terça-feira, 8 de março de 2022

TEREMOS UM CHOQUE PUTIN?

 

(Já algum tempo que as crónicas regulares de Paul Krugman no New York Times estão ausentes deste espaço de reflexão e comentário. Há uma explicação para isso. A grande maioria das crónicas versa sobre a economia americana e também a maior parte das vezes sem permitir uma extrapolação credível para as matérias mais ao alcance deste blogue. A sua crónica mais recente coloca-se de novo na linha com matérias de reflexão divulgáveis neste espaço. Ela versa sobre uma outra maneira de ver as atrocidades de Putin e da sua invasão da Ucrânia. Os efeitos decorrentes da invasão poderão assumir o estatuto de choque macroeconómico disruptivo para a economia mundial? Ou seja, será que no rol desses choques mais disruptivos para a economia mundial teremos que incluir o que poderíamos designar de choque Putin?).

Entre quem tem seguido mais de perto o conflito trágico que se abateu sobre o território ucraniano é quase unânime o entendimento de que Putin cometeu uma série de erros de cálculo. Resta a dúvida de saber se o autocrata russo está hoje a viver aquele síndrome típico dos ditadores que exorbitam para além do aceitável e que consiste em ser informado por gente que se limita a transmitir o que sabe ser do agrado do seu líder. Ou se, pelo contrário, a informação pertinente existiu e o autocrata decidiu ignorá-la e seguir os seus instintos de agressor. Não sei qual destas duas situações será pior. Mas não é essa família de erros de cálculo que me interessa trazer hoje à reflexão e também não é esse o t´pico central da crónica de Krugman (link aqui).

Existe um outro tipo de erro de cálculo que decorre com clareza do posicionamento de Putin. Diz respeito ao modo como ele calculou mal o que poderia ser a reação ocidental à sua bárbara agressão. O que tem por detrás uma outra série de erros de cálculo, que consistiram em avaliar mal as dependências do ocidente à disrupção da oferta de “commodities”, essencialmente petróleo e produtos alimentares (sobretudo trigo). Tudo indica que Putin estimou uma reação menos violenta do ocidente e fê-lo provavelmente pensando que a União Europeia, o Reino Unido e os EUA iriam medir melhor o efeito de choque macroeconómico que a invasão da Ucrânia e os efeitos das sanções iriam determinar.

O raciocínio de Krugman é muito simples. Explora sobretudo os efeitos que estão começar a manifestar-se na oferta e preço de petróleo e na oferta e preços dos cereais, já que o teatro de guerra em que o território ucraniano se transformou (um celeiro transformado em estaleiro e em teatro de violência e resistência) e as distintas situações de embargo a importações de petróleo e de gás natural russo vão assumir rapidamente o estatuto de choque macroeconómico.

Que estamos perante um choque macroeconómico inequívoco parece que ninguém tem dúvidas. O que Krugman nos sugere é que, pelo menos do ponto de vista do petróleo, muito dificilmente iremos enfrentar um tipo de choque similar ao que marcou a crise dos anos 70. E apresenta alguma evidência para demonstrar com alguma consistência que o choque Putin poderá não ingressar na galeria dos choques mais disruptivos. Primeiro, porque petróleo e fornecimento de gás natural não fizeram parte das sanções iniciais. O embargo decretado por Biden à entrada de petróleo russo nos portos americanos é recente e não deixa de ser algo politicamente simbólico, dado o relativamente baixo peso do petróleo russo nas importações americanas do mesmo. Claro que pode haver a presença do efeito imagem e as principais companhias petrolíferas podem assumir, por questões de imagem e receio de identificação com a agressão russa, embargos seletivos ou mais abrangentes a compras de petróleo à Rússia. Segundo, porque comparando por exemplo o peso do petróleo russo na produção mundial com o peso dos exportadores do Golfo Pérsico, a relação é segundo Krugman de 1 para 3 (11% e 33% respetivamente). Por isso, Krugman até considera que o comportamento do preço do petróleo no mercado mundial apresenta valores que não estão em linha como o peso da Rússia como exportador e poderão estar a refletir expectativas de antecipação de outros cenários de guerra. E, terceiro, o que me parece mais importante e não tem sido muito divulgado, a intensidade em petróleo da economia mundial, medida pelo número de barris de petróleo consumido por dólar em termos reais de PIB mundial está em franca descida, como o ilustra o gráfico apresentado pelo próprio Krugman.

Quanto ao gás natural, atendendo à sazonalidade do seu consumo e ao facto de estarmos perto do fim do Inverno, o economista americano desvaloriza o efeito possível de possíveis e futuros embargos no plano imediato, oferecendo algumas condições para adaptação e diversificação de fontes de oferta até ao Inverno de 2023.

Krugman considera que a questão dos produtos alimentares pode transformar-se num choque mais relevante do que o energético, sobretudo se tivermos em conta que a questão afetará sobretudo os países mais pobres e menos desenvolvidos em que os produtos alimentares assumem um peso mais forte no rendimento. Quanto às perspetivas inflacionárias, haverá que ter em conta se a chamada inflação central (core inflation) que não considera os preços mais voláteis da energia e dos produtos alimentares continuará a orientar a intervenção dos Bancos Centrais. Ou se, pelo contrário, estes serão sensíveis à dimensão atualmente mais disruptiva destes preços, tendendo por isso a reforçar políticas restritivas já anunciadas para controlar a inflação por agora já elevada.

O economista americano conclui que também por aqui poderá haver erro de cálculo de Putin. Que a situação produzirá danos na economia mundial isso parece evidente. O que provavelmente acontecerá é que na galeria dos choques macroeconómicos mais disruptivos, também não será por esta razão que o nome de Putin constituirá um marco. Esperemos que o vaticínio de Krugman esteja certo.

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