sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

CENÁRIOS DE GUERRA

 

                                                                                (New York Times)

(Compreensivelmente permaneço no tema da invasão da Ucrânia, mergulhando nos cenários possíveis posteriores a esta impune agressão, sobre os quais muito boa e informada gente está neste momento a trabalhar. À medida que a agressão russa se torna mais clara, percebendo os seus objetivos a partir da movimentação das suas tropas em território ucraniano, mais me convenço da importância do discurso de Putin, no passado dia 21 de fevereiro, para compreender o que pode vir a seguir. Com a perceção clara de que o objetivo Kiev parece cada vez mais evidente, a interpretação dos diferentes e possíveis cenários futuros não pode deixar de ser realizada à luz da aparentemente facilitada progressão, aos olhos de observadores distantes, das tropas russas …).

Não é difícil compreender que a opinião pública russa não terá neste momento uma leitura objetiva e fiel das eventuais dificuldades e perdas que as forças russas estarão a encontrar na sua agressão ao território ucraniano. O regime de Putin é especialista em criar uma barreira de informação ao seu próprio povo. Não me espanta e é do conhecimento de todos. Mas o que me surpreende é, que do ponto de vista da comunicação ocidental, com a massa de jornalistas e repórteres instalados em território ucraniano, tenhamos uma clara perceção de que as forças russas entraram com facilidade pela Ucrânia adentro, a ponto de estar em vias de cercar a capital Kiev e obviamente assumir o seu controlo. Alguma coisa não corresponde ao que tinha sido dito sobre a preparação e rearmamento das forças ucranianas. O argumento de surpresa não funciona, pois a vinda do lobo fora sistematicamente anunciada, sobretudo pela inteligência americana. Parece ter ocorrido a supressão pelos russos de qualquer resistência aérea ucraniana, o que terá deixado as suas forças terrestres numa fragilidade absoluta. Depreendo por isso que a ajuda ocidental militar e de segurança à Ucrânia terá sido uma valente treta, acrescentando achas à retórica inconsequente das palavras de apoio e solidariedade, o que deve ter provocado uma gigantesca frustração no Governo da Ucrânia.

Não tenho dado conta de muita reflexão publicada sobre quais poderão ser os cenários mais plausíveis na sequência da invasão russa, que tudo indica, uma questão de dias ou algumas semanas, tenderá a exercer o controlo russo pelo menos em alguns pontos nevrálgicos do território da Ucrânia. Uma ocupação transversal a todo o território já se me afigura menos plausível, devido essencialmente à dimensão do território e à conhecida capacidade de resistência dos ucranianos. Mas se o controlo de Kiev se consumar, isso será um passo decisivo para o controlo do país, pelo menos do ponto de vista político.

Tem por isso significar refletir sobre cenários possíveis depois desta ofensiva.

Do melhor que tenho lido sobre esta visão prospetiva posso citar alguns tweets de Paul Poast (@ProfPaulPoast), Professor de Relações Internacionais na Universidade de Chicago (link aqui). São quatro os cenários antecipados por este especialista:

  • Cenário 1 – a imposição de um governo “fantoche” na Ucrânia, pró-russo, permitindo a Putin o domínio da situação não implicando o desaparecimento da Ucrânia;
  • Cenário 2 – anexação pura e simples da Ucrânia e desaparecimento como Estado independente;
  • Cenário 3 – recriação por Putin do império da URSS no seguimento do discurso de 21 de fevereiro, com delírio de liderança ou simplesmente a mobilização de parte do povo russo para embarcar nessa reposição da velha alma russa;
  • Cenário 4 – a guerra segue dentro de momentos, testando os EUA e a União Europeia com ameaças aos países bálticos, a partir por exemplo do pau mandado que a Bielorússia representa.

Tenho para mim que estes cenários não se colocam todos ao mesmo nível em termos de projeção no tempo das suas consequências. No meu último post, deixei a minha interpretação de que o discurso de 21 de fevereiro representa a Visão que enquadra todas as movimentações de Putin. Ora, como sabemos, uma Visão não se materializa necessariamente em avanços de curto e médio prazo, antes integra a narrativa auto-justificativa de todos os desmandos praticados para falar também para dentro, embora me pareça que a grande maioria dos russos que poderiam ser sensíveis à narrativa do Império ou já morreu ou já não tem expressão cívica.

Mas há uma variável que Poast refere que pode ter uma importância trágica. Trata-se da possibilidade da própria invasão da Ucrânia pela aparente facilidade de concretização que revestiu reforçar o conteúdo delirante e paranoico de Putin. É o que se chama emulação pela ação, gerando um perigoso excesso de confiança do infrator. A tentação báltica seria o combustível para uma confrontação mundial, já que isso significaria agressão a países da NATO. Todos esperamos que o delírio imperial de Putin se projete apenas no domínio da narrativa de justificação. Mais provável será a instalação de um governo pró-russo, uma forma mais hábil de contornar a resistência ucraniana do que anexar o país e fazê-lo desaparecer do concerto mundial.

Mas como todos concordaremos, uma coisa é uma leitura objetiva de um discurso que é cristalino na sua narrativa, outra coisa é entrarmos na cabeça de um autocrata delirante e sedento de poder imperial.

Por outro lado, continua bastante interrogada a avaliação dos reais impactos que as sanções fase 2 irão provocar na oligarquia chegada ao poder de Putin. Do que li nestes últimos dias, há o relato, que é difícil confirmar se corresponde ao realmente observado nesse encontro, de que numa reunião recente com o grupo de oligarcas e lobbyistas industriais próximos do Kremlin, alguns oligarcas sublinharam a necessidade de que a intervenção na Ucrânia “tudo possa feito de modo a demonstrar tanto quanto possível de que a Rússia continua a fazer parte da economia global e que não tenderá a provocar, incluindo algumas medidas de resposta, fenómenos globalmente negativos nos mercados mundiais” (@antontroian). Escusado será dizer que oligarcas há muitos, uns caiem em desgraça, outros emergirão, e por isso não estou lá muito confiante com as sanções impostas, especialmente porque a descontinuação do SWIFT bancário continua a não ser utilizada.

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