terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A ÂNCORA CULTURAL


Recupero a minha noite de Quinta-Feira em Serralves, onde foram apresentados os resultados de um louvável exemplo de transparência e accountability dado pelo respetivo Conselho de Administração: a encomenda de um estudo à “Porto Business School” sobre o impacto económico imputável à Fundação.
 
Eis a sua conclusão mais forte: o “complexo artístico” gerido pela Fundação terá acrescentado cerca de 41 milhões de euros à riqueza nacional, pago em torno de 20 milhões de remunerações, contribuído para a criação de 1296 postos de trabalho, envolvido quase 700 mil pessoas (perto de 200 mil não nacionais) e entregue ao Estado um valor em impostos a rondar os 11 milhões de euros. Ou seja, terá havido efetivo retorno para os 4,1 milhões de euros de dinheiro público concedido e terá ficado demonstrada a ligeireza e mesquinhez com que o Governo tem abordado o dossiê do financiamento à cultura em geral e às fundações em particular.
 
Quanto ao resto de uma sessão muito rica, sintetizo-o em uma confirmação, duas surpresas e três referências curiosas. A confirmação veio de Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal que foi convidado a comentar o estudo – por coincidência coordenado pelo seu irmão José Costa, numa première entre os dois ao cabo de 41 anos de atividade profissional largamente contígua. Carlos começou por lembrar Vasco Airão para depois elaborar sobre a importância da cultura e do intangível no desenvolvimento, sobre o conceito de “capital social”, sobre instituições culturais dinâmicas (versus inertes), sobre a significância de sinais de modernidade na projeção da imagem de um território, sobre criatividade e inovação, sobre “criação de contexto” e de ambientes de inquietação. Em grande forma!
 
As surpresas vieram do lado do PSD e dos seus dois representantes em palco. Paulo Rangel, mais solto do que o habitual, ajudou a fazer as honras da casa com uma graça e um sentido de oportunidade que nem sempre consegue pôr nos seus desempenhos públicos – como quando afirmou, sorrindo, que “afinal há parcerias público-privadas boas” e que não deviam ser essas a levar os cortes ou como quando sugeriu haver necessidade de se dizerem coisas nas instâncias europeias. Carlos Moedas, o secretário de Estado adjunto, encerrou as intervenções de um modo totalmente inesperado – um guião inteligente, uma presença simpática e uma atitude aberta – para quem apenas o conhecesse das tristes aparições públicas que tem protagonizado; citou Keynes, com quem disse ter aprendido a ser cético em relação à falsa precisão, confessou ter acabado por aderir à ideia de um impacto da cultura na economia, alargou a coisa ao valor económico da língua portuguesa e à economia social, disse que a economia não é “uma coisa das nove às cinco” e não esqueceu mesmo um tributo ao jovem Gaspar há vinte anos contratado por Teresa Gouveia para abordar a matéria.
 
Por fim, três citações pontuais mas de forte simbolismo. Rangel, após uma leitura algo pobre de Marx como arauto da vitória da infraestrutura económica, a postular que haverá sempre um reduto da cultura que escapará à economia. Moedas, numa interpelação sobre o valor último de Serralves e tendo em conta o muito que ainda é incalculável, a interrogar se alguém ainda conseguirá imaginar o Porto subtraído de Serralves. Luis Campos e Cunha, fazendo um paralelismo com Nova Iorque não ser os Estados Unidos mas só poder existir lá, a sublinhar que Serralves também só podia ter acontecido no Porto.
 
Haverá ainda a registar que ninguém entoou o “Grândola Vila Morena”. Embora daí não tivesse vindo qualquer mal ao mundo…

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