terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

DESCALÇAR A BOTA …



Descalçar a bota ou como fazê-lo parece-me um bom mote para descrever a situação política em Itália, mas também em Portugal, por razões muito diversas mas que têm um tronco comum, o modo como a União Europeia e a zona Euro abordaram a crise das dívidas soberanas nas economias do sul.
Em Itália, por muito que o esforçado Monti tenha agradado às autoridades europeias e aos mercados, a vontade democrática está nos seus antípodas. O populismo anda à solta, seja ele trágico-burlesco à Berlusconi ou do tipo anti-sistema, indignados ou de rotura popular como o de Beppe Grillo. E será com parte deste populismo que o sóbrio mas talvez já ultrapassado Bersani terá de governar em condições de uma desde já antecipável instabilidade. O representante querido de toda a nomenclatura europeia, Mário Monti e o seu agrupamento centrista, vê-se circunscrito a muito pouco mais de 10%. Em resumo, derrota em toda a linha da abordagem em curso às crises das dívidas soberanas e da sequência de timings políticos em que ela assenta. E o que é mais complexo sem a emergência de uma linha política clara de alternativa a essa mesma abordagem. Pura rejeição democrática.
Por cá, há também uma bota para descalçar e não é trabalho pouco. O governo, em estilo chico esperto ou de esperteza saloia, resolve agora colar ao argumento da recessão europeia, como se ela estivesse tão oculta para só agora ser descoberta. Se o país estivesse dependente dessa esperteza saloia para conseguir alguma flexibilização por parte da Troika estaríamos bem aviados. O que poderá contar é a significativa unanimidade das forças que têm protagonizado a concertação social. Hoje, à saída das conversas com o PS, a unanimidade de posições parecia contradizer a conflitualidade da concertação social. É obra da maioria conseguir a unanimidade da rejeição. O descalçar da bota está neste caso não propriamente numa ida a votos ao longo de 2013, mas na questão de saber como é que esta maioria consegue uma saída minimamente airosa que permita acomodar politicamente alguma viragem e sobretudo alguns pontos para uma recuperação mais rápida.
Botas pesadas que vêm de um tronco comum: o erro histórico da consolidação fiscal a todo o preço, no pressuposto de que os mercados se sobrepõem à democracia.

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