(Em bom rigor, as minhas expectativas de que este blogue suscitaria algum debate, medido pelo volume de comentários suscitados por cada post, foram em grande parte goradas e não afasto responsabilidades nisso, começando por não ter dedicado, por distração, a atenção devida aos comentários, poucos, então produzidos. Mas há gente próxima que o faz não em termos públicos mas por via de correio eletrónico e, nesses casos, tenho o cuidado de perguntar se posso citar tais comentários. É o caso do comentário que me foi enviado pelo amigo Josué Caldeira, relativo à referência que fiz à reação do PCP após as eleições no âmbito do post que dediquei às desavenças entre os pensadores do Bloco de Esquerda, que valem o que valem e que não afastarão Catarina Martins da liderança pelo menos por agora. É assim com prazer que o apresento aqui como correção a esse mesmo post, já que tenho em grande consideração a amizade do Josué e o seu espírito de militância, com destaque para a sua paixão, as questões da habitação.
No meu post atrás referido, fazia-me eco do que passou na comunicação social sobre o recentramento em Jerónimo de Sousa e da mobilização de massas como fator de resistência e de aprofundamento do protesto.
O comentário que me chegou do Josué Caldeira começa por identificar três mensagens relativas ao PCP pós 30 de janeiro que se afirmaram pela comunicação social: (i) Mensagem 1 – “depois de mais um tsunami leitoral o PCP vai voltar à luta de massas”; (ii) mensagem 2 – “o PCP vai voltar ao partido de protesto, campo privilegiado da sua atuação”; (iii) mensagem 3 – “depois da derrota eleitoral o PCP vai dar força à CGTP, e aos sindicatos,...”.
No seu comentário, o Josué Caldeira tem a amabilidade de me enviar os comunicados do Comité Central no rescaldo eleições anteriores, 2015 e 2019, em que a tendência de declínio eleitoral é já evidente e, de facto, a sua leitura permite confirmar que a intensidade com que nessas declarações o PCP se refere á mobilização e luta de massas é praticamente a mesma, não existe efetivamente mudança de registo.
E depois dessa leitura tendo a subscrever as conclusões do próprio Josué:
- “ em todas as circunstâncias "as lutas de massas" estiveram presentes nas análises e nas orientações políticas do PCP no pós-eleições,
- não há diferenças, nem de tom, nem de intensidade, sobre este aspeto, sobre a função da luta de massas na análise do Partido nos momentos pós-eleitorais;
- não há, sequer, diferenças na função atribuída à luta de massas na intervenção do Partido neste ou naquele momento pós-eleitoral.”
Estamos habituados há muito a intuir que a comunicação social portuguesa está cheia destas construções, que resultam de uma pérfida combinação: a preguiça intelectual de muitos dos jornalistas que se puderem evitar a leitura de um texto qualquer o fazem com gosto a bem da eficiência e o jeito que dá a comentadores avençados, sobretudo aos que ganham por ter agendas próprias e ao serviço de muitos interesses.
Corrijo por isso a minha referência, agradeço por isso a perspicaz crítica do Josué e concluo que a questão fundamental para o PCP e, dada a sua história, para esquerda portuguesa em geral, que o fundamental será seguir o modo como o próprio PCP interpretará o seu declínio de tendência, que se contrapõe claramente ao declínio de conjuntura do Bloco, não esquecendo que apesar de tudo a queda de influência do Bloco no Parlamento é bem mais saliente do que a do PCP. Claro que a futura ausência de José Manuel Pureza do Parlamento me desagrada, dos restantes bloquistas nem sequer me recordo, mas em bom rigor as ausências de António Filipe (Santarém) e João Oliveira (Évora) vão retirar qualidade aquele anfiteatro.
Não tenho a visão afetiva do declínio do PCP que, por exemplo, Henrique Raposo nos traz no Expresso desta semana, mas interessa-me compreender como é que o PCP interpreta este declínio e responderá a este seu momento crítico. Claro que as instituições também se abatem e têm o seu tempo. Mas o que seria para mim indesejável é que o declínio (que entre outras coisas é também demográfico) do PCP seja endogenamente interpretado como aquela “aristocracia” que assiste impávida e serena à sua destruição e não mexe a mínima palha para a contrariar permanecendo numa negação para conforto das suas almas.
Não conheço o suficiente da vida do PCP para antever se o processo de renovação de quadros está ou não a acontecer, embora aquelas imagens da Soeiro Pereira Gomes após os resultados nos anunciem alguma presença de juventude, para já não falar de figuras como o João Ferreira. Mas independentemente de não concordar com a sua visão do mundo de hoje, o modo como o PCP interpretar o seu próprio declínio é para mim um contributo essencial para a compreensão do nosso próprio declínio demográfico, ao qual, insisto, ainda não demos a devida atenção.
Estou certo que a perspicácia crítica do Josué ajudará a compreender esse fenómeno.
E já agora, tal como noutras vezes aqui defendi que Clara Ferreira Alves deveria ter tido algum agravo com António Costa para justificar referências como “o Costa morreu politicamente” (que mudou radicalmente no último Eixo do Mal), também constato com prazer que, quando a cronista deixa o comentário político, nos brinda com o que de melhor se escreve no ensaio-crónica jornalístico em Portugal. A sua crónica que abre a Revista do Expresso deste fim de semana é do melhor que tenho lido sobre a perceção do nosso declínio e envelhecimento. Podemos discordar do pessimismo que a atravessa, mas isso não importa. É de facto do melhor que alguma vez se escreveu sobre o aprofundamento do grisalho em Portugal e sobre a tristeza dos que estão bloqueados na sua ascensão social. Por isso, quando menos a cronista escrever sobre a política crua e dura ficaremos “claramente” a ganhar.
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