quinta-feira, 3 de março de 2022

FEIJOO DE MALAS AVIADAS PARA MADRID


                                                                             (El Español)

(Há dias o jornal online El Español tinha um título surpreendente: “Qué Tienen los Gallegos Que Siempre Acaban Mandando en España”? Quando lia aquele artigo, https://www.elespanol.com/porfolio/revision/20220301/gallegos-siempre-acaban-mandando-espana/653684958_0.html, não pude deixar de pensar como, tão próximas e cooperantes, as regiões Norte e da Galiza são tão diferentes nesta matéria. De facto, muito pouca gente vinda ou ida do Norte, conforme a perspetiva, acaba a mandar por Lisboa e os que o tentaram passaram por muitas amarguras. Vem tudo isto a propósito da muito mais que provável ascensão de Alberto Nuñez Feijoo à liderança do Partido Popular depois de uma trágica queda política de Pablo Casado, enrolado, não é o que pensam, com as diatribes da sempre fogosa Isabel Diaz Ayuso que criou um escarcel dos antigos quando se sentiu espiada, há quem diga que foi tudo uma encenação, pelos dirigentes executivos do PP, por motivo de algumas compras de serviços que a Comunidade de Madrid realizou a empresas próximas do irmão de Ayuso…).

 

O meu colega de blogue seguramente que conviveu mais de perto com o líder incontestado da Xunta de Galicia, com quatro maiorias absolutas no seu rol de vitórias eleitorais, quando nas suas funções de Presidente da CCDR Norte protagonizou reuniões conjuntas de trabalho e momentos de maior distensão em receções e coisas do género. A minha observação foi mais distante, assistir ao vivo a alguns dos seus discursos e intervenções em atos públicos e alguma convivência com quadros técnicos galegos próximos do Presidente, o que dá para perceber o que vai na carruagem.

 

Materializar quatro maiorias absolutas, e com isso assegurar à Galiza uma estabilidade política que contrasta em absoluto com a desengonçada geometria variável de apoios parlamentares em que a governação de Pedro Sánchez se tem apoiado, não pode deixar de ser reconhecido como um facto político de grande envergadura. Para além disso, o PP galego sempre conseguiu por estes tempos manter a extrema-direita ausente do espaço político galego, o que também não é façanha de somenos importância. Isto não significa que entre o eleitorado galego não haja protagonistas potencialmente seduzidos pelo discurso “espanholista” e conservador profundo do VOX. Mas o facto é que a ação política de Feijoo conteve essa sedução e conseguiu mais do que tudo protagonizar um regionalismo galego ciente do seu papel numa Espanha mais descentralizada, fazendo-se ouvir, reivindicar a autonomia da sua gestão e ainda assim manter intacto a ideia de Espanha uma, seja de nações, seja de autonomias. E o que é curioso é que Nuñez Feijoo não é propriamente um líder carismático e não pode de modo algum ser acusado de populismo, tão vendável eleitoralmente nos últimos tempos.

 

Não estranhou, por isso, que quando Rajoy (outro galego, tão ciente da sua identidade como fervoroso aficionado de regressos a Sanxenxo e aos almoços no Clube Naval) se viu forçado a abandonar a liderança do Governo e do PP na sequência daquela jogada parlamentar de Sánchez, o nome de Feijoo estivesse claramente na mesa para a sucessão. Na altura, ninguém compreendeu bem a decisão de Feijoo de não se candidatar a essa sucessão. Os mentideros que então alguns meus amigos galegos me transmitiram apontavam para uma guerra surda entre a vice-ministra de Rajoy, Soraya de Saenz Santamaría, e Nuñez Feijoo, pressentida nas difíceis relações do governo galego da altura com Madrid, pelo menos em alguns dossiers, que ninguém na altura percebia muito bem, a não ser que Soraya se considerasse uma sucessora natural de Rajoy. A verdade é que tudo então se precipitou, Rajoy regressou às vestes de funcionário público, Soraya acabou num grande escritório de advogados de Madrid porque isto de ter uma boa rede de salvaguarda é outra coisa e Feijoo manteve-se na sua Galicia, com mais maiorias absolutas no horizonte. Casado aproveitou a oportunidade, lá se foi mantendo numa perigosa indefinição relativamente ao VOX e o perdeu expressão nacional pois, pelo menos no País Basco e na Catalunha, o PP começou a mergulhar na mais significante irrelevância política.

 

Desta vez, porém, os barões do PP e os seus valores mais profundos, algo incomodados pela sua incapacidade em saber lidar com a fogosidade política de Ayuso e sobretudo receosos por ter de jogar as mesmas armas políticas do efémero comunicacional, ergueram-se em uníssono no apoio a Feijoo. Meu caro Alberto, terão dito algumas dessas personagens, deixa lá a tua Galicia em paz e a tua zona de conforto, tens uns sucessor do mesmo tipo do que tu, Alfonso Rueda, traz a tua fiel e sóbria companheira e vem ajudar-nos nesta hercúlea tarefa de fazer regressar o PP a uma dimensão nacional e conter esta impetuosa Isabel que ainda nos vai trazer estragos maiores.

 

Por estes dias, para além de receber um coro de chamadas telefónicas e de conselhos que são também uma forma de ganhar posição junto do novo líder, tem-se esforçado por marcar terreno em relação ao VOX, “o VOX nunca foi PP nem agora, nem antes, nem nunca”, definido um novo estilo de oposição a Pedro Sánchez, “Não estou aqui para insultar Pedro Sánchez, venho apenas para lhe ganhar” e, ao mesmo tempo que apresenta o Plano Estratégico da sua Galícia para 2022-2030, aproveita para defender a sua posição de sempre, vala-lhe a coerência, de uma maior descentralização dos Fundos Europeus. 

 

A imprensa espanhola tem sido pródiga na identificação dos principais desafios que esta transição de Santiago para Madrid trará a Nuñez Feijoo. Estou convicto que entre esses desafios o menor será certamente o da sua sucessão nas estruturas do PP galego e na Xunta. Tudo indica que o Vice-Presidente Alfonso Rueda emerge como o sucessor natural, mas veremos se a política galega nos reserva alguma surpresa e sobretudo se o PSOE, agora com nova liderança regional, aproveitará ou não a oportunidade para se recompor. Dos restantes desafios, existem dois que me parecem os mais salientes, um deles generalizadamente apontado e um outro que praticamente ninguém no PP ousa confirmar. O grande desafio parece-me ser o de fazer regressar o PP a uma dimensão nacional com a expressão territorial do PSOE. O PP baixou as suas votações para lá da irrelevância no País Basco (em que foi mártir da ETA em algumas províncias e que na altura tinha expressão política) e na Catalunha (em que o Ciudadanos comeu a sua base eleitoral, perde-a e mesmo assim a inexpressividade do PP é ainda saliente). Parece-me que este desafio é bem mais decisivo do que alcançar o difícil equilíbrio de reforçar as diferenças face ao VOX e ao mesmo tempo conviver com os pactos de governação que o PP terá de assumir em Castela e Leão e na Andaluzia. Do mesmo modo, Feijoo está bem situado para levar ao Parlamento espanhol uma visão firme mas moderada de uma nova territorialidade para Espanha que contenha os independentismos. Dificilmente o PP encontraria outra personalidade que o pudesse fazer com tanta naturalidade, dada a obra feita e a coerência do pensamento descentralizador que tem manifestado.

 

O desafio que as hostes do PP têm dificuldade em explicitar é o da convivência com Ayuso, apesar de que a líder da Comunidade de Madrid tem manifestado o seu apoio à liderança de Feijoo. Os estilos de Ayuso e de Feijoo não poderiam ser mais diferentes e isso vai sentir-se na disputa do discurso de oposição a Sánchez. A emoção segue dentro de momentos, pois por agora a racionalidade de Feijoo irá impor-se.

 

Curiosamente, também vinda da Galiza, a segunda vice-Presidente de Sánchez, Yolanda Diáz, prossegue na intensa dinamização da sua plataforma de esquerda, para a qual a revisão da legislação laboral constituiu o principal fator de concentração.

 

E como compreendo o jornalista do El Español interrogando-se sobre o que é que estes galegos terão para se imporem com tanta facilidade em Madrid. Aqui tão perto e com uma capacidade que nós Nortenhos temos tido uma dificuldade quase mórbida em garantir. E não me parece que o centralismo madrileno seja mais doce do que o lisboeta. Será que a autonomia regional explica as diferenças, sobretudo do ponto de vista das dinâmicas de construção de respeito e de identidade progressiva permitem?

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