segunda-feira, 28 de março de 2022

QUE NOVA ORDEM ECONÓMICA INTERNACIONAL ESTÁ A SURGIR?

 

                                                        (Financial Times)

(A caminhar rapidamente para os 73 anos de vida e quase cinquenta com os radares apontados a estas matérias, é tempo suficientemente longo para me recordar de várias ocasiões em que o tema-título deste post de hoje surgia nas revistas e obras da especialidade. Recordo-me, por exemplo, que quando as firmas multinacionais se transformaram em elementos centrais da organização do comércio internacional se discutiu abundantemente o que então também se designava de nova ordem económica internacional. Variantes e sub-variantes desse modelo de organização económica internacional foram-se sucedendo, à medida que se foi compreendendo que a globalização evoluía com uma flexibilidade de formas não totalmente antecipadas. A Grande Recessão determinada pela disrupção financeira de 2007-2008 abanou essa convicção, mas tudo se processou essencialmente no plano do económico, sempre com a presença do défice de governança que a economia mundial revelava. Agora, o político e o económico combinam-se de forma imbricada e indissociável e, como seria de esperar, mais uma vez o tema regressa – que nova ordem económica, e política, internacional nos espera?)


 

Cerca de 40 anos antes de Yves Lacoste (1978) ter popularizado a ideia de que “a geografia serve é para fazer a guerra”, um pequenino livro que tanto debate gerou nestas questões da economia mundial, um dos patronos deste blogue, Albert O. Hirschman, numa obra de 1945, National Power and the Structure of Foreign Trade, mostrou-nos com a sua ímpar sagacidade intelectual como o nazismo alemão preparou o seu projeto de submissão do mundo através de uma engenhosa trama do comércio internacional e das relações de dependência entre os países. Tudo isso foi esquecido na ilusão do bem-estar material, ainda que a questão da sua distribuição equilibrada nunca tivesse sido resolvida.

 

Fortemente abalada pela Grande Recessão de 2008 e pela disrupção da chamada hiperglobalização financeira que então se vivia, a nossa perceção de um mundo, desigual é certo, profundamente desigual, mas com perspetivas de desenvolvimento material assinaláveis para os mais afortunados, capitulou de vez com a sombra da guerra e cenários do seu escalamento possível. Desta vez, não era a descontrolada hiperglobalização financeira que aparecia no olho do furacão. Depois de um outro fator exógeno, uma pandemia, ter dado o mote que tudo iria ser diferente, agora é o belicismo imperial de um autocrata e de uma cleptocracia que irrompe de fora para dentro do económico. Seria impossível não falar-se de nova ordem económica internacional, uma vez mais, como se os debates não tivessem sido fechados.

Tudo indica que o mundo da globalização ou reglobalização como alguns lhe chamaram dos anos 80 e 90 se foi, não sabemos se para sempre, se mergulhada num sono profundo. Estranhamente, o populismo, que cavalgou essa onda e que tomou o lugar das grandes críticas que a esquerda mais radical e violenta sempre dirigiu à globalização, parece ter desaparecido perante o choque da guerra.

Pode ser considerado algo chocante que, enquanto os Ucranianos sofrem tragicamente os efeitos da agressão e da guerra, o mundo da geopolítica discuta o que nos trará a nova ordem económica internacional. Mas, pode dizer-se, que dificilmente a paz emergirá sem uma mínima clarificação de como a organização económica (e política) do mundo será minimamente estabilizada.

Tenho seguido alguns debates sobre esta matéria e permito-me destacar a reflexão que tem sido possível reunir no âmbito da Swamp Notes sobre globalização do Financial Times (link aqui).

Como é expectável, a antecipação do modelo de ordem económica internacional que tenderá a prevalecer depende fortemente da finura de análise com que ela é conduzida. No grau de indeterminação ainda prevalecente, a complexidade do tema reduz-se em parte se optarmos por um nível de abstração relativamente elevado e nos concentremos no que podem ser os grandes blocos económicos em formação. Esta ideia já envolve um pressuposto: a grande probabilidade é estar-se a formar uma economia mundial “regionalizada”, ou seja, organizada por grandes blocos.

Nesta perspetiva, há duas tendências que se percebe poderem organizar a tal nova económica internacional, um modelo bipolar ou tripolar. Mas mesmo esta classificação aparentemente simples tem um elevado grau de indeterminação. Designadamente, porque ainda não é totalmente clara a evolução que o capitalismo de Estado da China vai querer assumir neste novo contexto.

O modelo tripolar contempla os EUA, um bloco asiático ainda indeterminado nas suas formas concretas onde a China terá um papel proeminente e a União Europeia, caso aproveite esta crise para robustecer de vez a sua unidade estratégica e se o Euro mitigar as suas vulnerabilidades.

A hipótese de um modelo bipolar assentaria numa aproximação de todo o Ocidente, com a fluidez assegurada da relação EUA – União Europeia, que se oporia economicamente ao tal bloco asiático em formação.

Em qualquer destas duas situações, a China encontraria no “regionalismo” da economia mundial a forma possível de compatibilizar o seu capitalismo de Estado com as regras prevalecentes no comércio mundial determinadas pela OMC, acaso esta sobreviva a todos estes abanões. Mas há indeterminação que baste em todo este processo, a começar pela própria estruturação do tal bloco asiático. Não é menos verdade que a adaptação a ocidente a esta posição chinesa de animar um bloco próprio será dura, penosa e envolvendo investimentos avultados para lograr reduzir a dependência em matéria de produtos intermédios.

Quer isto significar que a utopia de uma economia mundial fluida parece ter borregado em proveito de um mundo cada vez mais fragmentado. Só não se percebe bem, por agora, que fragmentos desse mundo vão articular-se entre si para definir uma arquitetura governável.

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