(A concentração mediática absoluta que a invasão da Ucrânia pela Rússia e os riscos de um conflito mundializado têm determinado que outros desafios que se perfilam perante o horizonte das nações ocidentais e democráticas se tenham apagado da nossa atenção. Isso não significa que os desafios não permaneçam e até pode dizer-se que este desvio de atenção não é saudável. Mas os media já nos habituaram que não conseguem acompanhar muitos desafios em simultâneo. A nossa relação com o Islão, o islamismo mais radical e as suas próprias contradições estão entre esses desafios por agora relegados para o segundo ou terceiro plano da atenção mediática. Por isso e contra a corrente, como é regra meu timbre, resolvi informar-me e frequentar um conjunto de onze sessões animadas pelo Professor Vítor Teixeira sobre o Islão no programa cultural do El Corte Inglês, às quartas feiras, 18.30, aqui em Vila Nova de Gaia, mais propriamente no espaço do restaurante no 6º andar. E não me tenho arrependido. Tenho aprendido bastante…)
Começo por confessar que desconhecia o programa de animação cultural do El Corte Inglês, algo de enigmático para quem visita regularmente as suas instalações. A consulta do último folheto de divulgação permite dar conta que, sobretudo em Lisboa, o programa é interessante e que pelas bandas de Vila Nova de Gaia está a dar os primeiros passos.
As onze sessões dinamizadas pelo Professor Vítor Teixeira (Universidade Fernando Pessoa, Centro de Investigação em Ciências e Tecnologias das Artes – CITAR da UCP e colaborador do Centro de Estudos Interculturais CEI-ISCAP-IPP, Centro de Estudos Franciscanos e Centro Cultural Copta Ortodoxo do Porto) estão subordinadas ao tema “O Islão como modo de vida”. Tinha as melhores informações possíveis, através da minha mulher e da sua frequência de cursos no Instituto Ferreira Gomes, sobre a capacidade de animação e robustez cultural do coordenador do curso. É de facto um comunicador nato, por vezes um pouco caótico, um especialista em religiões, um viajante ímpar e é sobretudo alguém capaz de apresentar o Islão e as suas divisões numa perspetiva global e interdisciplinar, onde a história, a literatura, o cinema, televisão, o ensaio se combinam para um fim de tarde aliciante, prolongado depois por um jantar ligeiro a dois no restaurante. Uma outra maneira de acabar o dia.
As cinco sessões já realizadas confirmam a justeza da aposta na inscrição, gratuita diga-se, e abrem um conjunto de referências que vão da literatura à Netflix que nos permitirão compreender o elevado risco das generalizações sem sentido que frequentemente se constroem sobre o Islão e o Islamismo. O modo como o crescimento da religião islâmica é apresentado no contexto dos diferentes territórios em que mais se tem afirmado (com a Indonésia e a Índia a emergirem como países em que o crescimento pode ser mais rápido) é notável e muito apelativo, sempre com frequente recurso a informação do PEW Research Center.
O curso está muito bem sistematizado começando pelas origens do Profeta Maomé, a ligação entre a Revelação e a elaboração do Alcorão. Sempre com uma especial cautela para não ferir suscetibilidades eventuais, são apresentadas algumas referências bibliográficas, algumas das quais não especialmente apreciadas (banidas, pura e simplesmente) pelo islão mais radical. É o caso de “23 Years” de Ali Dashti, um estudo da carreira profética de Maomé, uma obra editada, a seu pedido, só depois da morte do seu autor, apresentada por Vítor Teixeira como essencial para se compreender a origem do Islão e o modo como é constituído do ponto de vista dos seus princípios. Em termos muito simples, mas profusamente documentado com mapas, experiências de viagens e literatura, foram apresentadas até agora as principais divisões no interior do Islão, essencialmente a velha luta entre xiitas (a descendência face ao profeta) e sunitas (a tradição e entourage do profeta), com a sua inscrição geográfica atual, o choque Irão versus Arábia Saudita e a tragédia humanitária do Iémen.
Um outro aspeto particularmente interessante é a discussão da capacidade adaptativa revelada pelo islamismo a diferentes sociedades, que explica em parte o seu crescimento. Alguns exemplos históricos apresentados, como por exemplo, a disseminação da população muçulmana na Indonésia, em que o islamismo se confronta com o hinduísmo e se tem afirmado a ponto da Indonésia poder ser a médio prazo um dos mais importantes países muçulmanos do mundo.
Creio que com as 11 sessões previstas e as incursões pela literatura nelas recomendadas ficarei com uma compreensão mais robusta do que imperfeitamente terá sido apresentado como uma das manifestações mais violentas do Choque de Civilizações de Samuel Huntington de que falava num dos últimos posts.
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