Não escondo que os Açores
são uma região na qual gosto particularmente de trabalhar. A autonomia é uma
conquista que tem sido admiravelmente preservada, a alternância democrática
fez-se sem grande sobressalto e a experiência socialista de exercício do poder
constituirá nos próximos tempos uma marca de que os socialistas em Portugal
poderão orgulhar-se. Carlos César é de facto um político de grande craveira e a
sua sucessão por Vasco Cordeiro é um raro exemplo de sabedoria, concretizada
também sem sobressalto e seguida de uma reorganização da máquina governativa,
contida, bem mais pensada e eficaz do que a precipitada redução de ministérios
operada no continente. Pode dizer-se que a sucessão foi eleitoralmente
favorecida por um erro tático da líder social-democrata que se deixou colar
excessivamente ao governo da República e a Passos Coelho. Quando, face ao pior
período do governo de Lisboa, a líder social-democrata quis descolar e
reivindicar autonomia, já foi tarde, erro que um Mota Amaral dos bons tempos
provavelmente não teria cometido. Mas atribuir a este erro tático o sucesso da
sucessão política e a tranquilidade com que Vasco Cordeiro assumiu o poder
constitui uma desvalorização injustificada da sabedoria política que a autonomia
açoriana tem acumulado com a liderança socialista.
Ora, num dia de trabalho que
deu para rever amigos, conhecer melhor a nova estrutura do governo regional e
continuar a mergulhar em alguma da restauração mais informal de Ponta Delgada e
zonas vizinhas (hoje uma caldeirada de congro, em Relva, no restaurante
familiar Saca a Rolha), foi com prazer que tomei contacto com um governo e uma
administração regional a preparar-se ativamente para o novo período de
programação. E a preparar-se não com uma perspetiva de captura pura e simples
do financiamento comunitário, mas pelo contrário com a serena convicção de
utilizar este último para atacar alguns problemas estruturais do modelo de
crescimento açoriano.
Noutras oportunidades, terei
certamente ocasião de debater neste espaço alguns desses constrangimentos. Por
hoje, fico-me por dois temas que ilustram bem essa perspetiva de ajustar a
programação comunitária à natureza dos constrangimentos estruturais da economia
e sociedade açorianas.
O primeiro problema é o do
abandono escolar. Respeitar a meta ambiciosa da Europa 2020 dos 10% para a taxa
de abandono escolar é uma tarefa inatingível no período 2014-2020. Mas isso não
significa que a administração regional não esteja a desenvolver esforços no
sentido de investigar a real dimensão do fenómeno na Região. Uma escala de
planeamento tão manejável como a dos Açores apesar da fragmentação arquipélago
proporciona abordagens inovadoras. O Observatório do Emprego e da Formação
Profissional da Região tem em curso um processo de monitorização do problema
(estabelecido em sede de Assembleia Legislativa) totalmente inédito em
Portugal. Para além de ser desenvolvida a partir de uma compatibilização
exaustiva das fontes provenientes das Escolas da Região (incluindo as Escolas
Profissionais), o processo envolve a inquirição do universo de jovens que os
registos escolares sugerem estar em situação de abandono. A radiografia das
situações de abandono é total, podendo com acumulação de alguns anos da
experiência proporcionar à política pública um suporte de informação
inestimável.
A presença do abandono
escolar é visível, por exemplo, nos números do desemprego registado em que 60%
dos desempregados tem menos do que o nono ano de escolaridade, dificultando a
sua reabsorção pelo mercado de trabalho regional. Por outro lado, as escolas do
ensino regular começam a entrar no domínio do ensino profissional, partindo
para a tarefa com mais fracos recursos do que as Escolas Profissionais que têm
desempenhado até agora a nobre função de reter no sistema educativo jovens com
forte propensão para o abandono.
O segundo tema é a difícil
preparação da Região para a dimensão do crescimento inteligente, uma das
bandeiras da programação 2020. Aqui os desafios são de outra natureza. A
Universidade dos Açores até ao momento não tem sido indutora de um sistema
regional de inovação. Alguns dos seus recursos mais valiosos (por exemplo a
oceanografia e a biotecnologia marinha), com reconhecimento científico
internacional, estão a anos-luz de uma lógica de criação de valor e de
translação de conhecimento para a esfera empresarial. Por outro lado, a
ausência das ciências da engenharia prolonga essa dificuldade. É um tema
apaixonante: como é que numa região com estes constrangimentos se constrói uma
estratégia de crescimento inteligente, rebocando a Universidade para uma lógica
mais intensa de criação de valor?
Sem comentários:
Enviar um comentário