quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

ABANDONO ESCOLAR EM QUEDA

 


(Creio que cheguei aqui neste espaço a manifestar a minha total perplexidade pelo facto do Partido Socialista não ter aparentemente utilizado na sua campanha e abordagem às eleições antecipadas de 30 de janeiro de 2022 os resultados obtidos em matéria de redução do insucesso e abandono escolar. A importância dos resultados correntes em matéria de abandono é reconhecida em editorial por Manuel Carvalho no Público e isso só mostra como essa reflexão está em linha com a atenção que o jornal tem dedicado às questões da educação. O valor divulgado pelo INE, em linha com a metodologia seguida pelo Eurostat, dá uma taxa de abandono abaixo dos 6%, 5,3% no Continente e 5,9% no país, em 2021, bem abaixo da taxa dos 10% que a programação dos Fundos Estruturais tinha fixado como meta para o período 2014-2020 (10%). Trago este valor à reflexão, sobretudo pelo que também ele representa como evidência da eficaz utilização de Fundos Europeus, dada a fortíssima relevância que os fundos europeus assumem neste excelente indicador, o qual representa a nível da União uma evolução de grande significado comparativo na última década.

A autoestima dos Portugueses oscila em termos que o colocam como caso de estudo ao nível da psicologia coletiva. Muitos de nós só começam a ensaiar uma visão crítica dos indicadores quando eles começam a apresentar valores surpreendentemente positivos. Quando a taxa de abandono escolar andava pelos dois dígitos e altos, ninguém se interessaria pela pureza dos indicadores. Quando ele desce abaixo de 6% e atingimos valores claramente europeus, começam a surgir dúvidas, esquecendo que se as há elas teriam origem nas autoridades estatísticas europeias.

O valor atingido em 2021 é de facto um valor notável, sobretudo se o compreendermos na sua evolução temporal e não esquecendo que nas Regiões Autónomas a situação ainda carece de atenção.

Para meu gosto pessoal e em bom rigor, acho que o abandono escolar precoce tem sempre de ser discutido em conjugação com a do insucesso e retenção escolar, já que se a conservação dos jovens na escola é uma condição necessária e não suficiente. É necessário que essa continuidade se traduza por menores níveis de retenção e um mais baixo insucesso, sem esquecer a batalha da qualidade.

Admito que progredimos mais rapidamente na recuperação de níveis aceitáveis de abandono e temos ainda muito que trabalhar em matéria de insucesso e de qualidade de ensino, para acompanhar o ritmo de evolução dos que estão na frente e responder aos desafios das transformações dos tempos de hoje, com o digital à cabeça.

Mas também em bom rigor, este resultado notável da progressão da taxa de abandono deve também constituir uma oportunidade única para uma narrativa mais rigorosa sobre a eficácia da aplicação dos Fundos Estruturais e não esqueçamos que o Capital Humano aloca em termos de fundos europeus uma massa muito relevante de recursos. Por exemplo, no próximo período de programação 2021-2027, a junção do capital humano e das questões sociais irá gerar o programa operacional de maior dimensão financeira: o domínio “Demografia, Qualificações e Inclusão” alocará cerca de 5,5 mil milhões de euros de apoio comunitário.

O combate ao insucesso e abandono escolar envolveu uma vastíssima bateria de instrumentos de intervenção distribuídos pelo PO Temático Capital Humano e pelos PO Regionais Norte, Centro e Alentejo, ocupando também uma forte alocação de recursos na Madeira e nos Açores. Por conseguinte, os resultados agora divulgados pelo INE consagram o efeito de uma multiplicidade de instrumentos de intervenção, em que a importância do ensino profissional e de dupla certificação escolar e profissional deve ser realçada. Todos nos recordamos da velha narrativa de que Portugal tinha perdido a batalha do ensino técnico, quando em tempos de universalização da educação e do aumento da escolaridade obrigatória essa experiência do antigo regime fora desconstruída. Ora, não só o país está em vias de desmontar a carga de segregação e de desigualdade que caracterizava a escolha à partida ensino de ciências e humanidades e ensino técnico, como paulatinamente está a criar, com a ajuda insubstituível dos Fundos Europeus, uma trajetória de ensino profissional, ao qual devemos agora adicionar uma perspetiva de qualidade crescente. A ladainha do esquecimento e abandono do ensino técnico começa finalmente a desaparecer das inúmeras reuniões e processos de auscultação em que profissionalmente me envolvo. Temos agora pela frente a batalha da sua sustentação financeira, um ensino profissional cada vez menos dependente dos Fundos Europeus, e a batalha da sua qualificação e modernização pedagógica. De uma vez por todas, a valorização da formação de professores tem de focar-se também nos professores e formadores do ensino profissional, quebrar a inércia do continuar a fazer o mesmo e perceber que a vertente do ensino profissional exige formação específica.

Não tenho dúvidas de que a valorização do ensino profissional está na origem da notável melhoria dos indicadores de abandono escolar. Passo a passo, é agora tempo de melhorar irreversivelmente a qualidade da sua formação, melhorar as condições de sucesso escolar nessa modalidade e qualificar os agentes de ensino.

Se vencemos a primeira batalha porque que carga de águia não devemos ter a ambição de ganhar a segunda?

E não quero ser chato, mas a maioria absoluta também passou por aqui. Mas estas realidades são demasiado profundas para atrair a atenção dos preguiçosos fazedores (queria dizer manipuladores) de opinião.

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