(Muito se escreveu, antes e depois do 30 de janeiro de 2022, sobre sondagens, sobre a sua intensidade e diversidade e sobretudo sobre o desvio entre as tendências reveladas e os resultados eleitorais concretos. Muita coisa que foi escrita não acrescentou nada a uma reflexão séria sobre o seu significado. Recorro de novo a António Guerreiro, no seu inconfundível Acção Paralela do Ípsilon do Público, para encontrar e aqui trazer algo que vai além da simples vulgata.
Todos nos apercebemos da profunda e bizarra ironia política em que Rui Rio foi mergulhado em torno desta matéria. No passado remoto e recente, Rui Rio foi talvez o político que mais zurziu nas sondagens, que mais delas escarneceu, com a evidência concreta de vitórias que teve e que não eram anunciadas ou previsíveis a partir dessas sondagens. Por vontade dos deuses ou sei lá do que foi, virou-se o feitiço contra o feiticeiro e Rio terá acreditado mesmo que a vitória estava aí, desta vez não escarnecendo mas capitalizando as tendências de voto que elas revelavam. Essa viragem foi visível nos últimos dias da campanha em que Rio chegou mesmo a sair-se com aquela tirada de que Costa poderia começar a preparar com dignidade a sua derrota. E de certo modo a relativa apatia dos últimos dias na campanha do PSD parecia querer dizer que Salvador Malheiro terá dito ao seu líder “não estrague o que as sondagens lhes estão a oferecer”.
Como já aqui referi, nunca talvez uma sequência de sondagens como esta, a cuja dimensão e fatores de risco ninguém ligou patavina, terá exercido tanta e decisiva influência sobre as forças políticas em campanha e tudo indica sobre o próprio eleitorado.
Um fenómeno novo passou por aqui e é nesse contexto que a análise de António Guerreiro, um pouco hermética como sempre, me parece ser por agora a que percebeu melhor o que aconteceu. Não tenho informação suficiente para discutir a ideia apresentada por estes dias pela empresa de comunicação que acompanhou o PS, segundo a qual as sondagens já continham a possibilidade da maioria absoluta. Por isso, fico-me com a análise de Guerreiro, que vale bem a pena a inclusão de um excerto da sua crónica (o autor escreve segundo o acordo ortográfico anterior):
“(…) Mas a crítica que as sondagens suscitam hoje deve colocar-se para além do problema da manipulação versus conhecimento. As sondagens tornaram-se actualmente um meio de excitação mediática e objecto de uma atenção completamente monopolizada pelo jogo político e pelos entusiasmos que as afecções políticas provocam. Resultado desta excitação: o barómetro das sondagens é antes um afectómetro. O que precisa então de ser interrogado são os efeitos do seu uso frenético pelos jornalistas, pelos comentadores e pelos responsáveis políticos.
As sondagens que foram publicadas ao longo da campanha eleitoral revelaram-se escandalosamente erradas? Segundo o critério objectivo da distância entre as previsões e os resultados obtidos, o erro foi enorme. Mas segundo um critério pragmático, elas estão para além da verdade e da mentira, como as fake news: o que interessa é o efeito que produziram, ou que se supõe terem produzido (o que é a mesma coisa) sobre os eleitores. Para utilizar uma distinção bem conhecida, as sondagens deixaram de ser um constativo para se tornarem um performativo”
Dado o que aconteceu, estimo que as campanhas eleitorais não serão mais as mesmas. E como Guerreiro acaba a sua crónica, assistimos a “uma diabólica reversibilidade – já os sondados enganam as sondas.”
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