jogo no dia de hoje. E a questão, verdadeiramente crucial, é que está em cima da mesa do Conselho Europeu a determinante possibilidade de uma emissão europeia de coronabonds visando garantir uma resposta coordenada à “crise simétrica” que se declarou. Sendo certo que tudo passará por se conseguir uma decisão no sentido de o fazer no quadro intergovernamental do ESM (Mecanismo Europeu de Estabilidade), o que aliás já foi timidamente apoiado pela presidente da Comissão (que aqui não risca, apenas pode pressionar) e reivindicado durante a tarde de ontem por nove dos dezanove chefes de governo da Zona Euro (França, Itália, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Irlanda, Grécia e Eslovénia, alem de Portugal) é legítimo duvidar da abertura de alguns países (Alemanha e Holanda à cabeça) para que tal hipótese venha a obter visto bom. O que seria trágico a muitos títulos e, seguramente, um rombo enorme no processo de construção europeia – o momento é demasiado sério para que fiquemos nervosamente expectantes de algum fumo branco e, a correr mal (figas!), recorramos à insignificância que nos restará naquela tão pertinente expressão popular que proclama que o que é demais é moléstia...





(Hubert Aranha, http://folha.uol.com.br)

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