(Ordesa, Alegria e Los besos são obras que me permitiram descobrir um dos mais surpreendentes escritores espanhóis do presente, querendo isto significar que o conheci primeiro a ele do que a ela. De facto, não se pode ficar indiferente à montanha de sensibilidade que brota de Ordesa, não conheço na literatura uma relação mais pungente entre alguém e os seus pais do que a encontrei nesta obra. Tocou-me profundamente. Alegria é a continuação num outro padrão desse mesmo registo, agora referenciado aos filhos. Los besos, que ainda não terminei, é já escrito para um tempo pandémico e creio que irá confirmar a ideia que tenho sobre o estatuto de Vilas na literatura espanhola. Perante a montanha de sensibilidade que brota da pena de Vilas, mais propriamente do teclado, porque ele declara ter já perdido o exercício manual da escrita, interroguei-me várias vezes sobre o contexto afetivo e sentimental do escritor, porque quem escreve assim não pode seguramente viver num contexto afetivo neutro. A edição do El Español de hoje, mais propriamente da revista PORFOLIO, link aqui, dá-me a resposta. É de uma entrevista de São Valentim que se trata, com aquela ambiência rara de algumas das cafeterias de Madrid, neste caso da calle Princesa. Manuel Vilas e Ana Merino é o par entrevistado e confirma-se a minha intuição: não é um contexto afetivo neutro em que Vilas e Ana escrevem.)
Numa das obras atrás referidas de Vilas, neste caso o Alegria, há umas referências do narrador a uma relação com uma escritora e intelectual espanhola com trabalho na Universidade de Iowa. Aliás, esse contexto permite a Vilas algumas reflexões sobre a realidade americana e isso é sempre uma mais-valia quando alguém com a sensibilidade do escritor espanhol se foca numa sociedade em profunda mutação como o é a americana, particularmente em algumas das suas geografias.
Ora, pela cuidada entrevista do El Español fico a saber que a companheira de Manuel Vilas, Ana Merino, é a tal personagem da universidade de Iowa nos States, anunciando assim mais um par a um conjunto relativamente restrito de relações similares, em que talvez Paul Auster e Siri Hustvedt, Almudena Grandes e Luís García Montero (brutalmente interrompida com a morte recente de Almudena) e Elvira Lindo e Antonio Muñoz Molina são os exemplos que melhor conheço. A entrevista é ela também um documento raro de sensibilidade e, como principal consequência, tenho obviamente de inscrever na agenda as obras da catedrática Merino, El mapa de los Afectos prémio Nadal em 2020 e a que está prestes a ser publicada Amigo (editorial Destino).
A entrevista traz também reflexões interessantes sobre o modo como o amor e a a criatividade literária podem ou não combinar-se, que ambos teimam em separar, como se o ato criativo, como se a imaginação literária viajasse por caminhos próprios. É curioso que Ana Merino conhece primeiro a pessoa e depois a obra de Vilas, sendo nela mais evidente a necessidade de separar os dois campos. E pressentimos na entrevista a maturidade dos egos de cada um, que aliás se reflete na prosa de Vilas, a única que conheço dos dois personagens.
Creio que irei reler esta entrevista quando ler os dois livros de Ana Marino. Quanto à obra mais recente de Manuel Vilas creio que a vou compreender melhor.
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