(Com a devida vénia a Gabi Beltrán, El País)
Parece uma obsessão da minha
parte, mas não é. Por razões intelectuais, mas também profissionais, desde há
longo tempo que acompanho de perto a realidade espanhola.
Nos tempos mais recentes,
esse acompanhamento tornou-se ainda mais intenso. E há uma razão muito clara
para esse interesse. Pela sua dimensão, a economia espanhola constitui um ponto
fulcral de observação dos efeitos associados ao desabamento do universo imobiliário
e financeiro provocado pela chegada à Europa da crise de 2007-2008. A jornalista Soledad Gallego-Diáz tem a pontaria afinada quando hoje no El País escreve que “neste país
existiu um mecanismo de geração de dinheiro negro, relacionado com o mundo
imobiliário e financeiro, que contaminou os partidos políticos e do qual todos
os responsáveis querem agora escapar”.
É este aspeto que me
interessa principalmente. As patologias do crescimento económico não são meras
desregulações do mercado, que ocorrem por desatenção, incompetência ou
cumplicidade de reguladores, aos mais variados níveis em que a regulação é
exercida. Tais patologias só ocorrem porque do ponto de vista institucional se
criam as condições adequadas para acolher, como campo fértil, a rápida
disseminação dos processos, comportamentos e cálculos económicos que aceleram a
patologia. A designação de “crony capitalism” ou capitalismo de compadrio é
uma tentativa, imperfeita a meu ver, de caracterizar a referida patologia. E
entre tais condições está seguramente a das ligações entre alguma classe política
e os universos de que a patologia se alimenta.
Nestas coisas, os espanhóis
não falam meigo e aprecio-os por isso (neste registo, recomendo a audição da
entrevista de hoje à TSF de D. Januário Torgal Ferreira, Bispo das Forças
Armadas). César Molinas descreve a classe política espanhola como uma “elite
extrativa” (de saque, de captura), o que é de facto uma expressão nada meiga
para descrever as razões do rompimento já dificilmente recuperável do pacto político entre representantes e representados políticos.
O que o epicentro espanhol desta
patologia de crescimento das economias do sul nos mostra é que as relações desta
patologia com a degenerescência dos representantes começa na falta de transparência
e de democracia interna aberta das forças políticas.
Isto significa algo de
importante que tem sido fortemente escamoteado. Não basta regenerar o modelo de
crescimento, estancando a patologia e promovendo outros modelos de afetação de
recursos menos tributários do bloco imobiliário-financeiro, já de si um desafio
de grande magnitude. Para além disso, é necessário reparar os danos provocados no
tecido institucional, designadamente político-partidário. Será que
endogenamente e sem pressões do exterior as forças políticas mais contaminadas
são capazes de o fazer?
Post scriptum: Para amenizar tudo isto uma tarde com a música de Martha Argerich, num disco precioso que me chegou da Diapason - Lugano Concertos da Deutche Gramophone, uma das únicas vias para compensar o deserto de distribuição discográfica que o Porto e Lisboa atualmente representam.
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