Está a acabar de tomar posse o XXIII Governo Constitucional, o terceiro liderado por António Costa. Um Governo que começou por deixar dúvidas quando foi conhecida a lista de ministros e que passou a mais preocupante quando foi divulgada a lista dos secretários de Estado, onde a mediocridade do “mais do mesmo” e a dos cartões partidários prevalece sobre algumas boas surpresas e eventuais manifestações de abertura. Em qualquer caso, são estes e não outros os que o primeiro-ministro escolheu entre relações de proximidade e compromissos que entendeu incontornáveis; e como os governos são como os melões, só nos resta desejar que este resulte maduro e saboroso.
Tem-se falado, sobretudo a partir do Porto e do Norte, de um Governo centralista e baseado na “corte”, assim se confundindo uma questão com sentido e até essencial, a da falta de representatividade do País no Governo (designadamente, no que toca ao limitado mindset que o primeiro-ministro vai revelando, num desesperante fechamento em relação a pensamentos mais diversos do que afunilados em torno de si próprio), com uma questão menor e quase corporativa, a da distribuição geográfica da proveniência dos governantes (designadamente, e por exemplo, no que toca ao criticismo aparelhista em relação ao número de governantes desta ou daquela origem). Por um lado, porque esta tem fronteiras fluidas (vale o local de nascimento da personagem, a universidade onde concluíu o ensino superior ou a cidade em que durante mais tempo trabalhou? ― Eduardo Pinheiro é do Norte por ter sido autarca em Matosinhos ou do Centro por origem e pelas funções que desempenhou na Região? José Luís Carneiro é de Baião e conta ou não para contabilização em favor do Porto? Fernando Medina avalia-se como alguém nascido no Porto e ali tendo estudado na FEP ou como alguém que se fez na política lisboeta e na Câmara de Lisboa?). Por outro lado, o que mais existem são contraprovas no sentido de que alguém proveniente de uma dada Região (maxime do Porto e do Norte) a represente no poder central ou nele atenda preferencialmente aos seus interesses (por boas e más razões que agora ao caso). Ou seja: esta não é a questão, aquela sim.
Voltando aos conceitos e lógicas de António Costa, vemos hoje que não constituiu um governo “enxuto”, que não fez qualquer task-force dominada por coordenações temáticas nem abdicou dos seus próximos diretos e indiretos (leia-se nestes aqueles que satisfazem a voragem dos militantes socialistas com poucas saídas em termos de empregabilidade). Costa confirmou assim o que se vai sabendo e consensualizando: que é um prático, um navegador ao sabor do vento, um renitente reformador e um inveterado autoconfiante (como disse Quinito um dia sobre a equipa do FC Porto que treinava, a qual seria Gomes mais dez, o primeiro-ministro achará que a mera presença dele é quase bastante e o resto vem por acréscimo). Ao que acrescem as perceções de alguns analistas, segundo as quais a chamada ao Governo de todos os seus potenciais sucessores no PS poderá transformar o executivo num palco de luta, fraternal talvez mas mais tendencialmente desintegrador do que fomentador de coesão.
De entre os sinais de descuido, desarranjo e desatenção na formação do Governo salientaria como mais relevantes os seguintes: (i) António Costa Silva é chamado aos 70 anos a funções governativas (ele que não é manifestamente um político, antes um intelectual mais ou menos especulativo) numa área que não corresponde àquela que lhe seria tradicionalmente reconhecida como mais natural (a Energia), ficando ainda de fora do PRR de que se diz com verdadeiro exagero ter sido autor; (ii) a área da Modernização Administrativa e Administração Pública, antes tutelada por Alexandra Leitão, foi dividida de forma completamente discutível entre uma Digitalização e Modernização Administrativa na dependência direta do chefe do Governo, uma Administração Pública na dependência direta de Mariana Vieira da Silva (Manuela Ferreira Leite salientou com alguma razão os riscos de uma não ligação mais estreita às Finanças) e uma Administração Local na dependência direta de Ana Abrunhosa e do seu polivalente secretário de Estado; (iii) a Educação torna-se uma paixão cada vez menos real e visível, com uma passagem de três secretários de Estado para apenas um e alguém com experiência reconhecida mais ao lado (formação profissional); (iv) a gestão dos dinheiros comunitários prosseguirá marcada pelas incongruências e insistências em erros acumulados, o que surge visível na coexistência de responsabilidades sobrepostas ou desarticuladas entre o Ministério da Coesão Territorial, o Ministério da Economia e a Secretaria de Estado do Planeamento.
Outros sinais, ainda: (i) a ordenação dos ministérios evidencia escolhas pouco compreensíveis ou mal assumidas (caso manifesto é o das Finanças, que ficam em sexto na hierarquia governativa e parecem tender a tornar-se preferencialmente um departamento mais vocacionado para o serviço direto das ordens emanadas do primeiro-ministro, sendo que a qualidade pessoal e a competência de Fernando Medina não estão em causa mas são indiscutivelmente incomparáveis na função face às que revelavam os currículos de Centeno e Leão, até também em termos de credibilidade internacional e europeia); (ii) o Mar passa de uma “aposta estratégica” a uma secretaria de Estado gerida no seio do Ministério da Economia por um ex-presidente de Câmara; (iii) a Indústria não surge referenciada nestes tempos de necessária “reindustrialização (Europa dixit), o que indiciaria também uma especial atenção aos problemas específicos do Noroeste Industrial; (iv) o Turismo perde expressão ao ser considerado conjuntamente com o Comércio e os Serviços, o que parece altamente contestável; (v) a Descentralização desaparece do léxico governativo (estava numa secretaria de Estado da Descentralização e Administração Local) e bastante diminuída em termos de peso político se vier a ser gerida no seio do Ministério da Coesão Territorial e do charme que lhe cabe; (vi) o Ordenamento do Território sai da área do Ambiente (o que parecia estar certo) e vai engrossar um mix estranho entregue ao dito polivalente secretário de Estado de Abrunhosa.
Sinais positivos, em contrapartida, vêm da Ciência e Ensino Superior (Elvira Fortunato é uma figura, ainda que politicamente desconhecida, e Pedro Teixeira é uma garantia de qualidade), da Cultura (duas excelentes opções), da escolha de Mário Campolargo para a Modernização e Modernização Administrativa, da colocação dos Assuntos Europeus fora do MNE (ainda que tal possa ocorrer por menos boas razões do que as de substância), da passagem de João Costa a ministro da Educação e das manutenções de João Nuno Mendes (no quadro das Finanças) e de Jorge Delgado (transitando para a Mobilidade Urbana).
E é tudo, salvo qualquer erro ou omissão, o que é muito provável possa estar a acontecer-me. Pedindo, por isso, desculpa aos atingidos seja em termos explícitos ou mesmo em termos implícitos. Agora é tempo de pé na tábua e vigilância, pela minha parte sem grandes ilusões e com expectativas muitíssimo reduzidas.
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