Será que acabou mesmo a crise da dívida
soberana europeia?
Rebobinemos: Deauville (Normandia
francesa), outubro de 2010, Angela e Nicolas passeando quase romanticamente à
beira-mar. Esse passeio, que veio a ficar historicamente consagrado pela designação
de “acordo de Deauville” e que apanhou de surpresa os restantes líderes europeus
e os mercados financeiros, conduziu a reações de pânico vendedor em relação às
obrigações dos países da periferia europeia, as quais vieram aliás a estar na
base do resgate irlandês – para uma boa perceção do então ocorrido, veja-se o gráfico
do “Financial Times” abaixo.
À época, Angela explicou-se assim em
entrevista: “A minha atitude é determinada tanto pela minha convicção europeia
como pelas minhas preocupações constitucionais. Se viermos a ter de enfrentar
um caso como o da Grécia depois de 2013 – algo que espero não aconteça – não
deveremos enfrentar a mesma urgência. Receio que, quando o Tratado de Lisboa foi
negociado, não tenha sido tida em conta a possibilidade de ser posta em risco a
estabilidade da Zona Euro como um todo. Necessitamos portanto, juntamente com a
manutenção do artigo 125 – que diz que um país não pode ser responsável pelas
dívidas dos outros –, de uma provisão legal para uma situação em que a
estabilidade do Euro como um todo esteja ameaçada. A resposta é termos um
mecanismo de resolução de crise que, na nossa perspetiva, tem de envolver
também os credores privados.”
Jean-Claude Trichet, então à frente do
BCE, não escondeu o seu desconforto com a situação – ainda que o possa não ter
feito pelas melhores razões – e logo sublinhou que “apontar a mira aos
detentores de obrigações exacerbaria a crise”; ao que Nicolas retorquiu exortando-o
a calar-se com aquele sempre apropriado aviso de que deixasse a política para
os políticos. Não muito tempo depois, vieram os haircuts gregos, sob a cifrada forma de um private sector involvement.
Ora, é precisamente aqui, em torno destes
momentos decisivos, que reside a verdadeira origem de uma crise incompetentemente
agravada em termos imparáveis. Concretizo: os famosos mercados realizaram
subitamente (no sentido inglês da palavra) que a moeda única não estava afinal dotada
de uma garantia única e que, assim sendo, podiam entregar-se a um interessante e
rentável jogo especulativo – um jogo centrado no ataque dirigido (ciblé) a países mais fragilizados e à
sua falência, antes impensável e agora tornada possível, e materializado através
de uma adequada instrumentalização dos chamados credit default swaps.
O resto da história é por demais conhecido.
Como também o é o célebre whatever it
takes com que Draghi parece ter logrado pôr fim à “brincadeira”. Mas não
foi mais do que essa estrita – embora muito perigosa – “brincadeira” que terminou,
vindo até a permitir que Passos e Gaspar regressassem ribombantemente aos
mercados. Porque a interrupção do espetro de um altíssimo endividamento não
interrompeu as fragilidades intrínsecas à Zona Euro, quer no tocante às
limitações decorrentes dos seus enormes desequilíbrios internos quer no tocante
às suas visivelmente débeis condições de crescimento.
Em suma, e ao contrário do que nos diz o
ruído de fundo, talvez a crise não possa ser dada por acabada tão levianamente…
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