terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

A CONFUSÃO PAR(A)LAMENTAR EM ESPANHA

 


(Imagino as reações das principais forças políticas em Espanha à maioria absoluta em Portugal saída das eleições de 30 de janeiro. Sánchez roído de inveja pela competência eleitoral do PS, Casado preocupado com as confusões à direita, regozijo do VOX com o crescimento do Chega, arrepios do Podemos com o trambolhão do Bloco e perplexidade das forças regionalistas e nacionalistas com este país que contém os impulsos localistas e vai adiando a sua consciência regional. Não é para menos atendendo ao que se tem passado pelo Parlamento espanhol, de sobressalto em sobressalto e perante mais uma eleição regional, a de Castilla y León, provocada, mas que pode não oferecer os resultados esperados, para o PP esclareça-se.)

Os leitores pacientes deste blogue já perceberam a minha obsessão pelo que se vai passando na situação política espanhola. Leio tudo e mais alguma coisa para tentar compreender o que por lá se passa. Primeiro, porque gosto de perceber o que se passa na minha proximidade. Segundo, porque me parece que a Espanha é um espaço laboratorial de excelência para compreender a fragmentação política e sobretudo para intuir o que é governar um país de nações, com os nacionalismos regionalistas e independentistas inscritos e ativos no Parlamento, influenciando acordos e maiorias, por mais ténues e efémeras que estas se apresentem. A governação territorial multinível está longe de estar estudada em toda a sua profundidade e há uma razão para isso – não abundam as experiências com autonomias regionais tão avançadas como em Espanha.

É neste contexto que a governação de Sánchez tem sido um prodígio de improvisação, conduzindo a navegação política à vista a domínios e nuances nunca antes experimentados. Os analistas políticos em Espanha já esgotaram o vocabulário possível para descrever tal modelo de governação e funcionamento parlamentar. Por isso, depois de tanta imaginação, ainda é a expressão “modelo Frankenstein” que tem prevalecido, não deixando de concluir que a “nossa” geringonça foi uma expressão bem mais interessante. A verdade é que, apesar da roleta russa em que o Parlamento espanhol se converteu, a situação macroeconómica e do mercado de trabalho em Espanha não é propriamente uma desgraça, antes pelo contrário, e daí acho eu que tal explica a inexistência de grandes viragens no eleitorado. Em bom rigor, as dificuldades do PP em resolver e clarificar a sua situação interna e assentar num estilo de oposição que não mude em função das excentricidades de Isabel Ayuso em Madrid têm contribuído seriamente para as dificuldades de formação de uma alternativa inequívoca. E, não o esqueçamos, há o VOX, complicando a posição do PP em matéria de governação, como o indicam as sondagens para Castilla y León, que anunciam a necessidade de presença do VOX para poder governar.

Na semana passada, o granel parlamentar foi ao rubro com a votação da revisão da legislação laboral na qual a determinada Ministra Yolanda Diáz apostou a sua afirmação no Governo de Sánchez. A Ministra, depois de uma longa negociação com a sociedade civil e parceiros sociais terá imaginado que a coisa estava resolvida, mas a aprovação no Parlamento revelou-se bem mais complicada do que a negociação prévia.

O granel não foi bonito de se ver, para já com uma completa divisão entre as forças nacionalistas regionalistas, com as mais importantes a reprovar a revisão (PNV, Esquerra Republicana, Bloco Nacionalista Galego) e com a direita também dividida (o agonizante Ciudadanos de Inés Arrimadas a votar favoravelmente e o PP e VOX a votar contra. Eis senão quando um dia antes se percebeu que entre a União do Povo Navarro (que negociara o sim à revisão) haveria fissuras e dois deputados iriam contrariar o acordo do seu partido. E no seio deste turbilhão bizarro eis que um deputado do PP se engana no seu voto telemático e vota sim. O que determinou uma aprovação por 176 votos contra 175.

Claro que tudo isto pode ser interpretado como uma consequência da roleta russa em que o Parlamento espanhol se transformou, com a infernal geometria variável das negociações para se aprovar alguma coisa, mas há gente mais preocupada com o ataque por dentro ao próprio Parlamento descredibilizando a sua ação, que tanto pode interessar a um VOX como às forças nacionalistas que o vêm como símbolo do poder de Madrid, embora nele participando.

Penso que a Professora de Ciência Política na Universidade Autónoma de Madrid Máriam Martínez-Bascuñán identificou com perspicácia (link aqui) o que de mais importante se observa neste caso - a revisão da lei laboral resultou de um amplo e longo processo de negociação e concertação política (o diálogo como trave mestra do processo democrático). A cientista política vai buscar inspiração a uma frase lapidar de um dos economistas que mais aprecio, o catedrático Antón Costas: “O mais relevante da reforça é o caminho para a alcançar”. Ora, o que me parece preocupante é a completa oposição entre a serenidade perseverante do diálogo social e o granel da aprovação parlamentar. A alegria efusiva com que Sánchez e as suas duas vices se abraçaram no Parlamento, se bem que possa ser explicada por uma reação ditada pelo imprevisto insólito que a votação final tinha determinado é a imagem triste de uma vitória de Pirro ou coisa semelhante.

De confusão em confusão … não é de facto bonito de se ver.

Nota final:

Os últimos dias trouxeram-nos o desaparecimento de uma das figuras mais excelentes do que é a qualificação do pensamento na política. Maria Carrilho não resistiu a uma leucemia galopante e é mais uma parte nobre da política portuguesa que nos deixa, com a sensação de que a cada desaparecimento ficamos mais pobres, pois a substituição que vai acontecendo é um processo em perda de excelência e qualidade. Só tive dois momentos em que conheci mais de perto Maria Carrilho, ambos nos Estados Gerais de António Guterres. Foram suficientes para compreender que estávamos perante uma presença “florentina” com densidade de pensamento e uma beleza serena que nos faziam concentrar no seu discurso, em temas como a defesa e a internacionalização.

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