sábado, 16 de fevereiro de 2013

A CRISE ACABOU?

 
Será que acabou mesmo a crise da dívida soberana europeia?
 
Rebobinemos: Deauville (Normandia francesa), outubro de 2010, Angela e Nicolas passeando quase romanticamente à beira-mar. Esse passeio, que veio a ficar historicamente consagrado pela designação de “acordo de Deauville” e que apanhou de surpresa os restantes líderes europeus e os mercados financeiros, conduziu a reações de pânico vendedor em relação às obrigações dos países da periferia europeia, as quais vieram aliás a estar na base do resgate irlandês – para uma boa perceção do então ocorrido, veja-se o gráfico do “Financial Times” abaixo.


À época, Angela explicou-se assim em entrevista: “A minha atitude é determinada tanto pela minha convicção europeia como pelas minhas preocupações constitucionais. Se viermos a ter de enfrentar um caso como o da Grécia depois de 2013 – algo que espero não aconteça – não deveremos enfrentar a mesma urgência. Receio que, quando o Tratado de Lisboa foi negociado, não tenha sido tida em conta a possibilidade de ser posta em risco a estabilidade da Zona Euro como um todo. Necessitamos portanto, juntamente com a manutenção do artigo 125 – que diz que um país não pode ser responsável pelas dívidas dos outros –, de uma provisão legal para uma situação em que a estabilidade do Euro como um todo esteja ameaçada. A resposta é termos um mecanismo de resolução de crise que, na nossa perspetiva, tem de envolver também os credores privados.”
 
Jean-Claude Trichet, então à frente do BCE, não escondeu o seu desconforto com a situação – ainda que o possa não ter feito pelas melhores razões – e logo sublinhou que “apontar a mira aos detentores de obrigações exacerbaria a crise”; ao que Nicolas retorquiu exortando-o a calar-se com aquele sempre apropriado aviso de que deixasse a política para os políticos. Não muito tempo depois, vieram os haircuts gregos, sob a cifrada forma de um private sector involvement.
 
Ora, é precisamente aqui, em torno destes momentos decisivos, que reside a verdadeira origem de uma crise incompetentemente agravada em termos imparáveis. Concretizo: os famosos mercados realizaram subitamente (no sentido inglês da palavra) que a moeda única não estava afinal dotada de uma garantia única e que, assim sendo, podiam entregar-se a um interessante e rentável jogo especulativo – um jogo centrado no ataque dirigido (ciblé) a países mais fragilizados e à sua falência, antes impensável e agora tornada possível, e materializado através de uma adequada instrumentalização dos chamados credit default swaps.


O resto da história é por demais conhecido. Como também o é o célebre whatever it takes com que Draghi parece ter logrado pôr fim à “brincadeira”. Mas não foi mais do que essa estrita – embora muito perigosa – “brincadeira” que terminou, vindo até a permitir que Passos e Gaspar regressassem ribombantemente aos mercados. Porque a interrupção do espetro de um altíssimo endividamento não interrompeu as fragilidades intrínsecas à Zona Euro, quer no tocante às limitações decorrentes dos seus enormes desequilíbrios internos quer no tocante às suas visivelmente débeis condições de crescimento.

Em suma, e ao contrário do que nos diz o ruído de fundo, talvez a crise não possa ser dada por acabada tão levianamente…

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