(Enquanto as cidades ucranianas alvo da agressão russa resistem como podem e o número de população deslocada no país e fora dele se aproxima de muitos milhões, a comunidade internacional parece finalmente organizar-se numa plataforma transatlântica, com Estados Unidos e Canadá a cooperarem com a União Europeia e o Reino Unido, para refinar sanções e operar o que parece ser a medida mais radical ao alcance do ocidente, isolar a Rússia da economia global e morder calcanhares e pernas aos oligarcas mais próximos de Putin e da sua clique. Por estranho que pareça e pela trágica ironia de suportar o desplante de uma guerra para intervir numa realidade que as partes mais ocultas dos sistemas financeiros têm vindo a escamotear, falar-se-á abundantemente nos próximos dias de congelamentos de ativos e de tentativa de controlo de offshores. Claro que isso não deve fazer esquecer a ajuda humanitária e militar aos resistentes, criando condições possíveis para uma negociação diplomática um pouco mais equilibrada do que uma simples rendição…).
Sob os auspícios da Comissão Europeia, foi ontem publicado (26.02.2022) (link aqui) um comunicado conjunto envolvendo a Comissão Europeia, França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, assumindo o compromisso de endurecimento de medidas contra a Rússia, que passam pelas seguintes ações:
- Afastamento de um determinado conjunto de bancos russos do sistema SWIFT, desconectando-os do sistema financeiro mundial;
- Imposição de medidas restritivas impedindo o Banco Central Russo de movimentar as suas reservas internacionais de maneira a mitigar o impacto das sanções;
- Atuação sobre as condições e privilégios de concessão de cidadania a personalidades mais próximas das atividades de agressão do Governo Russo;
- Lançamento de uma plataforma transatlântica destinada a identificar e congelar os ativos de determinados indivíduos e empresas russos.
Tudo parece inclinar-se para um grande consenso sobre a absoluta necessidade de isolar a economia russa e particularmente o grupo de principais oligarcas que se movimenta em torno de Putin. No fundo, embora que tenhamos de reconhecer que as oligarquias russas representam apenas uma situação muito mais agravada do que tem acontecido nas economias mais avançadas do mundo, a verdade é que a desproporção e desigualdade da riqueza na Rússia torna-a vulnerável a medidas de congelamento de ativo financeiros e outros bens.
O gráfico que abre este post, devido a um economista brilhante, Gabriel Zucman, a quem devemos a mais completa investigação sobre a riqueza desproporcionada das elites e das práticas para a camuflar e branquear, mostra como a Rússia se destaca em relação a outras economias de Leste. Mas, também na sequência de trabalhos de Zucman e da sua equipa, sabemos também que essa riqueza astronómica é essencialmente detida em offshores. Estima-se que os 0,01% russos mais ricos apropriem metade da riqueza russo e que o façam essencialmente em offshores e paraísos fiscais, com Chipre à cabeça (cerca de 20% da riqueza russa estará em offshores). Por isso, talvez haja condições para finalmente se olhar de maneira mais rigorosa para esta triste realidade do capitalismo financeiro dos nossos dias.
Do ponto de vista dos ativos financeiros, sabe-se também que, com a saída do Reino Unido da União Europeia, talvez seja em Londres que podemos perceber uma das grandes aplicações de riqueza da oligarquia russa, a ponto de muita gente falar do “Londonigredado”, tamanha é a concentração de despojos da riqueza russa por aquelas paragens. Ontem, foi também conhecido que os nacionais russos não poderão deter contas nos bancos britânicos acima das 50.000 libras, embora me pareça que nas condições de taxas de juto atuais não serão os depósitos bancários a materialização da fração mais importante da riqueza dos oligarcas. O imobiliário de luxo e outras formas de financiamento de atividades não transacionáveis no Reino Unido, incluindo o próprio futebol, estarão entre as principais aplicações.
Existe por conseguinte a expectativa de que finalmente algo seja feito em relação à chamada riqueza oculta e de que a desconexão forçada dos oligarcas russos do sistema financeiro internacional possa exercer algum elemento de pressão sobre o processo de decisão de Putin. Como o próprio Zucman o relembra com pertinência, essa vontade política implicará obviamente um outro olhar sobre desigualdade, corrupção e ocultação de riqueza (link aqui) que se observa também a ocidente.
Uma palavra final para registar que o ex-primeiro ministro francês François Fillon terá anunciado que se iria retirar da direção de duas empresas russas. Já quanto a Gerard Schroeder ainda não publicou nada de semelhante quanto ao seu posto no gigante do gás russo. O pragmatismo ocidental assumiu muitas vestes e algumas não é fácil despi-las.
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