quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

A BANALIZAÇÃO DO MAL

 


(Todos os de boa vontade e espírito livre já perceberam a incomodidade que a presença de 12 deputados do Chega no Parlamento representa e o que isso significa de estrilho gratuito tão do agrado de grande parte da nossa comunicação social. Ao contrário do que muita gente para aí apregoa, sou dos que responsabilizam os eleitores pelas suas decisões e aqui tanto incluo a maioria absoluta do PS, como a colocação de 12 deputados do Chega no Parlamento. Continuo fiel à minha ideia de que os eleitores escolhem forças políticas e deputados para responder às suas ideias e convicções e por isso devem ser responsabilizados. Mas admitir como os taticistas de última hora que a eleição de Diogo Pacheco Amorim do Chega para Vice-Presidente da Assembleia deve ser entendida como um ato parlamentar normal e regimentalmente neutro representa a mais inaceitável banalização do mal. Alguém de bom nome aceita como seu representante alguém que o pretende destruir e a arruinar?)

Ainda as tropelias antissistema da trupe do Chega não começaram no Parlamento e já os nossos fofinhos da política, taticistas de sete costados, se esforçam por recomendar que é melhor integrar do que rejeitar estas forças antissistema. Já não há pachorra para os ouvir e a procissão ainda não saiu do adro, com um exercício constante de vitimização para explorar as brechas da democracia que aliás querem derrubar a partir da destruição dos seus valores mais fundamentais.

Claro que ninguém pode ignorar o pensamento dos que lograram conquistar 12 deputados para o Chega, sem ignorar o vasto eleitorado que votou nessa formação política em vão porque não conseguiu eleger nenhum deputado. Não tenho dúvidas de que uma grande parte desse eleitorado equivale a um ressabiamento político que se escondeu na abstenção e nos partidos da direita democrática durante muito tempo. Foi gente que não digeriu o 25 de abril e alguns dos seus excessos revolucionários, que foi contendo esse ressabiamento e a sua anquilosada visão do mundo, e que viu finalmente criada a oportunidade de se manifestar e a aproveitou. Basta olharmos para aqui ao lado e ver o que se passou na vizinha Espanha e perceber que o VOX seguiu essa trajetória, apelando às manifestações mais profundas do tradicionalismo, do espanholismo e do reacionarismo em geral, deixando as entranhas do PP entrincheirado. Não sabemos (porque não há estudos para isso) qual a dimensão do voto de protesto, volátil como todo o voto de protesto que se junta ou se confunde com o do ressabiamento, porque todas as deceções pessoais e familiares contam para estarem de candeias às avessas com o sistema democrático. Mas intuo que esse voto de protesto, o que nos deve merecer a melhor atenção, não deve fazer ignorar o peso do mero ressabiamento anti-democrático. Este último, caros e ilustres do excelso fofismo taticista, não tem remédio, porque é tolo e perigoso integrar os que não querem ser integrados e querem simplesmente viver o revivalismo de destruir a democracia.

Regimental e legalmente, o Chega tem o direito de propor nomes para cargos na Assembleia da República como terceira força política, os quais não são nomeados e antes têm de merecer a confiança e aprovação de uma dada maioria de deputados. É assim que a democracia trata os que a querem minar e destruir por dentro a partir da sua representação eleitoral. Mas os deputados que foram eleitos com o compromisso de defesa de determinados valores têm o dever sagrado para com os seus eleitores de respeitarem esse compromisso e impedirem que a representação institucional do Parlamento seja entregue a racistas, xenófobos, supremacistas e anti-democratas. A democracia deixa-os manifestarem a sua opinião e isso já é um avanço civilizacional. O que não pode permitir é que seja institucionalmente representada por quem a quer destruir e defende valores incompatíveis com a sua afirmação.

A história ensina-nos que a banalização do mal quando consentida acaba sempre mal, degenerando valores e comportamentos e abrindo porta a todos os horrores. O princípio é simples. Embora tenham existido eleitores que escolheram gente racista, xenófoba, supremacista e ressabiada para integrar a Casa Comum da Democracia, esta assim o consentiu, isso não significa que convidemos para as nossas casas e nos deixemos representar por gente apostada em destruir e violentar os valores e princípios pelos quais escolhemos os nossos representantes políticos. Será que isto é difícil de perceber? Será que a maioria democrática tem de aceitar e consentir ser institucionalmente representada por gente desta espécie, tipo Diogo Pacheco de Amorim, que usa a democracia para a destruir?

Não me lixem.

Sem comentários:

Enviar um comentário