quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

OS PAPAS, CARDEAIS E OUTROS QUE TAIS DO BLOCO ESTÃO DESAVINDOS

 

(O rescaldo das eleições do passado domingo está naturalmente a gerar alguma agitação de ideias, com nuances para todos os gostos. Salvador Malheiro do PSD, que tão confiante e exultante estava com a vitória interna de Rio, deu o mote com a derrota para outros voos e ontem já clamava que era altura de Montenegro avançar. Do PCP, ao seu ritmo inconfundível, percebe-se que se cerram fileiras em torno de Jerónimo, fala-se de mobilização de massas, deduzindo-se que o PCP não desdenhará perdoar ao voto útil que confirmou o seu declínio, “regressem que seremos compreensivos”. Mas onde o ambiente está mais quente é seguramente no Bloco de Esquerda. Papas, cardeais, aspirantes a tal e simples bispos esgrimem argumentos e receio que velhas heranças ideológicas (trotskismo, leninismo, maoismo, movimentos de libertação, múltiplas variantes com que todos contactámos no PREC) regressem ao debate, reavivando querelas de outros tempos, pois temos aqui egos de grande dimensão.

Na noite das eleições, percebia-se que no painel de comentadores da SIC-SIC Notícias Francisco Louçã estava um pouco atordoado, sobretudo com a revelação de que a sua intervenção na campanha em Braga se tinha traduzido numa mão cheia de nada, alinhando com uma narrativa que saiu claramente derrotada e que não evitou o voto útil. Louça será uma espécie de Cardeal do Bloco, concordam?

Praticamente no dia seguinte, um expoente do que poderia caracterizar por ser um Bloco inorgânico, o Professor Boaventura Sousa Santos, que tenderia a classificar como Papa da esquerda mais radical e internacionalista, apareceu no Público (link aqui) a bater forte e feio na liderança do Bloco, zurzindo em Catarina Martins e ofensa das ofensas invocando o “obviamente demita-se”. E pior do que tudo trazendo a público a sua discordância total e absoluta com a narrativa da justificação para o chumbo do Orçamento de 2022, na qual a campanha do Bloco gastou praticamente uma semana de campanha eleitoral.

Particularmente ofendido com o “obviamente demita-se”, outro Cardeal, o Professor e historiador Fernando Rosas, bate forte (link aqui) em Boaventura Sousa Santos, numa das raríssimas críticas contundentes à esquerda de que me recordo aquela personagem coimbrã e internacionalista, por mais estranha que essa combinação possa soar. E não é meigo, pois o título da crónica de hoje “Desventuras da errância política”, além de ser um prodígio de ironia, desventuras para um errante Boaventura, a resposta vai fundo na desmontagem da tal errância e deixa o Papa BSS em maus lençóis de coerência, identificando evidências de perturbadoras mudanças de opinião. Isto está a aquecer.

Já o antigo e brilhante meu aluno (de uma disciplina de Planeamento que dei ao curso de Sociologia da Faculdade de Letras do Porto), hoje Professor João Teixeira Lopes, que talvez classifique como Bispo, dá uma entrevista a um dos canais, mostrando-se confiante que Catarina Martins encontrará condições para recuperar o apoio eleitoral agora dramaticamente perdido numa jogada talvez num lance mal avaliado à partida.

E, finalmente, a leiga Mariana (Mortágua de seu nome) assina a 28 de janeiro, por conseguinte antes do estrondo, um bem zurzido artigo de crítica ao programa da Iniciativa Liberal (link aqui), que me veio à mão por intermédio do Amigo Professor Leonardo Costa.

Parece-me evidente que tudo isto evidencia as dificuldades do Bloco em encontrar um posicionamento no espectro político português, sobretudo a partir do momento em que as suas causas fraturantes foram perdendo poder de sedução junto de uma certa comunicação social que parece ter esgotado o seu afeto e curiosidade para com esta formação política. E para mal de uma possível sucessão galvanizadora, o sacrifício eleitoral que foi imposto a Marisa Matias, essa força da natureza que aparece claramente mais domesticada e com face retocada (botox?) dificulta claramente essa possibilidade, já que ainda não está totalmente demonstrada que a mais analítica Mariana esteja fadada para lideranças.

O regresso de velhas querelas da história, projetadas para as desventuras do Bloco, não ajudaria à recuperação.

Mas, mais do que isso, o meu pensamento vai para esta ideia simples: o envolvimento destes Papas, Cardeais, Bispos e outros que tais na esgrima da política e no universo das pequenas desavenças corre o risco de gerar um desperdício no que eles são efetivamente bons e mesmo excelentes, por mais controversa que seja a obra de alguns, ou seja na sua investigação, no âmbito da qual ainda poderíamos esperar grandes contributos. Louça na inovação e no tempo longo da economia, Boaventura na dimensão da investigação para um internacionalismo mais fundamentado, Rosas na historiografia nacional e de desmontagem das raízes do autoritarismo, Teixeira Lopes na sociologia dos movimentos urbanos e Mariana no aprofundamento da financeirização à nossa moda são exemplos dessa vasta matéria da qual é pena afastarem-se.

Mas pode ser tudo o produto de uma reação a quente face a acontecimentos de grande envergadura e mudança.

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