(Estava certo quanto às minhas intuições sobre o turbilhão que abana as instalações da calle Génova em Madrid e todo o edifício do PP espanhol. E o movimento telúrico já ganhou novas formas e por isso é-me difícil, desculpem os leitores, abandonar este tema, tão apetitoso. O choque entre Pablo Casado e Isabel Diáz Ayuso eclodiu de vez, a partir do momento em que circularam rumores que Ayuso estaria a ser espiada a partir de dentro do próprio partido, relativamente ao caso de serviços e bens, neste caso, máscaras, adquiridos pela Comunidade de Madrid a empresas em que o irmão de Ayuso aparece em posições demasiado destacadas. A própria Ayuso reconheceu o facto e diligenciou a entrega de documentos às autoridades. A partir daí uma sucessão de golpes, pressões, movimentações de rua, luta intensa de bastidores e imagino coisas bem mais subterrâneas abateram-se sobre o líder Casado que, em agonia, atuou como mandam os manuais destas lutas internas, ganhar tempo, empurrando para a frente a decisão – Junta Diretiva Nacional do Partido a 1 de março e Congresso Extraordinário a 9 e 10 de abril na antecâmara da Semana Santa. Mas o melhor que tudo é que desta vez o galante e por vezes indeciso Nuñez Feijoo não deve escapar a ter que se apresentar para disputar a liderança, até porque dificilmente o poderá ser por aclamação. Afinal, os aficionados mais diretos de Ayuso já a vêm na Presidência do Governo .…)
Em política, coisas mal resolvidas pagam-se regra geral muito caro. É uma regularidade das antigas e, a todo o tempo, se confirma. E na direita espanhola existe um baú enorme com tralhas que nunca tiveram solução, não esquecendo os inúmeros e diversificados casos de corrupção que têm salpicado elementos do partido, das quais o próprio pacato e honesto Rajoy não escapou. E a liderança pós Rajoy foi de facto uma coisa muito mal resolvida, pois ao contrário das previsões que apontavam para uma sucessão com alguém da sua confiança próxima (a sua ministra Soraya de Sáenz Santamaría), a agulha virou para Casado e, sabe-se lá porquê, Feijoo decidiu proteger-se na calma liderança da sua Galicia. Mas na altura ninguém imaginaria o furacão Ayuso e nos tempos que correm, de matiz populista e de imagem, muita imagem, o estilo de Isabel não poderia deixar de fazer mossa num PP cujo formalismo é por todos conhecido. Afinal o PP continua a ser o partido de Aznar e de grande parte do conservadorismo espanhol, fora aquele que deixou de estar escondido e de má consciência e adotou o VOX para expressar as suas reivindicações de uma Velha e Santa Espanha.
Do ponto de vista político e eleitoral, dá que efetivamente que pensar como é que perante um Governo PSOE-PODEMOS tão desgastado pela sua geometria variável de negociação parlamentar, em que linhas vermelhas consideradas como indiscutíveis para uma grande maioria de espanhóis, como por exemplo negociar com forças políticas que estiveram perto da ETA e que nunca rejeitaram claramente e em absoluto a sua violência, caso da negociação com o Bildu, o PP nunca conseguiu por estes tempos emergir como uma alternativa de poder. As hesitações de Casado relativamente ao VOX e a progressiva normalização da presença da extrema-direita em assuntos de governação transformaram-se progressivamente num escudo protetor para o PSOE, que lá foi aguentando como pôde a pressão. E, como o meu colega de blogue pertinentemente o lembrou por um destes dias, a verdade é que a situação macroeconómica global espanhola, sobretudo em termos de criação de crescimento económico, emprego e excedente externo, e também o PRR, está mais com o incumbente do que com o desafiante. É verdade que as questões orçamentais e da dívida também não podem ser ignoradas, mas aqui que nem nos ouve a dimensão económica da Espanha faz com que o discurso da Comissão Europeia seja mais piano do que por exemplo com Portugal se este pisar o risco.
Prosseguindo com a minha intuição, e admitindo que desta vez Nuñez Feijoo vai a votos e tenta uma aclamação interna, tenho para mim que a onda interna criada pela impetuosidade de Ayuso permanecerá como mais uma questão por resolver. Um dia destes a tensão estará de novo no ar. O PP de Feijoo e Casado ensaiará linhas vermelhas no relacionamento com o VOX, procurando travar o seu acesso à governação já concretizado em algumas Comunidades Autónomas (na Andaluzia, por exemplo e em Castela e Leão veremos). Mas a degradação do relacionamento político com o PSOE, que se agudizou nos últimos tempos, tornará difícil que, no caso de uma possível vitória sem maioria absoluta do PP, o PSOE se abstenha para viabilizar a sua governação. Tudo indica que na onda Ayuso não haja linhas vermelhas dessa natureza e que a líder madrilena conte com o seu carisma para internalizar o reacionarismo do VOX na governação. É verdade que todos sabemos que estes fenómenos do tipo populista e imagem à mistura incham e desincham com muita rapidez (vejam por exemplo o caso de Arrimadas e Rivera no Ciudadanos). Mas, por enquanto, a bolha Ayuso ainda está em franco crescimento.
Do lado do PSOE, a prefiguração do que vai acontecer parece mais fácil. Sánchez é hábil quanto baste em explorar este sinal de que “a oposição segue dentro de momentos”, pelo menos até ao Congresso Extraordinário do PP em abril. Ele conta que a saída embora precária da pandemia tenda a robustecer a situação macroeconómica global, que o mercado de trabalho afine ainda mais o tom da criação de emprego e redução do desemprego particularmente jovem, que o PRR comece a injetar investimento e que o independentismo catalão abrande pois começa a viver tempos mais inseguros no plano da relação de forças a nível interno.
Imagino que Sánchez sonhe frequentemente com a maioria absoluta de Costa, mas Caro Pedro, apesar de todos os iberismos e termos passado perto de um destino comum, a verdade é que este retângulo acantonado e hoje despojado dos seus sonhos imperiais produziu sempre soluções engenhosas e inesperadas, como esta o foi, temos de convir.
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