As declarações de hoje do presidente da Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas à TSF
constituem uma boa ilustração do que são as consequências do que é antecipável
para a economia portuguesa no ano de 2013, muito provavelmente prolongadas para
2014.
A profunda recessão do setor
da construção civil e obras públicas é projetada por Ricardo Pedrosa Gomes em
função do consumo de cimento, um dos indicadores indiretos de maior amplitude
para captar a evolução do setor. O valor observado só tem comparação com os
valores observados em 1973, o que ilustra bem a gravidade da recessão.
Vale a pena elaborar um
pouco sobre a natureza ambivalente da recessão da construção civil e obras públicas.
Uma das dimensões é seguramente o do impacto conjuntural da crise que se abate
sobre a economia portuguesa, sobretudo dos fatores que resultam da profunda
desalavancagem do setor bancário com largo reflexo nas suas opções e margem de
manobra em termos de crédito à habitação e ao setor empresarial da construção. A
outra dimensão é seguramente a das próprias políticas de austeridade que se
repercute na procura desse crédito, não só para habitação nova, mas também para
investimentos de reabilitação do edificado.
Mas há nos números trágicos
da construção civil (sobretudo do desemprego, que atinge de acordo com o
entrevistado já 16% do desemprego declarado nos Centros de Emprego) algo que não
nos pode passar despercebido. O setor da construção civil é talvez aquele que
melhor espelha o estádio incipiente de mudança estrutural da economia
portuguesa. Numa economia que tivesse já concretizado essa transição para um
outro panorama de qualificações, a fileira da construção civil seria sem dúvida
impactada por uma crise desta natureza mas não com a dimensão e repercussões
que a recessão presentemente assume. Esta ressalva corresponde ao mito por
muitas vezes invocado da ideia de motor do crescimento associado à fileira. A
construção nunca foi e nunca será motor de crescimento económico moderno, isto é
gerador de relações inter-industriais mais complexas e de upgrade de especialização de uma economia em direção a setores mais
conhecimento-intensivos. Poderá quando muito ser um setor de acompanhamento de
outras dinâmicas e sobretudo uma almofada para acolher segmentos da população
de menor qualificação (sem ignorar a sua relevância para acolhimento de
atividades de engenharia civil e atividades conexas).
Mas, tal como José Pacheco
Pereira tem denunciado quer nas crónicas do Público, quer no Quadratura, ignorar
o papel que a construção civil assume em transições lentas e penosas, como a da
economia portuguesa, para padrões de maior qualificação de mão-de-obra revela
uma profunda insensibilidade ao momento estrutural em que a economia portuguesa
se encontra. O papel de almofada que o setor ainda representa para uma larga
franja de população não escolarizada com reduzida senão nula probabilidade de
encontrar uma ocupação alternativa tem sido largamente desprezado pela política
económica atual. Ninguém ignora que a dotação infraestrutural pública atingiu já
um limiar que aconselha mais a pensar em manutenção das infraestruturas
existentes do que em novas infraestruturas lançadas com pompa e circunstância. O
parque habitacional existente apresenta, por seu lado, um estado de subocupação
que recomenda prudência de promoção de novo parque. A reabilitação do parque
existente parece emergir como a grande oportunidade para assegurar à fileira a
transição para o novo paradigma. Mas as medidas concretas para concretizar essa
oportunidade continuam no baú da inépcia governamental. Continuo com
curiosidade em perscrutar qual é a sensibilidade do PS a esta questão.
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