(O Público de hoje dá-nos conta da criação de um consórcio alargado de universidades a sul, envolvendo a Universidade Nova, a Universidade de Évora e a Universidade do Algarve, com foco na valorização do território e na sustentabilidade do vasto espaço a sul do Tejo. À boleia do Plano de Recuperação e Resiliência, PRR, mas não só, a manifesta agilidade da Nova dá a mão a duas universidades com focos relevantes de produção de conhecimento, mas manifestamente carenciadas de massas críticas de recursos que os seus territórios de influência natural dificilmente permitirão aumentar significativamente. A cooperação efetiva e institucionalmente organizada entre universidades a nível nacional já teve a norte melhores dias e na região Centro a preparação para a programação 2020 ensaiou alguns progressos cuja confirmação de resultados ficou aquém do esperado. Manifestamente, estamos perante um sistema público universitário que necessita de uma nova lógica de organização, manifestamente excessivo para os recursos mobilizáveis. Esta iniciativa a sul pode querer dizer alguma coisa nesta matéria, até porque cruza a valorização do conhecimento com a rotação de alunos numa espécie de Erasmus cá dentro. A monitorizar com atenção no futuro próximo.)
O trabalho do jornalista Francisco Alves Rito e fotógrafo Daniel Rocha (link aqui) permite inferir que não terão sido exclusivamente as verbas do PRR a suscitar esta aproximação entre as três Universidades e que a ideia do consórcio é anterior à clarificação dos rumos que o PRR iria tomar. Sabemos hoje que o Governo ainda em funções preparou a programação 2030 em função de dois grandes instrumentos, o PRR e a programação plurianual (2021-2027) de Fundos Estruturais, de forma combinada. Por isso, temas como a transformação digital e a transição climática e energética e respetivas agendas de inovação irão ter no PRR um forte impulso. Como sempre acontece, depois de um grande alarido em torno do PRR, muito do qual resultou de estratégias de posicionamento e de disputa de posições, o país está já hoje como um todo a adaptar-se às oportunidades daquele instrumento e, se estiverem atentos, irão aperceber-se que a acrimónia inicial baixará para níveis praticamente inexistentes.
Pelo menos no que respeita ao Alentejo, manifestei em muitos trabalhos realizados para a Região e em trabalhos de âmbito nacional que integravam essa referência territorial a minha perplexidade para o baixo nível de cooperação existente entre as instituições universitárias (Évora) e politécnicas (Portalegre e Beja, essencialmente) e o sistema universitário e de investigação concentrado na capital. É uma questão de proximidade e sobretudo de valorização de um potencial – a elite lisboeta gosta do Alentejo, põe-se lá num pulo e daí que me parecesse uma inevitabilidade essa cooperação. Percebi que do ponto de vista político regional, essa atitude não era espontânea, já que ela implicará sempre alguma partilha de verbas e recursos comunitários. Como sabemos este tipo de envolvimento por parte das instituições concentradas na capital abre perspetivas de mobilização de recursos comunitários a que a aglomeração da capital já não tem acesso por força da sua não elegibilidade.
Esta iniciativa a sul, que desconhecia antes de tomar contacto com esta reportagem do Público, parece-me bem desenhada, à qual não será indiferente a agilidade da Universidade Nova. A integração da Universidade do Algarve parece-me acertada e com visão de futuro, sobretudo porque a sua participação permite ao consórcio trazer recursos científicos importantes como por exemplo na área do Mar e na do empreendedorismo tecnológico, para além de contribuir para uma aproximação entre as duas regiões, Alentejo e Algarve, que nos últimos tempos competiram mais do que cooperaram.
O potencial de internacionalização das três universidades é na perspetiva do seu conjunto bem mais relevante do que isoladamente, até porque as três universidades têm nichos de internacionalização que podem adquirir outro relevo quando conjuntamente combinados. Pela notícia, percebe-se que os temas da sustentabilidade irão diferenciar o consórcio: “Entre as áreas “prioritárias” para o estudo e o ensino no Campus Sul estão as cidades, a agricultura, a economia do mar e o património, sempre numa lógica de busca de sustentabilidade. Posteriormente, o consórcio dedicar-se-á também aos sectores da mobilidade e energia, gestão da água e turismo”.
Gostaria de acrescentar a perspetiva dos alunos sobretudo da Universidade de Évora e da Universidade do Algarve que adquirem por esta via (a do Erasmus cá dentro) uma capacidade de rotação que lhes será manifestamente benéfica e que romperá, ou pelo menos potenciará essa mudança, a velha tradição dos curricula muito especializados e construídos entre os muros de uma única instituição.
Moral da história, a sul há movimento e tudo parece que os tais receios de natureza política que anteriormente referi se terão dissipado. Por esta via, também, as universidades de Évora e Algarve tenderão também a poder fixar mais intensamente jovens locais (alunos e investigadores), pois poderão trabalhar num ambiente de maior cooperação com outros territórios e favorecer assim a sua própria formação.
Fica a pergunta: e a Norte e no Centro?
Pelo que me tenho apercebido, a cooperação no sistema universitário e politécnico do Norte já viveu melhores dias. Há cerca de um ano, em plena pandemia, fui contactado informalmente e probono pelos então Reitores das Universidades do Porto, do Minho e da UTAD para elaborar um texto através do qual o conjunto das três Universidades do Norte se apresentaria politicamente junto do Primeiro-Ministro para dizer “estamos cá e e podemos fazer coisas relevantes”. Creio que a iniciativa borregou, entretanto o PRR emergiu com toda a força e, talvez com uma interpretação bondosa, a pandemia tenha, salvo seja, matado a iniciativa. É mais um texto que fica para as minhas memórias, juntamente com outras preciosidades, como o foram (creio que em divulgação de primeira mão) um texto para o discurso de Manuel Fraga Iribarne (Xunta de Galicia) na Bolsa do Porto e um discurso para o então Presidente da Câmara Narciso Miranda, do qual disseram-me depois (o Dr. José Manuel Fonseca) Mário Soares gostou bastante.
Ou seja, o Sul movimenta-se e parece ter percebido a inevitabilidade da cooperação (e não por acaso é a Nova a patrociná-lo a partir da capital), enquanto que a Norte tudo indica que os umbigos continuam a ser poderosos. E bem andou a Gulbenkian a proclamar a relevância do Noroeste, com o amigo Félix Ribeiro a esmerar-se na sua geopolítica da investigação, que também não pegou.
Para memória futura.
Sem comentários:
Enviar um comentário