segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

UMA BOA ILUSTRAÇÃO



As declarações de hoje do presidente da Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas à TSF constituem uma boa ilustração do que são as consequências do que é antecipável para a economia portuguesa no ano de 2013, muito provavelmente prolongadas para 2014.
A profunda recessão do setor da construção civil e obras públicas é projetada por Ricardo Pedrosa Gomes em função do consumo de cimento, um dos indicadores indiretos de maior amplitude para captar a evolução do setor. O valor observado só tem comparação com os valores observados em 1973, o que ilustra bem a gravidade da recessão.
Vale a pena elaborar um pouco sobre a natureza ambivalente da recessão da construção civil e obras públicas. Uma das dimensões é seguramente o do impacto conjuntural da crise que se abate sobre a economia portuguesa, sobretudo dos fatores que resultam da profunda desalavancagem do setor bancário com largo reflexo nas suas opções e margem de manobra em termos de crédito à habitação e ao setor empresarial da construção. A outra dimensão é seguramente a das próprias políticas de austeridade que se repercute na procura desse crédito, não só para habitação nova, mas também para investimentos de reabilitação do edificado.
Mas há nos números trágicos da construção civil (sobretudo do desemprego, que atinge de acordo com o entrevistado já 16% do desemprego declarado nos Centros de Emprego) algo que não nos pode passar despercebido. O setor da construção civil é talvez aquele que melhor espelha o estádio incipiente de mudança estrutural da economia portuguesa. Numa economia que tivesse já concretizado essa transição para um outro panorama de qualificações, a fileira da construção civil seria sem dúvida impactada por uma crise desta natureza mas não com a dimensão e repercussões que a recessão presentemente assume. Esta ressalva corresponde ao mito por muitas vezes invocado da ideia de motor do crescimento associado à fileira. A construção nunca foi e nunca será motor de crescimento económico moderno, isto é gerador de relações inter-industriais mais complexas e de upgrade de especialização de uma economia em direção a setores mais conhecimento-intensivos. Poderá quando muito ser um setor de acompanhamento de outras dinâmicas e sobretudo uma almofada para acolher segmentos da população de menor qualificação (sem ignorar a sua relevância para acolhimento de atividades de engenharia civil e atividades conexas).
Mas, tal como José Pacheco Pereira tem denunciado quer nas crónicas do Público, quer no Quadratura, ignorar o papel que a construção civil assume em transições lentas e penosas, como a da economia portuguesa, para padrões de maior qualificação de mão-de-obra revela uma profunda insensibilidade ao momento estrutural em que a economia portuguesa se encontra. O papel de almofada que o setor ainda representa para uma larga franja de população não escolarizada com reduzida senão nula probabilidade de encontrar uma ocupação alternativa tem sido largamente desprezado pela política económica atual. Ninguém ignora que a dotação infraestrutural pública atingiu já um limiar que aconselha mais a pensar em manutenção das infraestruturas existentes do que em novas infraestruturas lançadas com pompa e circunstância. O parque habitacional existente apresenta, por seu lado, um estado de subocupação que recomenda prudência de promoção de novo parque. A reabilitação do parque existente parece emergir como a grande oportunidade para assegurar à fileira a transição para o novo paradigma. Mas as medidas concretas para concretizar essa oportunidade continuam no baú da inépcia governamental. Continuo com curiosidade em perscrutar qual é a sensibilidade do PS a esta questão.

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