quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

POR TERRAS DOS AÇORES



Não escondo que os Açores são uma região na qual gosto particularmente de trabalhar. A autonomia é uma conquista que tem sido admiravelmente preservada, a alternância democrática fez-se sem grande sobressalto e a experiência socialista de exercício do poder constituirá nos próximos tempos uma marca de que os socialistas em Portugal poderão orgulhar-se. Carlos César é de facto um político de grande craveira e a sua sucessão por Vasco Cordeiro é um raro exemplo de sabedoria, concretizada também sem sobressalto e seguida de uma reorganização da máquina governativa, contida, bem mais pensada e eficaz do que a precipitada redução de ministérios operada no continente. Pode dizer-se que a sucessão foi eleitoralmente favorecida por um erro tático da líder social-democrata que se deixou colar excessivamente ao governo da República e a Passos Coelho. Quando, face ao pior período do governo de Lisboa, a líder social-democrata quis descolar e reivindicar autonomia, já foi tarde, erro que um Mota Amaral dos bons tempos provavelmente não teria cometido. Mas atribuir a este erro tático o sucesso da sucessão política e a tranquilidade com que Vasco Cordeiro assumiu o poder constitui uma desvalorização injustificada da sabedoria política que a autonomia açoriana tem acumulado com a liderança socialista.
Ora, num dia de trabalho que deu para rever amigos, conhecer melhor a nova estrutura do governo regional e continuar a mergulhar em alguma da restauração mais informal de Ponta Delgada e zonas vizinhas (hoje uma caldeirada de congro, em Relva, no restaurante familiar Saca a Rolha), foi com prazer que tomei contacto com um governo e uma administração regional a preparar-se ativamente para o novo período de programação. E a preparar-se não com uma perspetiva de captura pura e simples do financiamento comunitário, mas pelo contrário com a serena convicção de utilizar este último para atacar alguns problemas estruturais do modelo de crescimento açoriano.
Noutras oportunidades, terei certamente ocasião de debater neste espaço alguns desses constrangimentos. Por hoje, fico-me por dois temas que ilustram bem essa perspetiva de ajustar a programação comunitária à natureza dos constrangimentos estruturais da economia e sociedade açorianas.
O primeiro problema é o do abandono escolar. Respeitar a meta ambiciosa da Europa 2020 dos 10% para a taxa de abandono escolar é uma tarefa inatingível no período 2014-2020. Mas isso não significa que a administração regional não esteja a desenvolver esforços no sentido de investigar a real dimensão do fenómeno na Região. Uma escala de planeamento tão manejável como a dos Açores apesar da fragmentação arquipélago proporciona abordagens inovadoras. O Observatório do Emprego e da Formação Profissional da Região tem em curso um processo de monitorização do problema (estabelecido em sede de Assembleia Legislativa) totalmente inédito em Portugal. Para além de ser desenvolvida a partir de uma compatibilização exaustiva das fontes provenientes das Escolas da Região (incluindo as Escolas Profissionais), o processo envolve a inquirição do universo de jovens que os registos escolares sugerem estar em situação de abandono. A radiografia das situações de abandono é total, podendo com acumulação de alguns anos da experiência proporcionar à política pública um suporte de informação inestimável.
A presença do abandono escolar é visível, por exemplo, nos números do desemprego registado em que 60% dos desempregados tem menos do que o nono ano de escolaridade, dificultando a sua reabsorção pelo mercado de trabalho regional. Por outro lado, as escolas do ensino regular começam a entrar no domínio do ensino profissional, partindo para a tarefa com mais fracos recursos do que as Escolas Profissionais que têm desempenhado até agora a nobre função de reter no sistema educativo jovens com forte propensão para o abandono.
O segundo tema é a difícil preparação da Região para a dimensão do crescimento inteligente, uma das bandeiras da programação 2020. Aqui os desafios são de outra natureza. A Universidade dos Açores até ao momento não tem sido indutora de um sistema regional de inovação. Alguns dos seus recursos mais valiosos (por exemplo a oceanografia e a biotecnologia marinha), com reconhecimento científico internacional, estão a anos-luz de uma lógica de criação de valor e de translação de conhecimento para a esfera empresarial. Por outro lado, a ausência das ciências da engenharia prolonga essa dificuldade. É um tema apaixonante: como é que numa região com estes constrangimentos se constrói uma estratégia de crescimento inteligente, rebocando a Universidade para uma lógica mais intensa de criação de valor?

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