sexta-feira, 25 de março de 2022

DISRUPÇÕES

 


(Na segunda metade de 2020, o mundo começou a confrontar-se com o problema das disrupções de oferta. Não as potenciais disrupções de oferta determinadas por questões de transição energética e climática. Não também a escassez de oferta potencial associada aos sempre recorrentes discursos mais ou menos catastróficos sobre a finitude dos recursos naturais. Antes pelo contrário, disrupções de oferta em produtos finais e consumos intermédios que nos habituáramos a considerar garantidos, salvo pequenos estrangulamentos rapidamente vencidos. E o que se passou desde então foi um contínuo de dinâmicas que se esperaria descontinuadas com a desaceleração da pandemia. Com a invasão russa da Ucrânia a maximizar essa continuidade …)

Os analistas económicos têm sido muito claros na ideia de que as disrupções de oferta a nível mundial não resultam de um fenómeno unidimensional. Resultam, pelo contrário, de uma combinação de fatores, alguns dos quais interdependem entre si, agravando a sua dinâmica de complexidade. Primeiro, a desaceleração da pandemia trouxe consigo um incremento brutal de procura de bens manufaturados, já que a pandemia e confinamentos tinham orientado a procura em favor dos serviços. A esse aumento de procura a oferta de produtos manufaturados não conseguiu reagir em conformidade, provocando a primeira fonte de estrangulamento. Segundo, por razões ainda não plenamente explicadas em todas as suas dimensões, a produção de semicondutores foi incapaz de responder ao aumento de procura de produtos e equipamentos eletrónicos e também proveniente da indústria automóvel, a que talvez não seja estranha a transição para a oferta de veículos elétricos ou com componente elétrica. Terceiro, toda a indústria logística se ressentiu da quebra de comércio de contentores, do congestionamento ou mesmo encerramento de infraestruturas portuárias e do efeito que os confinamentos pandémicos provocaram na produção asiática de produtos intermédios.

A complexidade dinâmica deste conjunto de fatores é flagrante.

É talvez essa perceção que explica o movimento criativo de construir indicadores de monitorização destes diferentes tipos de disrupções de oferta e respetiva incidência setorial. Esperar-se-ia talvez a boa nova que o temporário e o transitório suplantariam a persistência de efeitos no tempo. Parece entretanto ser possível dizer que o contexto da invasão russa da Ucrânia se limitou a confirmar o que parecia já evidente – afinal as coisas não eram transitórias como inicialmente se previu que fosse.

Os economistas quando são pressionados por um problema de alcance mundial são imaginativos e, muitas vezes, o que são lamúrias quanto aos défices de informação dão lugar a soluções criativas. O BCE tem feito eco nos seus boletins económicos dos significativos progressos que têm sido realizados na captação dos fenómenos de disrupção de oferta, combinando diferentes fontes de informação, tais como os índices de compra por parte das empresas, os atrasos e estrangulamento de mão-de-obra, o estado dos stocks e a evolução dos preços dos produtos (consumos) intermédios. A estas fontes acrescenta-se a importante informação que já é possível reunir sobre os preços de fretes de transporte de carga a granel (utilizado essencialmente para as “commodities”) e de contentores para o comércio de produtos intermédios e finais. Nesta última dimensão, tem sido atribuída imensa importância à recolha de informação sobre os preços de transporte da China para a União Europeia e para os EUA. Há muita retórica sobre a China mas para muita gente o que verdadeiramente conta é a fluidez, mais cara ou mais barata, do transporte do oriente para ocidente.

O gráfico que abre este post e que me chamou a atenção utiliza a técnica do aquecimento de cores para descrever a incidência setorial e ao longo do tempo das disrupções de oferta, distinguindo entre os problemas que apoquentarão os EUA e a União Europeia.

As manchas de aquecimento são más notícias. A esperança do transitório começa a esvanecer.

De certo modo, é a outra face da moeda do que designava no último post por globalização em erosão acelerada.

Como é fácil inferir a partir daqui, este panorama das disrupções de oferta choca de frente com a questão inflação transitória (mesmo que distinguindo a chamada “core inflation”) versus inflação permanente e/ou estrutural.

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