terça-feira, 15 de março de 2022

A CHINA ENTRARÁ MAIS NO JOGO?

(cartoon de James Ferguson, http://www.ft.com)

Do ponto de vista geoestratégico e verdadeiramente substantivo, esta é a grande questão do momento. Ou seja, o grau, a forma e a visibilidade com que a China poderá entender vir a participar na guerra de Putin marcarão toda a diferença no evoluir da situação, quer no plano das saídas conjunturais quer em termos das configurações futuras de uma já inquestionável nova ordem internacional. Terá a China, e o seu presidente Xi Jinping em particular, a lucidez de se manter relativamente neutralizada perante o conflito (e digo relativamente porque é sabido que os chineses têm sido apoiantes discretos dos russos, seja no quadro das deliberações cautelosas mas não condenatórias nas Nações Unidas seja no tocante a diversas matérias do foro comercial e económico-financeiro, como seja o contorno das sanções) ou enveredará a potência asiática por uma via mais aventureira e perigosa baseada numa perceção de fragilidade do lado americano e numa atração irresistível de chegar a uma liderança global? Os analistas dividem-se entre os mais concetuais e vinculados à estratégia ― que entendem que a China continuará a saber desviar-se dos problemas maiores, deixando o sangue correr às mãos de outros e procurando fazer por não ouvir o que a comunidade internacional vai gritando (ver exemplificações abaixo) ― e os mais pragmáticos porque mergulhados nos serviços de inteligência dos estados e na política pura e dura ― que temem que o presidente chinês possa deixar-se cair na tentação de uma possível “glória” ao seu alcance.


(Ricardo Martínez, http://www.elmundo.es)

(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

Gideon Rachman aborda, na sua coluna do “Financial Times” de hoje, o tema de modo rigoroso e bastante frontal ― por um lado, recordando que Rússia e China anunciaram uma parceria “sem limites” pouco antes de a Rússia invadir a Ucrânia (o que naturalmente vai ao encontro da hipótese de uma ajuda militar chinesa aos russos, conforme alegadamente solicitado por estes, e se traduziria na prática numa proxy war com os EUA e as nações da NATO); por outro lado, sublinhando que tal decisão significaria enfrentar a incerteza de um fim do sistema económico globalizado que alimentou a extraordinária ascensão da China nos últimos 40 anos; por outro lado, ainda, referindo com propriedade que os dois países em causa compartilham uma profunda hostilidade em relação à supremacia global dos EUA mas que abordam tal rivalidade de maneiras muito diferentes (maior imediatismo da Rússia, detentora de uma posição económica mais fraca, e “jogo longo” por parte da China, apostando sobretudo na maturação da sua afirmação económica para mudar o equilíbrio de poder global), podendo mesmo estar a verificar-se que a invasão de Putin se constitua numa ameaça acelerada à gradualista estratégia de hegemonia chinesa (ademais com o risco adicional de sanções secundárias, incluindo boicotes de consumidores e retiradas de empresas); por fim, pondo em evidência a dificuldade de uma opção chinesa radical porque não poderá deixar de ter em conta a observação do que foram as implicações para a Rússia de uma perda da noite para o dia do “baú” que são as reservas estrangeiras (e as suas são as maiores do mundo no momento atual...), a sua escassa autossuficiência energética e alimentar, a inconvertibilidade vigente do renminbi e os temerosos riscos de um bloqueio naval americano. Ou seja, e tudo visto e ponderado, a coisa não está fácil para uma China que teria preferido uma guerra russa curta e vitoriosa, que não só evidenciaria o proclamado declínio inexorável do poder americano como poderia até ter dado aso à criação de condições para um ataque chinês a Taiwan; ao contrário, tendo a Rússia ficado atolada no terreno e em sanções, o que resultou foram uma necessariamente maior complexidade dos cálculos militares da China e uma preocupação acrescida em relação à significativa força isolacionista associada ao inesperado surto de uma frente unida de economias ocidentais (a despeito da forte interdependência económica em presença e designadamente do facto real de a China estar bem mais profundamente integrada nas cadeias de valor internacionais) ― tudo isto levando Rachman a terminar o seu escrito de modo algo otimista (oxalá tenha razão!) ao defender a ideia de que “a decisão de Xi de abraçar Putin parece agora um erro de cálculo” já que será “penoso jogar o jogo longo amarrado a um jogador imprudente”.

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